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Conforme fui lançando resenhas aqui no JBox, notei que muitos termos e fases da produção de um mangá pela editoras são desconhecidos para muitos leitores. E, de fato, é um assunto complicado, já que as informações que recebemos são sempre fragmentadas e variam de empresa para empresa.

Foi pensando nisso que pesquisamos e montamos este artigo. Espero que seja útil e ajude os leitores a entender os processos e etapas que um mangá sofre antes de chegar às nossas mãos.

Inicialmente a editora vai fazer uma pesquisa, qual o público que ela tem e quer atingir, suas concorrentes, normalmente analisam o sucesso dos títulos nos Estados Unidos ou na Europa – e quem sabe até deem uma olhada nos mais procurados e baixados nos scanlators brasileiros. Tendo isso em mente, escolhe-se uma obra.

O primeiro passo, após a editora decidir o que ela quer lançar, é negociar com a detentora dos direitos. Existem várias formas de se fazer isso, por exemplo, pode-se contratar uma empresa para fazer a ponte entre as duas, comprar os direitos numa representante oficial ou lidar direto com a empresa. Exemplo de algumas intermediadoras: a Viz Media, a Tuttle-Mori Agency e a Topaz Agency.

Feito o pedido a editora original ou empresa responsável analisa os dados de público e interesse, experiência da editora, para então decidir se vai ou não negociar a licença. Uma empresa dessa não é obrigada a negociar as licenças que tem, por isso nem sempre estão disponíveis ou tem interesse no Brasil. Tendo a empresa aprovado, é feito um contrato. Nesses contratos pode haver vários tópicos, como tamanho e formato que deverá ser lançado o título, exigências de tipo de material, forma de entrega do original, forma de pagamento, condições de renovação, tipos de direitos de uso adquirido, dentre muitos outros possíveis.

Além do valor inicial para compra da licença do título, normalmente é pago também uma porcentagem em cima das vendas. Por isso, quanto menos o título vende, maior é o preço da licença repassado por volume.

No caso de títulos em andamento no país de origem, ele precisa ser constantemente renegociado ou renovado para abranger os novos volumes.

Caso tenha interesse em saber mais sobre esse processo, na entrevista feita pelo JBox, o editor-chefe da JBC, Marcelo Del Greco, comenta alguns desses quesitos no caso específico da editora.

Resolvido toda a parte burocrática e assinado a licença legal, a detentora dos direitos envia o material para a editora brasileira. O contrato pode abranger o recebimento do material em meio digital em CD ou DVD, sendo que esse pode já estar com algumas coisas apagadas, como balões, falas fora de balões e onomatopeias. Geralmente se paga a mais por esse serviço e o preço varia muito. Além desse material, a editora recebe os volumes impressos do mangá.

Recebendo ou não no meio digital, o processo é o mesmo (sendo ele feito no Japão, na Coréia ou no Brasil), desmonta-se o mangá, escaneia-se página por página, alinha-se as páginas, ajeita-se os tons de branco, cinza e preto (Grayscale) utilizando os “níveis” (levels) e “contraste” (contrast). Às vezes acontece da editora receber os arquivos digitais com algo apagado a mais ou algum erro, neste caso a editora brasileira tem que reescanear.

Enquanto isso um volume original em papel é entregue e repassado para o tradutor e depois para um adaptador e um revisor. Essa etapa pode ser mais complexa e passar por várias pessoas ou ser feita por apenas uma, o que varia de editora para editora. No caso da Panini, por exemplo, o material passa por várias revisões e avaliações, inclusive depois da edição ter sido concluída. Esse processo inclui os Tradutores, Revisores, Adaptadores, Assistentes de Tradução e Assistente de Revisão.

Empresas como a JBC e a Panini atualmente só traduzem do original, mas anos atrás a tradução de versões americanas ou francesas eram muito comuns. Terminados todos os processos o texto é passado para a edição.

Na edição, já tendo o mangá em meio digital é necessário apagar as falas japonesas. Esse processo de “limpeza” das páginas pode ser feito (ou parcialmente feito) pelas editoras originais. Geralmente se utiliza programas de edição de imagem, como o Photoshop, FireWorks, etc.

Em alguns casos as falas estão sobre um padrão ou sobre a arte, nessas situações existem duas coisas que podem ser feitas. A primeira, a maneira fácil, é colocar um quadro branco sobre a fala original, essa prática é extremamente não recomendada, além de feio visualmente, perde-se parte da arte original. A segunda é a reconstrução, ou seja, se desenha ou copia a arte tampando as letras japonesas. Esse ato de “copiar” pode ser chamado de “clone”, “clonagem” ou “carimbo” devido ao nome americano e português da ferramenta que se usa. O “clone” é muito usado para se refazer as retículas, que são padrões e “redes” de pontos, flores, estrelas, círculos, etc. Essas retículas são compradas de empresas especializadas, por isso é muito comum vários autores usarem a mesma.

Em certo aspecto a produção dos quadrinhos orientais é ultrapassada, os autores não guardam versões sem as falas, até porque muitas dessas falas são feitas à mão, como parte da arte. São pouquíssimos os mangakás (autores) que utilizam o computador. E é por isso que toda a editora tem sempre que primeiro desfazer o trabalho oriental para depois colocar os textos em português. Esse processo, às vezes chamado de “clean” ou só “edição”, pode ser o mais trabalhoso dependendo do estilo do autor.

Depois dele vem o “typeset”. Em algumas editoras é chamado de “letras” e nessa etapa as falas do documento são posicionadas nos seus devidos lugares com uma certa fonte e numa certa inclinação. As fontes são escolhidas de acordo com o estilo do mangá, algumas delas são heranças das fontes usadas nos “comics”. Algumas editoras ignoram e atropelam o estilo de fontes do autor, padronizando tudo com apenas uma.

Vale a pena comentar que as fontes no Japão são usadas para indicar o tipo de voz,  de emoção e o volume da fala. Existe uma certa padronização, apesar de certos autores terem fontes pessoais, além de algumas também variar de acordo com o estilo da obra. Alguns Shoujos (mangás voltados para o público feminino) podem ter mais de 20 fontes diferentes, Ouran Host Club é um bom exemplo.

É muito difícil achar um mangá no Brasil que siga fielmente todas as fontes, geralmente escolhe-se algumas e utiliza-se o negrito, itálico e variação de tamanho para representar as fontes menos expressivas. Em outros casos pode ser até criado um padrão diferente do original ou, como foi dito acima, usar apenas uma.

Além das fontes, as falas num mangá podem ter inclinações e efeitos, essas características são usadas para representar falas secundárias, falas de fundos, gritos, cochichos ou dar destaque em emoções ou expressões. Os efeitos podem ser desde brilhos e contornos em volta da palavra (que também é usado para textos que ficam sobre o desenho, para facilitar a leitura), padrões dentro das letras e até deformações (como em forma de onda, circular…).Todas essas características variam de autor para autor e definem o estilo pessoal do mesmo.

O processo de colocação das falas também inclui a centralização. Centralizar significa que o centro do texto está diretamente sobre o centro do balão, em outras palavras, o espaçamento da direita e da esquerda, de cima e de baixo devem ser iguais. Esse processo pode ser muito mais complicado do que aparenta, nem todos os balões são circunferências perfeitas. Sendo assim, para centralizar num balão deformado deve-se imaginar um círculo ou elipse que melhor se assemelhe as dimensões do balão e assim marcar um centro. Vale a pela chamar atenção ao trabalho de Donizeti Amorim, da Panini, que tem umas das melhores centralizações do mercado.

É interessante que no Japão não existe centralização, as falas são alinhadas no limite superior e “caem em efeito cascata”. Essa mania de centralização tanto do texto quanto no balão é, novamente, uma herança dos comics e quadrinhos europeus. Em alguns casos os editores usam o texto alinhado na esquerda ou direita, por exemplo, a Panini margeia na esquerda as narrações fora dos balões e quadros e a NewPop usa ambos os alinhamentos para quando a fala está naqueles balões que representam 1/2 ou 1/4 da circunferência.

Quanto às onomatopeias, às vezes são editadas, ou seja, substituídas totalmente pela em português, ou apenas legendadas. Alguns anos atrás todos os mangás tinham onomatopéias editadas, muitas delas americanizadas. Essa prática era devido à cultura dos “comics”, mas após pedirmos incessantemente as editoras mudaram e passaram a apenas legendar as onomatopeias, mantendo as originais. Nos dias de hoje é difícil ver versões como onomatopeias editadas, mas ainda existe.

Quanto a esses processos, a Elza Keiko, em Otomen 1, comentou as particularidades da empresa, vale a pena dar uma lida.

Ao final de tudo ainda fica faltando as revisões finais (Quality Check), a produção da capa e a organização do material preparando-o para a gráfica.

No Brasil cada editora prepara a capa de uma forma. A JBC, por exemplo, adora utilizar as capas americanas adaptadas. A Conrad é conhecida por fazer as próprias capas, apesar de também ter várias capas que são só adaptações das japonesas. A Panini utiliza as japonesas e adapta, apesar de ter um ou outro mangá onde são obrigados a inventar bastante e bem constantemente trocam as cores (por causa de certos padrões de impressão) e detalhes das capas originais.

Todos esses processos são sempre gerenciados por um Editor Chefe ou Editor Sênior, que é o responsável pela equipe. A produção da capa, de algumas revisões e da edição propriamente dita são feitas pelos Editores. O fechamento do material, revisões e retoques finais também podem ser feitos por Assistentes Editoriais. E o processo de “letras” é feito por um Letrista.

Tendo concluído tudo e passado por diversas revisões, o material é encaminhado para uma gráfica, geralmente contratada, que é encarregada da impressão e encadernamento dos volumes. Após esse processo as obras são repassadas para uma distribuidora, também contratada, que é encarregada da distribuição dos mangás para lojas, livrarias e bancas no Brasil.

Essa distribuição pode ser setorizada ou unificada. Na unificada os volumes são encaminhados para todo o Brasil ao mesmo tempo. Na setorizada a empresa divide o país em setores, no caso é comum ser dividido em setor 1: São Paulo e Rio de Janeiro e  setor 2: o resto do país. Primeiro os mangás são enviados ao setor 1, passado um pouco mais de um mês (as vezes bem mais) são recolhidos, organizados e repassados para o setor 2. Além da óbvia defasagem de tempo entre a entrega para os dois setores, não muito raramente os mangás do setor 2 vem com erro, sem plastificação ou acontece de pular um número. É muito comum que muitos mangás não cheguem às cidades do Centro-oeste e Norte. Algumas empresas menores só distribuem nas duas grandes metrópoles e o único jeito de se adquirir os títulos é via lojas virtuais.

Bom, em termos gerais é isso. De cabo a rabo. Agradeço a ajuda da Maya e do Cloud com a pesquisa e as informações (dadas diretamente ou indiretamente) pela Elza Keiko (Panini), Jr Mendes (NewPop) e Marcelo Del Greco (JBC).