Depois de ficar um bom tempo sem lançar novos mangás, a Conrad voltou com a reedição de Gen Pés Descalços (Hadashi no Gen) – título que já havia sido lançado pela editora em 1999, antes do boom dos mangás que aconteceu no final de 2000.

Gen Pés Descalços foi escrito e desenhado por Keiji Nakazawa, um sobrevivente da bomba atômica de Hiroshima.

Em 1961, com 22 anos, decidiu trabalhar como mangaká e se mudou para Tóquio. Após algumas tentativas começou a publicar títulos diversos, porém foi após a morte da mãe alguns anos depois que ele se tocou que o povo japonês em geral era ignorante em relação ao que havia acontecido durante a guerra e foi então que decidiu escrever histórias focando-se nesse assunto.

Após vários trabalhos publicados em revistas de teor adulto nas editoras menores, graças ao apoio de um editor, ele conseguiu emplacar alguns trabalhos para a Shonen Jump, onde o mangá de Gen começou a ser serializado em 1973, mas assim que o tal editor foi trocado, o novo responsável resolveu cancelar o mangá.

Com isso, em 1975 a história migrou para outra revista, a Shimin, que mais tarde viria a fechar e Gen se mudou para a  Bunka Hyoron em 1977, que faliu uns anos depois e então a publicação foi para a revista Kyoiku Hyoron, onde foi ficou de 1982 até a sua conclusão, em 1985.

A versão publicada por aqui em 1999 teve um total de 4 edições lançadas, pois essa era a quantia de volumes que haviam sido editadas pelo Projeto Gen, um grupo formado por voluntários com o intuito de divulgar a obra pelo mundo.

Os trabalhos para fazer a versão em inglês dos volumes 5 a 10 só foram retomados pelo Projeto Gen mais tarde, bem depois da Conrad ter publicado por aqui e por isso ficamos somente com os 4 volumes iniciais.

A quantidade de páginas da antiga publicação variava de 160 a 280 por edição, eram impressas em papel pólen, apenas em preto e branco, leitura ocidental e com uma reorganização da posição de alguns quadrinhos, enquanto espelharam outros e editaram algumas imagens que poderiam ser consideradas mais polêmicas.

Já a versão que a Conrad está começando a publicar agora está totalmente baseada na versão original, com tradução a partir do japonês feita pela Drik Sada – que já costumava trabalhar com a Conrad nos títulos de Tezuka e Slam Dunk, por exemplo.

O papel utilizado nesta edição é o offset, porém com uma gramatura um pouco fina, onde é possível enxergar de leve o que está impresso do outro lado. Sinto saudades da época em que dificilmente se via “vestígios” do que estava impresso no verso da folha… seja por as folhas serem mais grossas ou eu não prestar atenção, não sei ao certo.

As duas páginas de apresentação estão impressas em amarelo, as primeiras 4 são completamente coloridas e todas as páginas restantes são em preto e branco, impressos com uma ótima definição (sem serrilhados ou efeitos moiré aparentes).

A tinta preta é preta mesmo, de ponta a ponto manteve a mesma intensidade de cor (simplificando, não encontrei páginas impressas em cinza no meio do mangá).

Na capa temos ao fundo uma cena que aparece na página 6 do mangá (porém em preto e branco), que mostra o antigo Salão Comercial de Hiroshima (onde agora fica o Memorial da Paz em Hiroshima) e com dois círculos com acabamento envernizado. No fundo da capa temos um pequeno e discreto logotipo da Conrad.

Na parte de trás (ou frente oriental) temos a outra parte da cena, mostrando a ponte que fica o lado da rua, e mais uma vez com os dois círculos com acabamento envernizado. Neste lado também temos o código de barra, o preço e o logotipo da editora num tamanho maior, tornando assim o outro lado bem mais “limpo”.

Nas orelhas da capa há uma citação de Robert Crumb, Yoshito Matsushige – sobrevivente de Hiroshima -, uma pequena biografia do autor Keiji Nakazawa e uma breve introdução à história.

Para apresentação do mangá, no “lado ocidental” temos um pequeno texto do crítico literário Hideki Ozaki, uma introdução mais detalhada, e assim como da outra vez também temos o prefácio escrito por Art Spiegelman, autor de Maus – uma história em quadrinhos que retrata de certa forma os horrores sofridos pelos judeus, também na Segunda Guerra Mundial.

Se comparada com a antiga edição 1, esta nova versão possui 15 páginas a menos de história, que devem ter ficado para o volume 2.

As traduções das placas são todas feitas em notas ao redor dos quadros. Para as explicações de alguns termos, adaptações, origens de citações ou músicas, são utilizadas notas de rodapé.

O método da tradução segue a linha tradicional que já era utilizada pela Conrad, transcrevendo os diálogos para o nosso idioma sem os honoríficos, mas mantendo-se fiel à proposta original. Em alguns casos alguns termos em japonês foram utilizados, mas com uma nota logo abaixo explicando o significado do mesmo. Os diálogos fluem naturalmente e como de costume, foi um ótimo trabalho feito pela tradutora.

Sobre a história, muitos já devem conhecer: ela fala de Gen, um garoto que vive com sua família – pai, mãe e vários irmãos – na época da Segunda Guerra Mundial, onde mesmo antes da queda da bomba passavam fome e necessidade por causa da miséria trazida pelos esforços de guerra. Depois da bomba, ele batalha pra conseguir sobreviver em meio a toda a tragédia. É como se fosse uma autobiografia do autor, que passou por muitas dessas dificuldades.

No início da história, devido a posição do pai da família em relação à guerra, que a criticava sempre que possível por ser a favor de um esforço pela paz, a família toda acabou sendo mal vista pelos vizinhos, que os consideram anti-patriotas.

Eles só possuem o apoio de um coreano, Bok, que na época também era extremamente discriminado pelos outros, pois coreanos e chineses foram levados para o Japão para serem utilizados em trabalhos forçados. Mesmo Gen em certo momento comenta que não gostaria de ser visto conversando com o senhor Bok, para que não tivesse ainda ainda mais motivo para deboches feitos pelas outras crianças.

Enquanto toda a família sofria com a exclusão e maus tratos, o filho mais velho decide se alistar na marinha e lá se encontra alguns jovens que foram selecionados para se tornarem kamikazes – mas por pressão externa e não por vontade própria. O mangá acaba mostrando outro lado triste da guerra, onde seres humanos eram considerados mais descartáveis que as armas de fogo e os militares manipulavam o povo para que todos aceitassem e admirassem a postura de morrer pelo imperador.

Este primeiro volume termina logo após a queda da bomba em Hiroshima, onde Gen precisou fazer umas das escolhas mais difíceis de sua vida.

Neste mangá temos uma amostra de um povo que sofreu uma espécie de lavagem cerebral, onde fazem de tudo para o divino imperador, e os poucos que tinham a cabeça no lugar sofriam com a desaprovação de todo o resto. Chega a ser até perturbador.

É curioso também ver que o mangá não nos empurra que a culpa do sofrimento causado pela bomba ser só dos americanos, a crítica é muito maior em cima do próprio alto escalão japonês que queria continuar com a guerra de qualquer forma.

Este é um mangá de teor pesado, principalmente nas próximas edições. Até me lembro de ter emprestado a coleção antiga pra um amigo e ele acabou me devolvendo sem ler por inteiro, por não ter conseguido “desfrutar” a obra sem se sentir mal com aquilo que foi retratado.

Título: Gen Pés Descalços, vol.1 – O Nascimento de Gen, o Trigo Verde
Autor: Keiji Nakazawa
Formato: 14 x 21 cm (capa cartonada com orelhas)
Páginas: 280 (offset)
Duração: 10 volumes
Periodicidade: Trimestral
Lançamento: Maio de 2011
Preço: R$24,90
Demográfico: Seinen
Gênero: Drama, Histórico