O que aconteceria se Kunihiko Ikuhara, o diretor do icônico Revolutionary Girl Utena decidisse dirigir um anime de comédia moderno? A resposta é simples: Mawaru Penguindrum.

Mawaru Penguindrum (algo como “Tambor Pinguim Giratório”, numa tradução livre) conta a história dos irmãos Kanba, Shoma e Himari Takakura (para quê?). Os três vivem tranquilamente sozinhos numa casa no subúrbio de Tóquio até que descobrem que Himari sofre de uma doença e se encontra em estado terminal.

Durante uma visita a um aquário, Himari acaba desmaiando e é levada ao hospital, onde morre. Porém, de repente, ela se se levanta com um estranho chapéu-pinguim sobre sua cabeça e grita “Estratégia de Sobrevivência”. Tem início a busca dos irmãos Takakura pelo Tambor Pinguim.

Antes de mais nada, quero deixar claro que vou tentar me abster o quanto possível de “filosofar” demais sobre o simbolismo de Mawaru Penguindrum. Existem muitos artigos ótimos sobre isso na internet então me focarei na mensagem central da série e em sua execução. Com isso dito, fiquem alerta quanto a possíveis spoilers mais à frente.

Quando as primeiras notícias sobre Mawaru Penguindrum saíram, poucas informações concretas foram dadas. Lembro-me de ver o pôster da série e a menção ao retorno à direção de Ikuhara após um longo tempo período. A imagem era simples, mas apresentava um character design bonito (primeiro trabalho para a TV de Lily Hoshino, exceto pela adaptação de um de seus mangá, Otome Youkai Zakuro) e me chamou a atenção pelo uso do número 95 num motif de metrô.

Para os que não sabem, em 1995 ocorreu uma série de ataques com gás Sarin (uma neurotoxina considerada uma “arma de destruição em massa” e de uso e manutenção proibida pela ONU desde 1991) ao metrô de Tóquio, perpetrado pelo grupo religioso Aum Shinrikyo e que é considerado o maior ataque terrorista sofrido pelo Japão moderno, com doze mortos e dezenas de feridos.

A partir desse momento, minhas expectativas por Penguindrum começaram a se dividir. Se por um lado eu esperava uma série adulta e pesada que abordaria temas como fanatismo e aceitação da morte, pelo outro eu via cada vez mais que ela seria apenas mais uma série de comédia. No fim, foi os dois… mais ou menos.

Por volta da metade do ano, enfim saiu o primeiro episódio do anime. Começando com um monólogo sobre o destino e então caminhando a passos largos para a comédia nonsense até enfim retornar para um segundo monólogo sobre o destino, Peguindrum conseguiu algo que poucos animes até hoje conseguiram: me conquistar com seu primeiro episódio.

A animação não era excepcional e, apesar de original e mais tarde se revelar metafórico, o uso de “bonecos de metrô” para representar os passantes é visivelmente uma técnica para poupar gastos, o que se torna ainda mais claro conforme a série segue e mais e mais “jeitinhos” de economizar na animação são aplicados, algo bem similar ao que foi feito em Neon Genesis Evangelion, só que em menor escala.

Com muitos altos e baixos, os primeiros doze episódios da série introduziram todos os atores e, lentamente, criaram o cenário para que o segundo ato ocorresse. A partir da segunda metade, a história começa a se revelar e muitas perguntas novas surgem para manter o fôlego da série até seu grand finale. Após cerca de seis meses, Mawaru Penguindrum terminou e depois de acompanhar semana a semana o desenrolar dessa trama, uma pergunta ficou em mim: O que exatamente eu acabei de assistir?

Todo o primeiro ato de Penguindrum foi uma grande comédia Pythonesca. As situações eram malucas e tudo carregava uma leveza enérgica e jovial. As relações entre os personagens eram mostradas levemente e tudo tinha um feel otimista, apesar das sombras que pairavam ao redor das personagens.

Mas ao passo de cada episódio a trama tomava direções imprevisíveis e as personagens revelavam mais e mais sobre si mesmas, muitas vezes mostrando ângulos quase totalmente inesperados. Até aí tudo ótimo. O problema começa quando o enredo passa a “girar” demais. Imprevisibilidade é sempre algo bom, entretanto, quando isso começa a prejudicar o ritmo dos acontecimentos, torna-se um problema.

É como iniciar a ler um livro de fantasia medieval e ver surgirem anões com braços mecânicos e então robôs gigantes na história. Por mais gradual e bem executada que seja a transição, é inevitável que pareça estranho, principalmente se muitos elementos iniciais forem mantidos. Se a intenção era tornar Penguindrum um anime sério, por que manter a falta lógica e os alívios cômicos (sim, estou me referindo aos pinguins azuis)? E tudo piora quando esses não são explicados.

Não basta haver simbolismo e complexidade se o enredo falha no que não poderia, em explicar a si próprio. Não posso negar que a metáfora dos “fantasmas do passado” é boa, entretanto acaba parecendo injustificada. Ainda que desde o primeiro episódio tenha sido dito que “a lógica não importa”, eu não consigo deixar de sentir que isso simplesmente soa errado numa obra séria.

Até a tática de se apresentar como algo leve para então se transformar já havia sido usada duas outras vezes nesse mesmo ano (em Puella Magi Madoka Magica e em Steins;Gate) e isso prejudicou bastante o “fator de choque” nesse caso. Tivesse sido exibido ano passado, talvez o barulho causado pelo Tambor Pinguim tivesse sido mais alto.

Ainda mantendo as comparações, a transformação sofrida pelas personagens em Mawaru Penguindrum não conseguiu ser tão dolorosa quanto em Steins;Gate, muito disso devido à falta de tempo para desenvolvê-las. Tantas personagens eram trabalhadas simultâneamente que nenhuma conseguiu receber atenção o bastante para se tornar madura.

A relação entre Kanba e seus pais acaba ficando pouco explorada, bem como a mudança de atitude de Ringo torna-se plástica por ocorrer rápido demais. Mais uma vez, a história é sacrificada em nome do simbolismo.

Apesar de tudo isso que falei, a mensagem sobre o destino, sobre como ninguém deve ser culpado pelas escolhas de outros e a reflexão sobre o peso da família na vida do indivíduo é inteligente e teria compensado todos os sacrifícios se o público alvo a tivesse recebido. Mas, honestamente, não acho que isso tenha ocorrido.

Ikuhara é como um poeta que esconde o sentido do que fala atrás de metáforas e símbolos, exigindo que o espectador analise profundamente a obra para enfim entender o que ele quer dizer. Mas Mawaru Penguindrum não é uma poesia, é um anime, uma obra audiovisual voltada para o público jovem, para um público que espera entender facilmente o que se tem a dizer, um público acostumado a dizer tudo com 140 caracteres.

A profundidade de uma obra é sua beleza essencial, sua alma, mas se o primeiro olhar não atrai, como exigir que alguém vá mais fundo e busque aquilo que se esconde atrás de meias-palavras e imagens?

Mawaru Penguindrum mescla momentos de verdadeiro dramalhão, tensão e comédia de um modo que para muitas pessoas se torna irritante. Muitos dos comentários que li sobre o anime em fóruns reclamam disso e da escolha narrativa de contar tudo através de flashbacks.

Ikuhara se inspira em Viagem Noturna no Trem da Via Láctea, de Kenji Miyazawa (um ótimo livro para aqueles que se interessarem e publicado no Brasil em comemoração ao centenário da imigração japonesa), mas se o livro consegue passar sua mensagem é porque ele fala a língua de seu público. E Penguindrum consegue fazer isso? Não digo que a obra deveria se idiotizar, mas talvez se focar um pouco mais na história sendo contada do que na mensagem a ser dita tivesse garantido uma visibilidade maior e, assim, conseguido dizer o que queria dizer.

Mawaru Penguindrum não é ruim. Longe disso. Ele é provavelmente um dos bons animes a saírem numa época onde a originalidade está tão baixa, porém, diferente de tudo do que falei até o momento, eu simplesmente não saberia para quem aconselhá-lo, exceto para fãs de animação experimental e do próprio diretor, afinal, ele ainda é o mesmo Ikuhara de Utena.

Penguindrum pode decepcionar quem quer comédia e decepcionar quem quer drama. No fim, talvez Ikuhara estivesse apenas tentando falar para si mesmo que ainda sabe fazer animes.

Título: Mawaru Penguindrum
Estúdio: Brain’s Base
Gênero: Comédia, Drama, Mistério
Direção: Kunihiko Ikuhara

P.S: Se você leva física a sério demais, não assista esse anime ou correrá sérios riscos de entrar em estado de choque. É sério.