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Antes do JBOX existir, havia um site chamado Japan X. Criado pelo Fábio “Tio Cloud” Oliveira em parceria com Rafael “Apolo Dōko” Shcuabb, o site tinha a proposta de apresentar matérias e notícias dos animes no Brasil em idos de 2003. O site cresceu, eu entrei pra equipe, o Shcuabb teve de sair, o Rafael “Jiback” Brito chegou, morfamos em Órbita X, criamos inimizades com alguns e conquistamos o respeito de muitos…

Depois de um breve hiato, em 2006 o JBOX surgiu pela primeira vez e, de lá pra cá, muita coisa aconteceu. Contamos com vários colaboradores no decorrer de todo esse tempo (Freakzoid, Allena, Kitsune, etc. – só pra citar alguns) e atualmente o site está em um ritmo um tanto desacelerado por dois motivos: crescemos e temos que encarar a vida por outros meios (o JBOX não rende qualquer fortuna como muitos pensam… é ainda um hobby, apesar de sua relevância no meio) e o mercado brasileiro está em um severo período de estiagem.

Se os mangás conseguiram seu (merecido) lugar ao sol no mercado editorial, o mesmo não podemos dizer dos animes.

Mas há um anime que supera toda e qualquer situação de crise que se encontre o país. Estamos falando deles: Os Cavaleiros do Zodíaco. O maior e mais lucrativo anime de todos os tempos no Brasil continua a render cifras milionárias ao redor do mundo e por conta disso, a produtora Toei Animation e Masami Kurumada se engajaram em mais uma empreitada para marca Saint Seiya.

Após pouco mais de 2 anos de produção, os japoneses puderam conferir o resultado do que seria mais adequado chamar de releitura (ou reebot) da primeira fase da série clássica – lançada em 1986, na TV japonesa e que desembarcou no Brasil em 1994 via Rede Manchete).

Como todo mundo já deve saber, MUITA coisa sofreu alteração (a tal licença poética dos produtores) e a desculpa que é necessária ter em mente para os fãs mais radicais não infartarem do coração é desligar o lado emotivo e saudosista do cérebro e curtir um longa-metragem animado de computação gráfica. Mas será que é fácil esquecer toda carga de informação acumulada que conhecemos até hoje da série e “aceitar” a proposta do filme – que estreia no Brasil em 11 de setembro?

Nosso amigo e lendário Schuabb “Apolo Dōko” hoje mora no Japão e como fã do anime, foi conferir a estreia do longa. Com uma imensa boa vontade de gentileza, ele topou compartilhar conosco sua impressão do filme. A partir daqui, você determina se continua ou não a leitura, já que a mesma apresenta MUITOS spoilers e um ponto de vista muito pessoal e particular. Então…

Estou ciente que após clicar aqui, lerei spoilers.

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Saint Seiya – Legend of Sanctuary

No longínquo ano de 1994, conheci o animê de Saint Seiya (Os Cavaleiros do Zodíaco) na rede de televisão Manchete. Eu tinha 9 anos e, da mesma forma que aconteceu com muitas outras crianças e jovens na época, fiquei fascinado por aquela mistura de mitologia grega, signos (quem não quer que o cavaleiro que defende seu signo seja o mais bacana?!) e armaduras incríveis. Como não se encantar também com os valores de amizade e superação tão insistentemente defendidos na trama? Claro, não posso deixar de mencionar o traço que me deixou maravilhado. Eu, que era uma daquelas crianças que viviam desenhando, me motivei a buscar outras séries japonesas para conhecer melhor esse grande universo que é o dos mangás/animês. Foi assim que, em 1994, eu oficialmente tomei conhecimento do Japão e passei a me interessar absurdamente por esse país tão mágico, distante e diferente do Brasil.

É incrível pensar que, depois desse longo caminho de 20 anos, eu possa ir a um cinema no Japão em pleno 2014 e assistir a um filme de Saint Seiya. Eu me sinto retribuindo um enorme favor, pois se estou na Terra do Sol Nascente hoje, o momento da ignição inicial do processo que me trouxe até aqui foi quando liguei a televisão em 1994 e vi Shiryu se oferecendo em sacrifício para poder restaurar a armadura de seu amigo Seiya. Foi essa demonstração de amizade que me fez me apaixonar por Cavaleiros do Zodíaco e, posteriormente, pelo Japão. Obrigado, vocês me trouxeram até aqui, bronzeboys!!

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Como todo fã, eu já tinha visto os trailers do filme, alguns spoilers e, confesso, fui ao cinema com baixas expectativas. Desde quando soube da duração do longa (apenas 1h30!) e do que pretendiam abordar (as lutas nas 12 casas) torci o nariz. Não daria para desenvolver tudo o que ocorre nessa fase da trama, muito pouco tempo para muita coisa! Tantas cenas tão especiais não poderiam caber em tão pouco tempo! E não couberam. A direção optou por cortar, alterar e mesmo banalizar os acontecimentos. Todo aquele tom clássico (no sentido helênico mesmo), épico e de grande intensidade de sentimentos se perdeu. Talvez os fãs consigam se emocionar de alguma forma ao se lembrar do mangá/animê, porque para eles o filme soará apenas como um reboot resumitivo (e mal feito) da série.

Há pontos positivos, claro! Posso dizer que o design das armaduras funcionou muito bem, os efeitos visuais dos golpes também. A animação de modo geral está satisfatória, uma movimentação ou outra me incomodou, não pareceu fluida, mas no geral está ok. Além da parte gráfica, acredito que foi possível invocar a personalidade original (leia-se, do mangá) dos personagens – pelo menos daqueles que temos tempo para fazer alguma observação sobre a personalidade! rs -, em especial de Seiya e Shiryu.

SALDO TOTAL: Como releitura, reboot ou o “re-” que for, não funcionou. Quem gosta de Saint Seiya pelas lutas, vai detestar porque todas foram muito mal desenvolvidas; quem gosta pelo lado dramático/sentimental, vai odiar o esvaziamento que o filme impôs à trama. Quem só presta atenção nos gráficos, deve achar bacana, mas essas pessoas não contam. rs

Por fim, eu recomendaria fortemente que os fãs do Ikki não fossem ver o filme… (é uma brincadeira com fundo de verdade, não digam que eu não avisei)

Obs: Há uma cena pós-créditos bacaninha que me fez sorrir! ;)

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A partir daqui, SÓ SPOILERS!!
O filme começa bem bonito com uma perseguição aérea de Aiolos por Saga e Shura (azar do Sagitário que carrega o peso de asas quando todos podem voar mesmo sem elas). Logo depois Mitsumasa Kido encontra Aiolos caído dentro de uma caverna e este entrega Saori ao japonês. Desde o início do longa, seja pelas armaduras ou pelo recipiente em que a bebê Saori se encontra, podemos perceber uma mistura de clássico e moderno. Não se pode deixar de lembrar que essa é mais uma tentativa de trazer a série Saint Seiya para a atualidade, em especial no que diz respeito ao seu estrato imagético (podemos observar isso no cabelo e roupas dos protagonistas, em ambos os casos alterações muito bem sucedidas).

A aparição dos cavaleiros de bronze é bem bacana! Seiya, Shiryū, Hyōga e Shun, nessa ordem, entram com muita pompa em cena (Ikki posteriormente também faz sua entrada triunfal, mas como ele sempre faz isso… rs). Acredito que a aparição do Hyōga, vindo de moto, saltando, desferindo seu Diamond Dust e em seguida fazendo uma pose de “sou foda, eu sou sinistro” conquiste o coração de seus fãs nesse momento (mas não se enganem, fãs do Cisne, Hyōga tem a segunda pior participação no filme se considerarmos só os bronzeboys).

A partir desse momento, explora-se um pouco o núcleo Saori e os cavaleiros de bronze na mansão dos Kido. Tatsumi também está por lá, mas perdeu muito de seu humor, embora seja utilizado como gancho cômico (aliás, os momentos cômicos, embora lembrem o mangá, parecem inoportunos). A abordagem da personalidade dos personagens principais me soou interessante em alguns casos – Seiya bem do jeito que ele é mesmo, com alguma comicidade mais latente, como no mangá; Shiryū sendo a voz da razão e sempre trajando sua armadura, para estar preparado para o perigo a qualquer momento; e Ikki sendo o Ikki de sempre, ou pelo menos aparentemente, já que temos pouco tempo de contato com ele no filme -, mas não em outros – Hyōga, embora junto ao grupo mantém um certo afastamento que fez com que eu me lembrasse do Ikki; e Shun não estava tão pacifista como “deveria”, apenas aparenta ser fraco (o que sabemos que ele não é na série clássica).

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Aiolia aparece nesse contexto nos arredores da mansão dos Kido e recupera para o Santuário a armadura de Sagitário. Logo depois, o cavaleiro de Flecha surge, golpeia Saori (aqui o seu golpe não é uma flecha de metal, mas sim de energia que “infecta” Saori) e foge, sendo morto por Ikki em uma rua da cidade. Como falei anteriormente, Ikki aparece mandando ver e incinerando o cavaleiro de prata num piscar de olhos. A entrada triunfal do Fênix deve conquistar o coração de seus fãs, mas estes não devem se iludir, pois esse é o melhor momento de Ikki no filme, cuja participação é a pior dentre os cavaleiros de bronze.

As batalhas das Doze Casas… Que tristeza! Jogaram na privada as tantas cenas clássicas e épicas dessa fase de Saint Seiya e só restou o mau cheiro no filme… Vou topicalizar as casas para que as informações fiquem mais fáceis de digerir:

– Sobre o Santuário: também mescla clássico e moderno em seu visual. O templo do Grande Mestre virou uma espécie de castelo e ficou incrícel! Muito bonito mesmo! Já as Doze Casas flutuantes ao seu redor deixaram bastante a desejar (ficaram semelhantes às 12 casas do Ômega), embora eu tenha curtido muito o interior delas, principalmente de Leão e Aquário, na qual parece haver / há água sob o teto, algo no estilo do reino submarino de Poseidon, mas em menor escala porque é só no interior da casa de Áquario. O relógio de fogo não é mostrado no Santuário (ou se é, acontece tão rápido e tão sem importância que nem percebi). Porém, uma versão místico-holográfica dele aparece no templo do Grande Mestre, mas esqueçam todo e qualquer desespero dos cavaleiros de bronze em relação ao relógio, pois eles nunca o veem e apenas sabem (a partir da casa de Touro) que Saori morrerá em breve se não vencerem o Grande Mestre rapidamente.

– Áries: O lado bom é que Muu usa seu Crystal Wall de modo diferente do qual estamos acostumados a ver e, apesar disso, não me pareceu incongruente com seus poderes clássicos. O lado ruim: Muu não restaura as armaduras dos protagonistas, o que se justifica porque não existe no filme aquela enorme quantidade de lutas contra cavaleiros de bronze, negros e de prata que vemos no mangá. É, se justifica, mas não deixa de ser uma cena épica para os fãs que se perde no longa.

– Touro: O começo da casa de Touro é divertido, Aldebaran está se fartando em um enorme banquete, Seiya rouba uma maçã e, numa piscada, a luta acabou. Seiya leva apenas um golpe, cai, pula e corta o chifre do Touro. Toda a questão de superação é muito banalizada aqui. Muu aparece, Aldebaran mostra que é um cara “sangue-bom” e ambos ficam cuidando de Saori, que já está debilitada por causa do golpe do cavaleiro de Flecha. E nem pensem em menção à Marin (no clássico, Seiya se recorda de alguns ensinamentos que o ajudam enfrentar Aldebaran).

– Gêmeos: Pelo que entendi o lado “bom” do Saga intervém e evita que ele faça qualquer ilusão para atrapalhar os bronzeboys nessa casa. Assim, nada acontece em Gêmeos, nem a luta de Shun contra a armadura manipulada por Saga que eu acho tãaao legal.

– Câncer: Complicado comentar sobre essa casa. Foi constrangedor ver Deathmask cantando em coro com as cabeças dos mortos que ficam espalhadas pelo local. Com muitas luzes e cores, me lembrou o Scar (do filme “O Rei Leão”) na sua cena musical com as hienas antes da morte de Mufasa. No filme da Disney funcionou muito bem, já aqui… O Sekishiki Meikai Ha adquiriu novas capacidades e o Câncer manda Hyōga para a casa de Aquário, enquanto vai enfrentar Shiryū no Yomotsu (que está com um visual bem tradicional do inferno mesmo). A luta, como todas, é bem mais rápida e menos dramática do que no original, mas pelo menos ainda temos a questão da armadura abandonar Deathmask, do Shiryū também tirar a armadura para derrotá-lo… Talvez seja a melhor e mais fiel “releitura” de luta (junto com a de Leão). Ainda que se perca muito do drama, pois Shiryū não está cego no filme e não há qualquer participação da Shunrei. A verdade é que depois do início musical da casa de Câncer, nada mais poderia ser muito dramático ali.

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– Aquário: Hyōga chega teletransportado por Deathmask e se depara com seu mestre, Camus, com um cabelo ridículo demais que não coincide com a personalidade que todos (não eu!) adoramos. O cavaleiro de Aquário dá um golpe que explode em gelo sobre Hyōga. Cisne se ergue, Camus se prepara para lançar a Aurora Execution e Hyōga faz o mesmo. Ambos se golpeiam, Camus diz que Hyōga se tornou forte e eles caem, simples assim. Fim de uma das lutas mais emocionantes no mangá e que no filme foi totalmente esvaziada de emoção. Só serviu para ser a segunda das duas lutas que teve final de fato, como aconteceu com a luta entre Shiryū e Deathmask.

– Leão: Seiya apenas apanha. De certo modo no clássico ele também só apanha, né?, mas no filme não há o drama envolvendo Shaina e Cassios, até porque eles não aparecem e talvez nem existam! Seiya e Shun são salvos por Shaka, que aparece, contém o soco de Aiolia com um Kahn da vida e posteriormente retira o efeito psíquico do golpe de Saga no cavaleiro de Leão. Mas INFELIZMENTE não há luta entre Aiolia e Shaka, ao contrário do que parecia pelas imagens do filme divulgadas previamente.

– Virgem: Não acontece nada, já que Shaka foi para a casa de Leão.

– Libra: Nada. Hyōga foi parar na casa de Aquário, não de Libra, lembram? E ele não é preso em esquife nenhum, não tem Shiryū explicando sobre a armadura e as armas de Libra, nem Shun aquecendo o Cisne com todo o seu am… cosmo!

– Escorpião: Milo, a mulher-cavaleiro, bate em Shun e Seiya até que eles vão parar – à base de porrada mesmo – na casa de Sagitário, onde Shura aparece para participar da festa.

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– Sagitário: Seiya e Shun apenas fazem nada até que Ikki chega todo imponente e faz… NADA! Ikki fica apenas numa trocação de socos com Shura que não leva a lugar nenhum enquanto Seiya também não consegue incomodar a Mila. Shun dá seus gritos e observa tudo, sem muita participação – parece que ele não queria participar do filme, mas como o cachê era alto… – Em um dado momento, revela-se a inscrição de Aiolos na parede, os dourados do bem (Muu, Aldebaran, Aiolia e Shaka) chegam com Saori, Shiryū e Hyōga e todos viram amigos.

– Capricórnio: Nada, Shura estava com pressa e foi brigar em Sagitário mesmo! rs

– Peixes: Nada, pois Aphrodite vai falar com o Grande Mestre e é assassinado rapidamente por uma Another Dimension (como conseguir aproveitar de forma pior ainda um personagem já não muito bem aproveitado na obra original!). Sim, com isso não há a luta incrível entre Shun e o cavaleiro de Peixes, na qual Shun se supera física e emocionalmente e utiliza seu golpe mais poderoso. Pois é, Shun não luta sozinho contra ninguém no filme.

– Grande Mestre: Saga utiliza todos os recursos possíveis contra os cavaleiros. Manda uma estátua gigante para atacá-los – e os cavaleiros de ouro se juntam para destruí-la, o que é até bacaninha -, mas enfrenta diretamente apenas Seiya (os outros cavaleiros de bronze ficam ao lado de Saori para protegê-la). É a luta mais longa do filme, como esperado, mas também não traz muita emoção. Não vemos um grande embate entre os lados bom e malvado de Saga. Por fim, Saga invoca uma estátua-monstro gigante dentro da qual parece se integrar fisicamente com a “coisa”, mas então surge a armadura de Sagitário, Seiya vira um centauro (!!!) e, com Saori apoiada em uma de suas patas dianteiras e ajudando com seu cosmo divino, lança uma flecha que destrói a criatura gigante e põe fim aos planos de Saga.

Então, o filme corta para uma cena em que Saori está se apresentando como Athena ao Santuário, ao seu lado estão os cavaleiros de ouro sobreviventes – Muu, Aldebaran, Aiolia, Shaka, Milo e Shura -, menos Dōko, que só é mencionado na casa de Áries. Os cavaleiros de bronze não aparecem (ou se aparecem estão no meio da multidão que reverencia Saori). Para meu enorme constrangimento, com apenas Shiryū e Hyōga derrotando algum oponente relevante, o filme chega ao seu FIM.

Felizmente, a cena pós-crédito é bonitinha e mostra Saori, Tatsumi e os bronzeboys (menos Ikki) na Mansão dos Kido. Colocou um sorriso no meu rosto, espero que façam o mesmo com os outros fãs que sofrerem vendo esse filme. rs

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