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Quando surge uma notícia aqui ou outra ali de um anime chegando ao Brasil a gente logo pensa nos canais pagos como Cartoon Network, Disney XD e outros. Dias vem, dias vão, e ou o assunto simplesmente morre ou a série vai parar em uma Netflix da vida.

Ah, a TV paga! Bons tempos onde após o sucesso da Manchete, canais por assinatura se espelharam na iniciativa e começaram a apresentar blocos temáticos com animações japonesas. Toonami, Invasão Anime, e até o Slam da Nickelodeon… e o que dizer com a chegada do Animax, em 2005? A solução definitivamente estava nessa variável da indústria televisiva: os mercados segmentados e pagos.

Estava. Não está mais.

Quando surgiu na década passada, a TV por assinatura tinha como proposta oferecer a públicos diferenciados e nichos programações em seus estilos favoritos. Sem, inicialmente, se preocupar com audiência, os canais sobreviveriam pelas taxas repassadas pelas operadoras do serviço aos grupos.

Antes de seguir precisamos contextualizar: a TC por assinatura em 2001 acumulava 3,4 milhões de assinantes. Entre 2008 e 2011 os números aumentaram consideravelmente, e os contratos já passavam de 11 milhões. Já expressivo – por conseguir penetração em 11 milhões de lares e ter um público aproximado de 30 milhões de brasileiros – o mercado conseguiu a façanha de quase dobrar o novo número em 2014, quando a ANATEL divulga que o meio já tem 19,4 milhões de assinaturas e fornece seus serviços a mais de 58 milhões de brasileiros.

Os números são tão expressivos que o Discovery Kids, infantil da rede Discovery, consegue a façanha de ter mais audiência que canais abertos como RedeTV! e Band. Claro, estamos falando sobre audiência no universo da TV Paga, onde, acreditem se quiser, os canais mais assistidos são Globo, Record, e SBT.

Mas, o que isso quer dizer?

Os canais abertos sempre foram os mais assistidos entre os assinantes de TV por assinatura. Salvo alguns eventos esporádicos – como abertura de sinal da Rede Telecine para alguma estreia ou eventos esportivos como a Copa do Mundo – esse cenário não muda. E como eles são os canais mais assistidos até entre quem paga pra assistir TV, eles obviamente tem mais anunciantes, e com isso mais dinheiro.

As taxas repassadas aos canais fechados não são pagas para os canais abertos, que inclusive estão planejando pressionar as operadoras em 2015 para que recebam repasses também. Globo e muitos outros sobrevivem facilmente sem esse somatório, mas os números de audiência os deixam em condições favoráveis de fazer exigências. Os canais pagos até recebem publicidade também, principalmente os infantis. Mas as quantias são substancialmente menores, pois tudo está relacionado com quantas pessoas você consegue atingir.

A título de comparação, a Globo hoje cobra valores entre 350 e 450 mil por uma inserção de 30 segundos nos intervalos do Jornal Nacional. Os canais premium Telecine até o ano passado cobravam aproximadamente 10 mil pelo mesmo tempo em seu melhor horário. A maior audiência do Cartoon Network há alguns anos atrás, Pica-Pau, exibido na faixa da manhã e na faixa noturna, tinha publicidades no intervalo custando menos de 30 mil.

Algumas programadoras (empresas donas de redes de canais) começaram a se incomodar com esse tipo de situação. Como toda boa empresa inserida na indústria do capitalismo, quanto mais lucro, melhor. Então, como elas tentam, até hoje, ganhar mais em cima da gente?

1° – Matando o mercado segmentado.

Um canal dedicado a exibir 24 horas por dia de animações japonesas com certeza tem um público mais reduzido em comparação a um canal que exibe séries de comédia, drama, filmes, programas de auditório e musicais. Se eu tenho um público menor, eu recebo menos pra vender espaços comerciais que aquele canal mais abrangente. Então vamos matar esse canal e lançar algo com uma roupagem de novo e exclusivo. Temos que trabalhar bem o marketing. Ninguém pode desconfiar que queremos simplesmente migrar a nossa proposta para algo que faça mais sucesso comercialmente.

2° – Volume menor de investimento

Oras, se eu quero uma fórmula onde eu possa ganhar mais dinheiro, seria bom se eu começasse a economizar nos investimentos também. Vamos criar no mercado algo chamado horário nobre. Nessa faixa diluiremos nosso material inédito durante toda a semana, a modo de parecer que temos bastante a oferecer. No restante do dia, oferecemos reprises fazendo parecer que nos preocupamos com os horários que a audiência tem disponível. Se tiver horário alternativo demais, na faixa da manhã a gente exibe algumas comédias ou dramas da década passada que estão no nosso acervo ainda. O povo gosta de nostalgia.

3° – Locação de horário

Já que matamos o mercado segmentado, economizamos nas aquisições, deve ser justo vendermos faixas da nossa programação para empresas de joias, por exemplo. Elas nos pagam, preenchemos um pouco da grade com isso, e vem mais para nossos cofres. É um excelente negócio! Se reclamarem, a gente justifica dizendo que é para ter mais capital para as aquisições.

4° – Apenas as nossas produções

Nossa matriz americana está produzindo vários novos live-actions e séries animadas! Isso é excelente, pois como somos pertencentes a eles, isso vem de graça. A gente gasta alguns trocados dublando, mas valerá a pena! Inclusive isso nos poupa esforços de investir em material de produtoras independentes, ou de incentivar a indústria do audiovisual local. Nossos programas, nossos realities, eles não precisam de uma versão brasileira, afinal.

 

Nos tópicos acima, o nosso convidado especial, Sr.Empresário, mostrou porque ele e vários amigos mudaram tanto o formato da TV paga, e com isso, como ela se perdeu na sua proposta.

Ao longo dos últimos anos vimos a TV por assinatura perder grandes ícones da sua história: o Bio, um canal dedicado a tratar 24 horas por dia de biografias e nada além disso, cedeu espaço para o segundo History Channel. O Animax, esse que dispensa descrições, morreu para a proposta teen do Sony Spin, que por sua vez morreu para a proposta life-style do Lifetime.

Em casos mais recentes, a Vh1 Megahits morreu para o retorno da MTV como canal pago. A Vh1 morre agora, sexta-feira, para mais um canal de filmes. A MGM, que também é um canal de filmes, mas para um público mais cult, abrirá espaço em 2015 para a versão brasileira da AMC.

O que todos os exemplos citados têm em comum? Eles abriram espaço para canais mais abrangentes, com mais variedade de programação, mostrando que o público como consumidor a ser atendido vem sim deixando de ser prioridade para ser interpretado como número, não é apenas teoria.

Com isso lançado, quem consegue ter esperança que um Cartoon Network vai investir novamente em algo caro – e de nicho – como animes? Com essa tendência em prática, por que o Disney XD sairia do seu conforto de trazer as produções do estúdio americano para cá e gastar dinheiro com algo que comercialmente renderia menos que suas séries teen?

Pokémon, Beyblade, e alguns outros gatos pingados ainda estão no ar porque são casos raros onde os produtos relacionados vendem bastante, e por isso são oferecidos por uma bagatela aos canais. As licenciantes só precisam que essas séries continuem na mídia, então flexibilizam os contratos. O último anime do SBT, que ilustra bem isso mesmo sendo canal de rede aberta, Blue Dragon, foi oferecido de graça em troca das cifras que esperavam ser arrecadas nos intervalos comerciais. Como recusar?

É errado que os canais pagos hoje pensem dessa forma? Sim. Nós pagamos para que tenhamos uma programação alternativa ao que vemos na rede aberta, mas não é o que vemos na prática. Porém não há medidas regulamentadas que assegurem certas condutas. Cada programadora age como bem entende nesse mercado onde apenas as cotas de programação nacional são critério para que os canais sigam no ar.

A TV por assinatura sentiu o sabor, gostou, e agora não irá largar o osso. A esperança mais próxima está ali, nos streamings. Favor embarcar enquanto pelo menos lá ainda está bom.