O texto a seguir é desenvolvido com uso da opinião pessoal do seu autor. Não há intenção de impor uma verdade absoluta, mas sim fomentar uma discussão. Estejam abertos ao debate!

É quase um senso comum, virou quase um xingamento. Os chamados episódios “fillers” nos animes são temidos e desprezados pela maioria dos espectadores do segmento. Mas nem sempre foi assim e aparentemente tem sido assim antes mesmo do tal filler ver a luz do dia, uma repulsa antecipada.

Rapidamente, vamos entender o que o tal filler significa. A palavra de língua inglesa possui várias interpretações, mas em nosso caso o termo “enchimento” é o mais próximo do entendimento. Não consegui decifrar em que momento e onde a palavrinha começou a ser usada pelos fãs de animação japonesa, mas acredito que tenha se popularizado junto ao crescimento de fansubers que disseminaram os animes pela internet. Basicamente, o chamado “filler” é aquele episódio, ou arco completo, feito exclusivamente para a versão animada, inexistente na obra original em mangá.

A função do filler é a de conseguir prolongar um pouco mais a série até que se tenha novamente o material do autor para se ter como base. No caso em que uma animação é produzida paralelamente a uma publicação de quadrinhos, os roteiristas têm a liberdade de conceber novas histórias para que se dê tempo suficiente para que haja novos capítulos de mangá. É literalmente uma encheção de linguiça que vale a pena do ponto de vista comercial quando tratamos de um título de expressividade, como é o caso de Naruto. Deixar de produzir um anime como esse para se esperar o roteiro original de base significa automaticamente perder o dinheiro que se ganha semanalmente com anunciantes (o título ainda é uma das maiores audiências do gênero, ainda mais se desconsiderarmos figuras culturalmente eternas como Doraemon e Sazae-san) e produtos derivados da marca. Afinal, além de entretenimento, anime também é um comercial de meia hora.

Uma das grandes reclamações quanto a fillers é o fato de que não acrescentariam nada à história, mas atrelado a isso está o simples fato de que aquilo não está na obra original. Dragon Ball GT não tá no mangá, logo não presta por si só. Fulano não faz isso no mangá, desconsidere, no original não é assim. Aí eu te pergunto, se você preza tanto, mas tanto pela obra original, por que não fica só com ela? Porque veja bem, a partir do momento que você tem aquela história transposta a outra mídia, você tem que levar em consideração que haverá ganhos e perdas, pois só no fato de ser outra mídia, no caso o desenho animado, já não será a mesma coisa. É assim com qualquer filme baseado em livro, com animação baseada em game, ou até mesmo mangá baseado em anime – já que o contrário também existe.

Ser o tal do filler e ser ruim, ao meu entendimento, são coisas completamente diferentes. Vou pegar exemplos mais palpáveis a mim que são Dragon Ball Z e Os Cavaleiros do Zodíaco, dois clássicos da Toei Animation no fim dos anos 1980 exibidos no Brasil. A empresa teve uma liberdade criativa, principalmente nesse último, para desenvolver momentos singulares e memoráveis na animação. Em meio às lutas eternas e violentas de Dragon Ball, os roteiristas enfiaram pérolas como uma proposta de casamento para o Kuririn ou um teste de Goku e Piccolo para tirar carteira de motorista, eventos inexistentes no mangá de Toriyama que trazem lacunas de alívio cômico à tensão que a série virara. E me diga onde, dentro do quadrinho original de Masami Kurumada, Seiya tocaria violão ou Hyoga dirigiria um carro (tudo bem, ignore o fato de que nem teve como ele tirar carteira na Sibéria e nem teria idade pra isso)? Esses “momentos fillers” em Cavaleiros acabaram por trazer mais humanidade aos personagens, que são mais vistos como máquinas de batalha nos quadrinhos, logo, aproxima mais aquelas figuras dos espectadores. A própria Saga de Asgard faz isso, preocupando-se em contextualizar cada um dos Guerreiros Deuses e suas motivações pessoais, não somente o “somos subordinados à Hilda e fim”. E nem vou falar em quanto as armaduras são mais agradáveis na TV, né…

Lembro de boas histórias também em One Piece, no pouco que acompanhei (pouco comparado com a eternidade que essa série representa, claro), como o arco do Dragão Milenar antes da chegada de Baroque Works. Ou então a terceira temporada de Naruto Shippuden, com o chato do Sora fazendo as vezes de rival do protagonista. Ambas são histórias que de fato não acrescentam à linha normal do enredo, mas nem por isso são ruins ou deixam de ser o que foram feitas para ser: um bom entretenimento.

Mas o meu exemplo favorito do coração é Fullmetal Alchemist. E veja bem, eu assisti apenas o anime original, não li o mangá, tampouco me aventurei no remake dito mais fiel, o Brotherhood. Toda a segunda metade da série é independente, o roteiro foi desenvolvido com asas próprias deixando o quadrinho de lado e aí? O que a autora criou na sua obra que serviu de matéria-prima pode até ser melhor, já disse, não conheço, mas posso afirmar que aquilo que eu vi foi excelente ao seu modo. Um fillerzão de primeira.

É evidente que existem fillers terríveis (quis morrer com o final de Samurai X, confesso). Assim como existem obras originais sem sal. O ponto que quero chegar é que o ódio pelos tais fillers por si às vezes é levado por um senso comum sem a mínima pausa para reflexão, sem a mínima chance de ver se de fato aquilo é daquela forma que se alardeia. E mais uma vez volto naquela tecla: quer o original? Consuma o original! Pois eu realmente não consigo entender tanto preciosismo de querer ver na tela a mesmíssima coisa que você leu no papel. Eu quero que uma adaptação me surpreenda, tenha o original como base, respeite-o, mas que seja excelente por si e não por meramente copiar o que já é.