Tsutomu Nihei nunca sonhou em fazer parte da disputada indústria dos quadrinhos japoneses. Formado em arquitetura, começou a trabalhar numa construtora até perceber que não era muito bom para lidar com uma equipe. De mangás, a única coisa em seu currículo era a experiência como leitor da Jump. Nesse momento de dúvida do início da vida adulta, procurou encontrar alguma coisa que pudesse fazer por conta própria, ainda utilizando de sua habilidade no desenho. Os mangás estavam em seu auge quando o cara despertou interesse em tentar tirar uma graninha no ramo.

O japonês largou tudo e foi pro outro lado do mundo, em Nova York, pra tentar a sorte. Durante um tempo estudando na América, enviou de lá mesmo alguns trabalhos para revistas como a Young Magazine (editora Kodansha), mas nunca teve um bom retorno. Foi quando voltou ao seu país natal, com um punhado de trabalhos no braço, que um amigo recomendou que tentasse a Afternoon (outra revista da mesma editora). Dessa vez deu certo: Nihei ganhou um prêmio em 1995, mas dois anos o separariam de sua primeira série e, consequentemente, o seu primeiro sucesso: Blame!

Blame! catapultou inesperadamente o nome do mangaká na virada dos anos 1990 para os 2000. A série foi concluída em 10 volumes em 2003 e gerou outros trabalhos reconhecidos do autor, como Biomega. Logo, Tsutomu Nihei já estava automaticamente associado aos mangás de ficção científica com influência do cyberpunk, mas faltava em suas obras algo mais popular, mais palpável e acessível ao público. Foi pensando principalmente nisso (e em sua vontade pessoal de trabalhar com robôs) que nasceu o tema dessa resenha, o Knights of Sidonia.

sidoniavol1-02

O mangá começou a ser publicado na mesma Afternoon que apostou em seu trabalho no ano de 2009, sendo concluído apenas em 2015, com 15 volumes. Transformou-se então no grande sucesso comercial de sua carreira, sendo a maior conquista a série animada, em produção pelo estúdio Polygon Pictures desde 2014 e com exibição exclusiva da Netflix fora do Japão – incluindo o Brasil.

A versão em quadrinhos chegou oficialmente aqui pela Editora JBC no último mês de abril e é desse primeiro volume que vamos falar a seguir.

História

No futuro, uma raça alienígena conhecida como Gauna destruiu o planeta Terra, forçando os humanos a viverem no espaço. Mil anos após o ocorrido, no ano 3394, as pessoas vivem agora em uma comunidade construída em volta de uma nave – nomeada como Sidonia – com edificações e recriações de paisagens terrestres. A humanidade teve que desenvolver novos meios de obtenção de energia, trocando por exemplo a alimentação habitual pela fotossíntese e até diferentes gêneros além do masculino e feminino surgiram. Claro, também teve que desenvolver ao longo do milênio uma nova proteção militar, treinando soldados para o combate espacial com robôs.

Nesse novo universo, o jovem Nagate Tanikaze viveu alheio à sociedade desde o seu nascimento. Recluso com seu avô no subterrâneo de Sidonia, aprendeu tudo com o velho, mas teve que se virar quando o mesmo morreu. Em busca de comida, já que nunca passou pela conversão que lhe deixaria fazer fotossíntese, é flagrado pelos “caras de cima” ao tentar roubar um pouco de arroz. A partir daí veremos a vida desse rapaz mudar completamente para tirá-lo da escuridão para o protagonismo.

sidoniavol1-01

Knights of Sidonia segue tudo sob o olhar de Nagate. Nós vamos descobrindo todas as particularidades do mundo criado por Nihei juntamente com o personagem, que tem que aprender tudo na mesma velocidade que as coisas vão acontecendo para o leitor.

De cara, ele é posto como membro do grupo de pilotos, algo que não costuma ser tão fácil. O fato causa a ira e inveja de muita gente, ao passo que muitos outros passam a ter imediata admiração. Claro que o mistério está em volta dessa escolha e vários outros são jogados ainda nesse primeiro volume. Após anos sem dar as caras, um Gauna volta a aparecer logo na primeira missão de Nagate, que inicialmente seria apenas uma viagem de exploração de recursos. Logo, em poucas páginas, já vemos o moleque tendo que passar por momentos de enorme tensão para que o leitor queira mergulhar naquele momento – e o enigma que ronda a frase do último quadro convida ainda mais.

Curiosidade: “Gaunas” também são ameaças em outra obra de Tsutomu Nihei, Abara. O título de dois volumes foi publicado no Brasil pela Panini.

Arte

Conhecendo brevemente a história do autor, dá pra sacar um pouco dos seus conceitos visuais (sim, aquela introdução não foi à toa). Tsutomu Nihei tem uma facilidade vasta para criar construções únicas pra seu universo e se você gosta de prestar atenção nos mínimos detalhes, dá pra viajar um pouco nas ligações das estruturas de Sidonia, tanto as externas quanto algumas instalações internas.

O traço dos personagens é simples, o que combina com a narrativa. Pela seriedade, você não vai ver em Sidonia os recursos exagerados de expressões faciais, os olhos, aliás, são pequenos e mais realistas. O acabamento, porém, não mantém uma constância e isso pode ter um pouco de relação com a formação de Nihei como arquiteto, mas também com o fato de que o autor é um dos poucos que se dá ao luxo de dispensar ajudantes.

Toda a arte vista em Knights of Sidonia é da mão de Tsutomu Nihei. Na maioria das vezes, o traço é meio “serrilhado”, como se a mesma linha tivesse sido rabiscada algumas vezes ou parada no caminho para ser continuada em seguida.

sidoniavol1-03

Em comparação com a animação, a arte original do mangá parece tornar os personagens um pouco mais vivos, justamente por essas pequenas imperfeições. O anime possui um estilo de animação próprio da Polygon Pictures, que mistura o visual habitual do 2D com a profundidade da computação gráfica – peço desculpas por não saber o termo correto, mas vejo como uma evolução do “cel shading”, o que dá sua singularidade, mas parece menos palpável (por mais óbvio que isso pareça no comparativo com algo que você tem nas mãos…).

Considerações

Ainda tem muita coisa pra acontecer no universo de Knights of Sidonia, mas o primeiro volume já te joga várias delas de cara. Todas as informações acontecem muito rápido para Nagate e para o leitor, mas sem que algo se perca no caminho.

Tsutomu Ninhei consegue trabalhar pela primeira vez com sua paixão pessoal, os mechas, em um sci-fi bastante leve, que qualquer pessoa não muito habituada com o ritmo do gênero consegue acompanhar. Era afinal a pretensão do autor, construir uma obra do gênero que todo mundo possa apreciar – diferentemente de um Neon Genesis Evangelion.

Acompanhar o mangá, pelo menos nesse primeiro volume, é até mais fácil que o anime (ainda em produção). A história nos quadrinhos é um pouco mais linear, enquanto a série faz uma mistura dos fatos para você desembaralhar e entender a sequência. Mas particularmente, há algo que a animação ainda ganha, que é nas sequências de ação com os robôs, o que às vezes não ficam muito claras nos quadros propostos por Nihei.

sidoniavol1-06

A sensação geral que Knights of Sidonia traz é a de curiosidade. Saber como todo aquele universo foi originado, o que ele ainda pode revelar e o enigma das ameaças e sua relação com o passado da origem do protagonista são os grandes instigadores para acompanhar os próximos volumes.

Edição Nacional


No vídeo acima, você pode conferir com mais detalhes o resultado da edição física do primeiro volume de Knights of Sidonia pela JBC.

Knights of Sidonia apresenta as páginas do miolo em papel offset, em gramatura aceitável para apresentar a arte e a leitura. As primeiras oito páginas, que incluem ficha técnica e listagem de capítulos, são coloridas, impressas no mesmo tipo de papel.

A capa da edição nacional apresenta a mesma ilustração da versão japonesa, mas com a tipografia recriada pela JBC. A solução visual é mais bonita e harmoniosa que a original, mas o título “Knights of Sidonia” arrisca o uso de um recurso não muito bem visto por designers, que é a aplicação de sombra pra destacar da figura por baixo. Isso dá uma impressão de “sujeira visual”, que incomoda um pouco nas primeiras letras de cada linha, que contrastam com a parte branca da ilustração. Felizmente, a composição geral, como já citada, agrada, principalmente com o brilho da laminação.

Vale mencionar também que o a contra-capa não é um espelho da arte de capa, algo que as editoras eram obrigadas a fazer no passado simplesmente porque as bancas não se acostumavam a expor o material “invertido”. Nela temos a sinopse, o indicativo de que a obra termina em 15 edições, além de tentar chamar um pouco a atenção do leitor médio com a frase “O mangá que deu origem à série de sucesso do Netflix“.

sidoniavol1-05

A respeito da tradução, nada que incomode de forma geral, destacando que a revisão está ótima e não pude notar nenhum erro pelo caminho. A única coisa graficamente que pode desagradar alguns é a opção que a editora teve em traduzir algumas placas com edição da arte em si. Dá pra entender que a ideia da JBC deva ser tornar a leitura mais acessível ao leitor comum, mas certas opções gráficas dessas traduções parecem destoar da arte original.

Aqueles que adquiriram o mangá em pré-venda ou loja especializada, também receberam um belo marcador de página metalizado, além de um card no tamanho de um postal, com uma arte especial dos dois lados. As primeiras assinaturas também receberam uma novidade da editora, a sobre-capa que você pode “envolver” o seu mangá, algo muito comum no Japão (e que particularmente não lembro de ter visto igual por aqui).

Com 184 páginas, Knights of Sidonia está nas bancas e lojas especializadas com preço de capa de R$ 17,50.

Avaliação Final

História: 4/5
Arte: 4,5/5
Edição Nacional: 4/5

Outras resenhas de mangás:

bannerplanetes
BANNERTENGUDO