Let’s & Go!!

Let’s & Go
Bakusou Kyoudai Let’s & Go

[youtube:http://www.youtube.com/watch?v=7_2ajjauIFk 480 320]

Produção: Xebec, 1996
Episódios: 51 p/ tv
Criação: Tetsuhiro Kushita
Exibição no Japão: TV Tokyo (08/01/1996 – 23/12/1996)
Exibição no Brasil: SBT
Distribuição: Sato Company

Publicidade infantil sempre é um assunto comentado com cautela. Há organizações se mexendo pra que ela seja extinta em nosso país, colocando os fabricantes de brinquedos e produtos direcionados aos pequenos (incluindo aí alimentícios) em uma situação complicada. E se você acha isso tão utópico assim, saiba que a Suécia já proibiu que anúncios direcionados aos menores de 12 anos fossem exibidos na televisão.

No Brasil nós temos o CONAR, órgão que fiscaliza e impõe o que pode ou não ser veiculado. Com o passar dos anos, muita coisa que era “normal” acabou se tornando imprópria. Lembram-se da tartaruga e do siri da Brahma? Hoje em dia, campanhas com personagens que remetem ao “universo infantil” não podem ser associadas a bebidas alcoólicas. Indo para a publicidade infantil em si, alguns aqui talvez se lembrem das tesouras do Mickey. A propaganda de 1992 tinha um moleque que repetia várias vezes os dizeres “eu tenho, você não tem”, estimulando crianças de todo o país a encherem o saco dos pais para poderem ter objeto da moda. Esse tipo de comercial não rodaria na TV de hoje de forma alguma!

Os que defendem a extinção da publicidade infantil afirmam que as crianças não estão preparadas psicologicamente para interpretar os apelos mercadológicos, sendo alvo fácil do que os anunciantes quiserem enfiar goela abaixo. Em contrapartida, imagine-se como um fabricante de bonecos que não pode divulgar seus produtos pro seu principal público. Pois é, há muito a se discutir…

Mas o que raios isso tem a ver com animes? Ora bolas, tudo! O Japão conseguiu inventar sua forma mais maquiada de vender brinquedo. Os desenhos animados japoneses, em totalidade, são propagandas de meia hora para um caminhão de quinquilharias despejadas em suas lojas. “Não perca o próximo episódio” e não deixe de ir à loja mais perto de você!

Bakusou Kyoudai Let’s & Go é um exemplo claro de publicidade infantil, sem precisar de muito esforço. A série estreou no Japão em 1996, trabalhando para tornar fabuloso um certo brinquedinho bem batido do universo dos meninos: o carrinho.

O início de tudo: os mini 4WD
Em 1982, a empresa japonesa Tamiya transportou a tecnologia 4WD (o que chamamos no Brasil de tração 4×4) aos carros de brinquedo. A mecânica funcionava à base de pilhas, mas o pequeno veículo não era guiado por controle remoto, tampouco tinha uma “linha guia”, como acontece nos autoramas. Uma vez acionadas, as quatro rodas giravam e o carrinho percorria uma pista específica com paredes e obstáculos, onde rolamentos em suas laterais o mantinham na rota certa.

A novidade atingiu pais e filhos (e não vamos ser hipócritas, em grande maioria homens…)  por todo o mundo, fazendo surgir campeonatos onde a grande diversão era montar e incrementar seu próprio carrinho, fazendo-o ter os elementos necessários para se manter na pista até o fim. Logo, outras empresas espertinhas entraram no ramo e produziram seus próprios mini 4WD pra competir com a Tamiya.

Já no ano de 1987, a empresa resolveu “dar um up” nas vendas de seus carrinhos através de outras mídias. Nesse ano a Tamiya financiou o mangá Dash! Yonkuro, de autoria de Zaurus Tokuda. A história foi serializada na popular revista infantil CoroCoro até 1992 e rendeu um anime de 25 episódios em 1989. Mas o definitivo sucesso nas telinhas viria alguns anos depois…

Em 1994, foi a vez do mangaká Tetsuhiro Koshita ser recrutado na mesma CoroCoro. Enfim nascia Bakusou Kyoudai Let’s & Go, que com a popularidade, ganhou uma série de 51 episódios em 1996, duas sequências e ainda um longa-metragem, todas produzidos nos estúdios Xebec (que anos depois produziria Love Hina e Shaman King). Além da óbvia linha de carrinhos de corrida, Let’s ainda ganhou jogos de videogame, TCG, CDs, fantasia, “miojo”… E a Tamiya, claro, feliz da vida e de cofre cheio com as crianças psicologicamente frágeis. =]

Foi dada a largada… Let’s and Go!
A série é centrada em uma dupla de irmãos com nomes bem sugestivos: Lets e Go Seiba. Os dois obviamente são viciados nos mini 4×4 e um belo dia são interceptados pelo Dr. Tsuchiya, um especialista no desenvolvimento dos carrinhos. O doutor lhes oferece dois protótipos de um novo modelo, o Saber, com a condição de que os garotos os modifiquem por conta própria para participarem da “Grande Copa Japão” de corrida.

Os garotos se dão bem na corrida – e vale frisar que elas são um exercício de atletismo à parte, já que, diferente da nossa realidade, as pistas são enormes e os moleques têm que correr quilômetros acompanhando os carrinhos D: – e acabam ganhando os Sabers de graça, nomeados como Sonic e Magnum. A partir daí, eles seguirão evoluindo nas competições e adquirindo peças com tudo que restar da mesada para incrementar os mini 4×4 – mostrados detalhadamente na animação, engrenagem por engrenagem. Quer propaganda melhor?

Mas claro que eles não são os únicos nessa história. O Dr. Tsuchiya, que de bobo não tem nada, vai sorrateiramente recrutando outras crianças “especiais” para desenvolverem os Sabers. É como se ele contratasse mão de obra infantil cobaia pros seus inventos – tá, talvez eu esteja forçando a barra um pouco =P. Nisso vão surgindo rivais no caminho de Lets e Go, como o “caipira” Jirohmaru e seu irmão mais velho e metido Ryo, o feioso, dentuço e riquinho Toukichi e o gordão trapaceiro Futoshi. Com o desenrolar da série, todos acabam se tornando amigos e aliados, quando é formada a equipe TRF Victorys, onde passam a concorrer em campeonatos mundiais dos carrinhos.

Dando um pequeno toque feminino temos a menininha June,  que não entende nada dos mini 4×4 – pra não deixar aquele toque machista de que mulé não entende de carro, carrinho ou seja lá o que tenha  rosa :D. A garota é uma jogadora de beisebol (!!) e amiga há tempos dos protagonistas, o que a faz começar a se interessar pelos carrinhos. Ainda mais porque o pai dela é dono de uma loja que vende apetrechos de mini 4×4 e quando ela tem que cuidar das vendas é uma bagunça total.

Lembram do impagável Sr. Juiz do Medabots e daquele narrador besta do Beyblade? Let’s & Go também tem o seu onipresente comentarista de partidas, o destrambelhado Fighter. Não importa a corrida, se for um campeonato de bairro ou do país inteiro, ele sempre está lá como se fosse o único habilitado para a função, com sua roupa de “quero ser americano”, um microfone auricular que nunca desgruda do corpo e um punhado de mulheres assediando-o. Ahn… alguém já viu mulheres assediando juízes?

A trilha sonora é uma versão mais pobre de clássicos de corrida de videogame. Não se assuste se você estiver assistindo (se esse milagre absurdo e indesejável acontecer na sua vida) e achar que já ouviu algo parecido em Top Gear ou F-Zero. Em contrapartida, as músicas de abertura e encerramento são bem diversificadas. A abertura é aquele pop grudento tradicional com um refrão exaltante, clássico em animes dos 1990. Já o primeiro encerramento é um divertido e bizarro… reggae japonês… x_x

Como já comentei, Lets e Go vão seguindo pelos campeonatos do Japão com seus parceiros e novos rivais, até atravessarem as fronteiras: as séries seguintes.

As continuações
Let’s & Go deu certo no Japão e é claro que extraíram o máximo que a série poderia render e então, em 1997, estreava a primeira sequência da série, Bakusou Kyoudai Let’s & Go WGP.

Nessa continuação com mais 51 episódios, Lets e Go consolidam a equipe TRF (Tsuchiya Racing Factory) que passa a representar o Japão no torneio mundial de minis 4×4 (é aí que a parada fica séria =P). Como principais rivais, os moleques terão os americanos da NA Astro Rangers (que são estagiários… da NASA x_x), os italianos da Rosso Strada, os russos da PCC Silver Fox, africanos da Savannah Soldiers (hihi), australianos, chineses, norte europeus… O que der pra por. =P

Os campeonatos mundiais se consolidam em Bakusou Kyoudai Let’s & Go MAX, de 1998, com mais 51 episódios. Ambas as séries receberam temas do badalado Hironobu Kageyama (que virou arroz de festa em eventos de anime no Brasil), que também musicou para o Movie, que encerra a “franquia”. O design dos personagens tem uma ligeira alteração comparado à primeira série, modernizados por Mitsuru Ishihara (que fez o mesmo trabalho em Magaman NT Warrior).

No Brasil: a saga frustrada de um empresário
A vinda de Let’s & Go ao Brasil foi uma novela arrastada que não teve final feliz. Se é que teve um final…

Em meados da década passada (estamos falando dos anos 2000, ok?), o senhor Nelson Sato resolveu reerguer a sua empresa de distribuição Sato Company, a mesma que nos trouxe o saudoso, excelente e capenga tokusatsu Cybercops na era dourada da Manchete, além de conseguir colocar AKIRA nos cinemas numa época que só animações dubladas da Disney tinham espaço.

Nesse retorno, a Sato começou a ampliar a diversificação de seu catálogo, adquirindo programas fora do eixo japonês, caso de pérolas como a novela argentina Lalola (exibida pelo SBT). Apesar disso, o experiente empresário não deixou suas raízes de lado e resolveu apostar em um anime mais uma vez. Sato, famoso por arriscar, adquiriu Let’s & Go pretendendo exibir as 3 séries televisivas (um total de 153 episódios) e provocar uma nova mania entre a criançada.

O plano concebido não tinha como dar errado: o anime seria apresentado por uma emissora de TV aberta e os comerciais dos carrinhos conduziriam a gurizada a buscá-los nas lojas e consequentemente falir seus pais =P.   A empresa Long Jump acreditou nessa fórmula sacramentada do mercado japonês e resolveu importar uma das muitas séries de coleções de Let’s & Go!! e tratou de por na lojas. Mesmo sem a “propaganda” dos episódios indo ao ar, alguma quantidade de carrinhos foi vendida, mas nem de perto atingia o esperado – lembrando que os produtos eram importados, logo o preço não era nada simpático como o dos carrinhos de brinquedo fabricados por essas bandas.

Depois de receber muito não na cara, Nelson Sato conseguiu fechar um acordo com o SBT, graças a uma boa relação com o dono do baú. No início de outubro de 2006, uma coletiva de imprensa que reuniu investidores e fabricantes de brinquedo encheu a bola do novo (bem velho na verdade =P) produto nipônico e seu potencial de mercado. Parecia tudo as mil maravilhas, mas mais uma vez não era bem assim. Todos aqui devem saber que o SBT tem um contrato de exclusividade com a Warner, o que lhe rende um catálogo imenso de animações (que juntam os desenhos da Warner com os da Turner, que por sua vez junta com a Hanna-Barbera e etc…), não havendo necessidade alguma de comprar um desenho animado fora disso. Para colocar seu desenho japonês no ar, Sato precisaria de um patrocinador exclusivo (algo bem difícil de conseguir) e ainda ter que bancar do próprio bolso a dublagem.

Assim, aos trancos e barrancos, Let’s & Go!! estreou no Sábado Animado no dia 14 de outubro de 2006, no ingrato horário das 7 da manhã. A audiência até que foi boa, mas, se formos considerar que os concorrentes eram programas de pesca ou religiosos e que nenhum público consumidor acorda esse horário…

O anime recebeu a versão brasileira pelo estúdio Uniarthe, que conseguiu reunir um belo elenco de vozes irritantes pras crianças (em japonês é tão irritante quanto, acredite…). Os irmãos Lets e Go receberam respectivamente as interpretações de Alex Minei (o Cilan de Pokémon Black & White) e Francisco Freitas (Bô em Shinchan). Ainda tivemos Carlos Falat (o Eugene de Hey, Arnold! e o Flint, o Detetive do Tempo) como Jirohmaru e Paulo Cavalcanti (o Cascão!) como o feioso Toukichi, pra você sentir a harmonia de vozes esquisitas.

Após mais ou menos 15 episódios exibidos, o SBT começou a reprisar os primeiros, o que durou poucas semanas. Sato provavelmente não estava mais dando conta de manter a exibição do jeito que estava e se viu mais uma vez com um pepino nas mãos e todo seu planejamento indo pro brejo. Pra você ter ideia, na época havia planos para eventos com campeonatos de mini 4WD, o lançamento do filme da série e até uma trilha sonora gravada por Larissa Tassi (responsável pelas músicas da saga de Hades e daquela velha trilha de CdZ dos anos 1990 – “pégasuuuu, ajuda o teu cavaleeeeiro”). A Long Jump, que topou investir nos carrinhos lançando as versões oficiais do desenho no mercado, teve que se contentar com o encalhe do material, sem uma vitrine decente da série na TV.

Sem nunca desistir, Sato voltou a oferecer Let’s & Go!! aos canais e teve avanço em uma conversa com a RedeTV!.  Inclusive chegou a distribuir banner e adesivos da série com a logo da emissora durante um evento, por volta de 2007. Além disso, estava (quase) certo que a série chegaria também ao mercado de DVD.

Os negócios não evoluíram (como tudo na Rede TV! diga-se de passagem… o canal queria que a distribuidora pagasse pelo horário, como feito com os informeciais e religiosos :P) como o planejado e Let’s & Go!! por fim adormeceu no limbo da gaveta da Sato Company. Ironicamente, a Flashstar lançou dois boxes com a série completa do “anime chinês” Flash & Dash, que é praticamente um clone de Let’s & Go, só que com controle remoto. Vai entender…

Let’s & Go é um retrato de como anda o mercado de animações japonesas hoje no Brasil. Se um dia eles foram a grande mina de ouro da programação infanto-juvenil, atualmente são vistos com desconfiança ao ponto de séries com grande potencial  serem rejeitadas por todas as emissoras.  A verdade é que o espaço na telinha está cada vez mais reduzido para esse tipo de programa, a classificação indicativa caminha cada dia mais a uma censura politicamente besta e falta gente que queira arriscar, assim como falta quem planejar. Resumindo: as emissoras de hoje precisavam de um Nelson Sato e um Toshihiro Egashira em seus departamentos para ousar – com animes e tokusatsus, é claro.