Grande parte de vocês deve conhecer o termo “Light Novel”, certo? Para os que não, é assim que são chamados livros de escrita simples, movida a diálogos, e ilustrados lançados todo o tempo no Japão.

Uma das mídias mais populares lá do outro lado do mundo, apesar de considerada produto de Otaku, muitos animes populares foram baseados em Light Novels. Mas enquanto alguns desses animes realmente acompanham a série até o final, outras agem como simples propaganda da obra original, como é o caso do nosso assunto de hoje: Yumekui Merry.

Baseado na obra homônima de Yoshitaka Ushiki, Yumekui Merry acompanha as aventuras de Yumeji Fujiwara, um garoto com o poder de ver com o que as pessoas vão sonhar, a partir do momento em que ele se encontra com a estranha Merry Nightmare (algo como Méri Naitomére em japonês), uma Baku (espíritos que comem sonhos) sem memória que quer voltar para o mundo dos sonhos. Yumeji passa então a ajudar Merry em sua busca enquanto vai enfrentando Pesadelos que tentam vir para o mundo real.

Sei que geralmente faço considerações técnicas sobre animes aqui, mas dessa vez acredito que tenhamos algo mais interessante sobre o que conversar: o próprio microverso das Light Novels.

O início do gênero é um pouco confuso. Trabalhos que inspirariam autores futuros a desenvolver a Light Novel na forma que se conhece hoje existem desde antes da década de 1970, porém foi a partir de 1980, com trabalhos como Legend of the Galatic Heroes e Record of Lodoss War (esse baseado em campanhas de Dungeons & Dragons dos autores!) que esse tipo de obra se tornou popular com o público que se costuma chamar de “Jovens-Adultos”.

Em 1993, a ASCII Media Works, então apenas Media Works, cria o selo Dengeki Bunko, que passa a publicar Light Novels de autores iniciantes, abrindo portas para a maior popularização do gênero, assim como para introdução de novos escritores no mercado.

O grande boom do gênero veio com Boogiepop wa Warawanai, primeira Light Novel da série Boogiepop, lançada em 1998 por Kouhei Kadono. A obra atraiu uma gigantesca atenção do público jovem e se tornou rapidamente um Best Seller.

Hoje, é comum que antes de serem publicadas em volumes (ou livros, como alguns chamam), Light Novels tenham seus capítulos serializados em revistas, num esquema similar ao que ocorre com mangás na Shonen Jump.

Como se pode notar, a Light Novels é um gênero muito novo, com boa parte de seu grosso surgindo após o ano 2000. Isso somado ao estilo simplificado de escrita (daí o termo “Light Novel”, ou em bom português “Romance Leve”), ilustrações majoritariamente em estilo mangá e histórias que, em geral, tentam apelar ao público adolescente, fazem com que esse tipo de obra sofra uma boa dose de preconceito dos “escritores de verdade”, algo muito similar ao que acontece com os Yabooks (termo usado nos Estados Unidos para definir obras voltadas a jovens adultos, como Jogos Vorazes, Crepúsculo e Percy Jackson).

O caso é que conforme o gênero cresceu em popularidade, os grandes produtores da indústria da animação japonesa voltaram os olhos a essa nova matéria-prima. Surgem então mais e mais adaptações a cada temporada, o que leva mais e mais autores a se aventurarem na produção de Light Novels. E apesar de alguns nomes muito respeitados dentro do meio, como Gen Urobuchi, Kinoko Nasu e Kouhei Kadono, a maior parte dos autores não possui grande experiência com literatura, levando-os ao uso de fórmulas de amplo apelo e moe para tentar alcançar rápida popularidade.

A Light Novel passa então a ser considerada “cultura Otaku”, termo que, lembrem-se, tem forte peso pejorativo no Japão.

Mas, e Yumekui Merry? Calma, já vamos a isso.

Yumekui Merry é, possivelmente, um dos melhores exemplos recentes de como a Light Novel funciona. O enredo “garoto encontra garota” é uma das constantes mais fortes no gênero, existindo dentro dele a subcategoria “namorada sobrenatural”, quando a garota tem superpoderes.

Exemplos dessa fórmula são Shakugan no Shana, Dragon Crisis e Hayore! Nyaruko-san (esse com o adendo de brincar com o Mythos de Lovecraft, mas falaremos disso em outra oportunidade) e o próprio Merry.

Vemos ainda em Yumekui Merry outros elementos genéricos, como a fragilidade da garota, sua dependência do protagonista e o crescimento deste, com desenvolvimento de seus poderes e, eventualmente, a superação de seus conflitos.

Apesar de raros, existem casos onde os gêneros que interpretam os papéis de “pessoa normal” e “elemento mágico” são invertidos. O elemento do harém, isso é várias garotas ou garotos apaixonados pelo protagonista, é outra constante muito forte. E, adivinhem, também temos isso em Merry.

Sei que alguns de vocês devem estar dizendo “mas tem isso em mangá também”. Sim, de fato. Um ponto importante a se manter em mente quando se fala de Light Novels é que esse gênero possui uma influência enorme de mangás e, nos últimos tempos, de animes. Todo elemento recorrente nessas obras pode ser rastreada até determinado anime ou mangá (como o harém, que provém de Tenchi Muyo). Com isso esclarecido, voltemos a falar de Yumekui Merry.

Como disse em algum ponto lá atrás, Light Novels se tornaram rapidamente uma das mais populares matérias-primas para a indústria de animação. Shakugan no Shana, Suzumiya Haruhi, Zero no Tsukaima e To Aru são apenas alguns exemplos de franquias famosas surgidas desse gênero. Mas, novamente, como acontece com mangás, alguns animes não são feitos para adaptar toda a obra e sim apenas para fazer com que o público compre o produto original. Esses, em geral, viram séries de uma temporada que deixam diversas perguntas em aberto. Exatamente como Yumekui Merry.

Em uma entrevista para o site 4Gamer, Kinoko Nasu disse algo muito interessante: “Hoje, como a maior parte das obras devem estar preparadas para serem adaptadas em animes, elas são escritas com animes em mente”. E talvez nenhum gênero, nem mesmo o mangá, seja um expoente tão grande dessa realidade quanto a Light Novel.

Os character designs são claramente pensados para serem animados, as cenas são pensadas para serem vistas animadas, a linguagem é simplificada de modo que se torna secundária ao enredo e, em muitos casos, às ilustrações. Tudo isso torna a maior parte das obras desse tipo em produtos extremamente genéricos feitas para terem apelo rápido, serem adaptadas e alimentarem uma indústria ansiosa por mais material a lançar.

Nesse sentido, novamente vemos a Light Novel se aproximar do Yabook, pois se o primeiro é feito com anime em mente, o segundo o é com cinema. É óbvio que há muita generalização nessas declarações, porém não são apenas minhas palavras, mas também as de um dos mais respeitados nomes da indústria japonesa.

“Mas, e Yumekui Merry?”.

Yumekui Merry é tudo isso que eu disse. A história de um garoto que encontra uma garota sobrenatural, passa a ajudá-la, se torna mais forte que ela, cresce, outras garotas se apaixonam por ele… A Novel foi adaptada para um anime de uma temporada que mais parece um trailer gigante da obra original, e por aí vai.

É genérico? Sim, é. Desde a abertura até o fechamento, Yumekui Merry não se esforça muito para escapar das convenções. Isso é ruim? Não necessariamente. Se você gostou de Shakugan no Shana, provavelmente irá gostar de Merry. A obra trabalha com conceitos interessantes até, embora seja covarde demais para ir com eles até o fim, optando pelo caminho mais fácil e popularizável.

Ainda assim, digo que assistam ao anime e, se possível, leiam a Novel. Tentem procurar nele similaridades com outras obras e, principalmente, tentem entendê-lo como parte de uma tradição, de um gênero bem estabelecido e, essencialmente, comercial.

Bem, dessa vez saí bastante do estilo padrão da coluna. Digam o que acharam desse outro jeito de postar e, se assistiram ao anime ou leram a Light Novel, comentem o que gostaram e o que não. Nos vemos em duas semanas.