Um dos pontos altos da recente edição do principal evento de cultura pop do Ceará foi o encontro dos dubladores Wendel Bezerra e Felipe Grinnan, as vozes de Goku e Whis, respectivamente. A palestra foi realizada no segundo dia do evento Sana Fest 2018, no dia 15 de dezembro, e contou com muito bom humor, curiosidades sobre dublagem e Dragon Ball.

Wendel Bezerra começou sua carreira como ator-mirim em peças de teatro. Por volta dos 7 anos de idade, foi indicado para dublar. Antes disso, ele já havia feito locução e spot de rádio, jingle e rádio novela. Com o tempo, Wendel passou a se dedicar mais à dublagem e sua carreira evoluiu passando por áreas como direção de dublagem. Seu personagem mais famoso é, sem dúvida, Son Goku, na franquia Dragon Ball. Nas séries de anime, interpretou personagens como Kaneda em Akira (versão da Álamo), Metabee em Medabots, Kidomaru em Naruto, entre outros. Além das séries tokusatsu, onde emprestou sua voz para personagens como Akira/Blue Mask em Maskman e Kenji Narukami em Ryukendo.

Grinnan havia feito um estágio há cerca de 25 anos, também na infância, quando todos os profissionais dublavam juntos em um mesmo estúdio. Chegou a gravar um filme com a dubladora e diretora de dublagem Marlene Costa (a voz de Kuroko Sato em Yu Yu Hakusho), da Herbert Richers. Ele foi escalado na semana seguinte para dublar uma novela mexicana que estava começando. Assim, sua gravação foi aprovada, a carteira foi assinada e em uma semana se tornou funcionário do extinto estúdio carioca. Sua voz é mais conhecida no mundo dos animes como Whis em Dragon Ball Super. Mas antes ele deu vida a personagens como Thanatos em Os Cavaleiros do Zodíaco, Scar em Fullmetal Alchemist: Brotherhood, Veemon em Digimon 02, entre outros. Também atuou em produções de tokusatsu como T.J. em Power Rangers Turbo e Power Rangers no Espaço, Mestre Ryukendo em Ryukendo, Glenfire no filme Ultraman Zero: A Vingança de Belial e Nozomu Taiga (um hospedeiro de Ultraman Zero) no filme Ultraman Saga.

Wendel Bezerra (Goku) visita o evento pela quarta vez (Foto: Lídia Rayanne)

Wendel comentou sobre a motivação para um dublador se manter profissionalmente na área. “Nossa! É meio filosófico, mas assim. A gente tem que buscar ser feliz. Você tem que descobrir uma forma de encontrar felicidade naquilo que você faz. Porque se você viciar na tecla de ‘é um saco o que eu faço. Eu não gosto. Isso aqui não vai me levar a lugar nenhum’, o seu corpo, o seu mindset, tudo vai te trazer infelicidade. E a partir daí você não vai encontrar em nada. É claro que você amar sua arte faz toda a diferença. Mas felizmente ou infelizmente o talento específico para aquilo é mais importante”.

Grinnan complementou a questão falando sobre a versatilidade que o dublador precisa ter. “Ser ator requer algumas técnicas. Ser dublador mais ainda. O ator interage na TV e no cinema, ele tem o apoio da estética, do rosto, do corpo, do olhar. Na dublagem, ele tem apenas a voz. Se a pessoa tem uma voz que tem questões que tem que ser trabalhadas com, fonoaudiologia, tem a voz fraca, uma voz insegura, vai ser difícil. Porque tudo o que ela vai fazer, tem que ajudar o personagem a contar aquela história através da voz. Não ter uma boa voz não tem a ver com voz bonita. Uma boa voz é capaz de passar uma gama infinita de emoções. Então, tem que ter o amor (pela profissão) e tem que estudar. O ator em dublagem tem que ter muita referência. A dublagem é a arte do instantâneo. Eu vejo aquela cena uma única vez, no máximo duas e faço. Se eu não tenho bagagem, experiência, referências, se eu não conheço história, geografia, medicina, finanças, tudo um pouco. Eu tenho que conhecer de tudo. Porque eu tenho que instantaneamente ser um cozinheiro, um rei, um mendigo, um vilão. Eu tenho que ser qualquer coisa. É uma série de gavetas que está à minha disposição pra quando eu abrir e oferecer. Se eu não oferecer eu vou sempre ter atuações rasas, personagens iguais. E aí acaba não desdobrando e se torna um dublador menos aproveitável.

Goku em Dragon Ball Super

Wendel comentou que o mercado atual de dublagem está aquecido com a ascensão de mídias, canais e que hoje existem produções estrangeiras além dos enlatados americanos. Tal demanda se deve pelo aumento de estúdios de dublagens e de profissionais da área. O mercado está globalizado e hoje em dia quem escolhe sobre a dublagem são as produtoras.

Grinnan frisou que antigamente existiam poucos canais de TV e que os dirigentes das emissoras de TV aberta eram quem definiam as vozes de determinados filmes. Atualmente as escolhas são feitas por met voice, um método que escolhe a voz do dublador com a voz do personagem de um desenho ou um filme. Conforme o “metamorfosear” do dublador, as chances de adaptar/evoluir as tonalidades da voz para diferentes personagens e de convencimento de clientes pode ser maior. Para isso, o dublador deve estar em constante atualização para não ficar fora do mercado.

Felipe Grinnam (Whis) participa pela primeira vez no Sana Fest (Foto: Lídia Rayanne)

Sobre Dragon Ball Super Broly, Wendel disse que a dublagem foi finalizada no dia 5 de dezembro e que a mixagem estaria pronta em poucos dias (nota: neste dia 22/12 rolou pré-estreia para convidados e imprensa). Pediu para que o público prestigie o filme que estreia logo mais em 3 de janeiro de 2019. “Dia 1 tá todo mundo que nem um jabuti, dia 2 dá uma melhorada, a gente toma o primeiro banho do ano e aí dia 3 nos cinemas… Dragon Ball Super Broly – O Filme!“, brincou o dublador.

Grinnan disse que animes como Dragon Ball e Cavaleiros do Zodíaco não são uma grande febre no Rio de Janeiro. “Quando eu cheguei em São Paulo, através dos dubladores, eu entendi o poder de CdZ e de DRAGON BALL!!!“, conta o intérprete de Whis. A escolha para fazer o personagem foi graças ao Wendel Bezerra que viu o potencial no dublador carioca para fazer um personagem que ele mesmo chama de “pitoresco”. Tudo sem teste. Grinnan ressalta que Whis teve que ser adaptado com um certo humor na versão brasileira. Sua entrevista no canal do Wendel atingiu 2 milhões e quinhentos views no YouTube. “Eu acertei ou não acertei na escolha da voz?” – perguntou Wendel ao público que confirmou com bastante animação. Na hora, Grinnan puxou o braço de Wendel e interpretou Whis com um trecho da canção de Renato Russo: “Tire suas mãos de mim, eu não pertenço a você“.

Whis, o pitoresco

Ainda nessa pegada, Wendel e Grinnam improvisaram como Goku e Whis, respectivamente. Whis diz que a tarde (da palestra) estava “tão pitoresca” e que estava com “uma fome danada” e que queria comer um pudim. Goku responde que “o pudim é muito fácil” e pergunta inocentemente com uma risadinha: “o que é que é pitoresco?”. Whis diz que é algo diferenciado, especial e que o emociona. Goku diz “caramba! Eu jamais pensei que eu fosse pitoresco!“.

Wendel comenta que agradece a Deus pelo interpretar Goku e considera que o personagem mudou sua vida e diz que se tornou um “profissional mais responsável“. Ele entendeu que Dragon Ball não era um simples trabalho e que marca pessoas em determinadas épocas. “Eu percebi que a nossa função como ator está muito mais além do que na tela. Então ter a oportunidade de dublar um personagem tão carismático como esse e que faz bem a tantas pessoas, não só emocionalmente, mas também com os conceitos que ele carrega na personalidade dele, é um presente de Deus que eu agradeço todos os dias“, comenta.

Indagado sobre o peso de algum personagem marcante, Grinnam diz que os seus são “mais simples”. “No caso do Whis, o que eu acho legal é que nos dias de hoje, ele vem num momento em que a gente tá começando a questionar umas coisas de gênero. Ele é um personagem afeminado ou assexuado e muito poderoso. Esse ponto é interessante nos dias de hoje para a gente desassociar força de poder.

Ao final da palestra, os dubladores se posicionam para tirar uma foto com o público e Wendel interpreta Goku dizendo: “Agora sim, posso sentir! A poderosa Genki Dama foi formada!” O público começa a ovacionar e logo após a foto, Wendel encerra o momento com chave-de-ouro. Gritando: Ka-me-ha-me-haaaaaaaaaaaaaaa!!!

Apesar de alguns problemas que tivemos na acomodação para o acesso reservado à imprensa durante a palestra, foi ótimo aprender um pouco mais sobre o conceito de trabalho dos dubladores. Ambos são muito carismáticos e estão empolgados com o lançamento de Dragon Ball Super Broly para daqui a algumas semanas. Foi uma tarde bem divertida para os amantes cearenses da obra de Akira Toriyama entrarem no hype.