Bungo Stray Dogs é bom como mangá de ação para iniciantes.

Esse é um quadrinho seinen escrito por Kafka Asagiri, ilustrado por Sango Harukawa, publicado desde 2012 na revista Young Ace (a mesma de Another, Blood Lad e Kill la Kill), já com 16 volumes, com o primeiro sendo recém-lançado aqui no Brasil pela Panini. Temos nele a Agência de Detetives Armados, um grupo de investigadores de crimes sobrenaturais que pegam casos difíceis até mesmo para a polícia de uma cidade portuária.

A história tem início quanto um rapaz chamado Atsuki Nakajima, após ser expulso de um orfanato por conta de um ataque que o local sofreu de um tigre devorador de humanos, salva a vida de um dos investigadores da tal agência, Osamu Dazai, que tentava suicídio em um rio. O caso atual de Osamu, coincidentemente, é lidar com o assustador tigre, sendo Atsuki uma boa pista dali em diante – com o garoto, eventualmente, se tornando membro da equipe e ingressando nos sem número de possibilidades aventurescas acarretáveis nisso.

E então, vários artifícios triviais, mas bacanas, são utilizados para construir uma climatização relativamente interessante para a obra. O que funciona, mais ou menos, como um checklist de “obrigatoriedades” bem feitas: um protagonista novato em tal meio, servindo como um “guia” para os leitores das regras de tal universo; um punhado de personagens bem diferentes entre si, tendo o maluquinho carismático ligeiramente mais poderoso que os outros, o tiozão mais sério, a garota mais saidinha com piadas de duplo sentido, dentre outros; uma porção de poderes, técnicas, habilidades diferentes, que podem render muito, caso utilizadas criativamente ao longo da trama; a indicação de que algo muito maior está por vir, de que esses primeiros movimentos devem levar a consequências mais graves. Tá tudo lá.

É bem interessante também como algumas referências são inseridas e se tornam úteis dentro da narrativa. Os nomes dentro do elenco principal são retirados de pseudônimos literários ou nomes reais de escritores japoneses, com seus backgrounds, personalidades e poderes especiais fazendo menção a características das obras de tais artistas. O já citado Osamu Dazai é inspirado num autor da primeira metade do século conhecido por seu tom pessimista, ironia e tendências suicidas. O segmento inicial do mangá (ilustrado acima), com ele tentando tirar a própria vida num rio, é uma referência à morte real do autor, que se jogou num canal com a esposa.

Essas inspirações são todas listadas ao fim da revista, com um glossário indicando onde alguns dos trabalhos de tais escritores foram publicados aqui no Brasil e mais outros dados que ampliam a experiência de leitura. O percurso fica melhor com essas informações em mente, pois as piadas feitas e demais atitudes ganham uma profundidade maior, que engrandece o pacote todo. Mas não é como se, na ausência dessa contextualização, o enredo não funcionasse. Os heróis, num todo, são carismáticos e bastam em quadro por si só. As piadas suicidas do Dazai são tão absurdas que colam pelo desconforto (uma em especial envolvendo um latão de lixo é ao mesmo tempo perturbadora e hilária), as interações sínicas dos demais investigadores com isso também geram momentos divertidos.

No entanto, como dito ao início, Bungo Stray Dogs é bom como mangá de ação para iniciantes. O que quer dizer que, para quem já está acostumado com essa fórmula e com os vários chavões (úteis) nela, o gibi pode soar mais do mesmo. Isso, é claro, tomando como base esse primeiro volume lançado por aqui, que foi o material usado para esse texto. Ao menos nele, nada que fugisse do arroz com feijão de outras obras nessa linha foi apresentado. Lê-lo, com ou sem as referências bibliográficas, numa comparação com outra mídia, foi como assistir um filme pipocão de sessão da tarde: os desdobramentos são óbvios, a impressão de já ter visto tudo aquilo antes está ali, mas diverte do início ao fim, agrada, serve de lazer.

Se for a sua não ligar tanto em gastar um pouco mais de dinheiro num mangá de preço ligeiramente salgado, mas sem muito mais a oferecer que entretenimento simples e puro, vai fundo. Caso a tolerância para clichês (bem feitinhos, repito, mas clichês) não seja tão alta, melhor já ir preparado, pois mesmo a forma como retratam o primeiro vilão, visto como o cara mais intimidador e poderoso e assustador e imbatível do local, mas que já não consegue vencer a primeira batalha séria que é colocado logo no capítulo seguinte, pois um dos mocinhos precisa ser revelado como o verdadeiro intimidador e poderoso e assustador e imbatível do local, é de uma banalidade gigantesca.


Essa resenha foi feita tendo como base o volume 1 do mangá de Bungo Stray Dogs, publicado no Brasil pela editora Panini em dezembro de 2018, em formato 13,7×20 cm, capa cartonada, miolo offwhite, em torno de 192 páginas, custando R$22,90 em seu preço de capa. Ele é de autoria do mangaká Kafka Asagiri, com desenhos de Sango Harukawa, estando já em sua 16ª edição no Japão, ainda em andamento. A tradução foi feita por Sarah Longatto Fuidio.

Ao longo da leitura, alguns erros editoriais foram reparados. O primeiro deles, em maior evidência, foi a troca das páginas 53 e 52, que formam uma splashpage num momento de ápice no capítulo. Outro deles foi a não padronização da tradução da habilidade de um personagem, a “sasame yuki”. Na página 102, é descrita como “neve leve”, enquanto na 150 é descrita como “suave neve”.

Erro de montagem nas páginas 52 e 53.

Também rolam decisões que não são de forma alguma erradas, mas que causam certo estranhamento quando vistas. No caso, a opção de, através de rodapés, explicarem o que significa “senpai” quando o termo é usado em uma cena, mas não fazerem o mesmo quando outras formas de tratamento, através de honoríficos, como “-kun” e “-san”, aparecem.