Qual a sua kriptonita? Acho que Pokémon é a minha. Mais especificamente, quase tudo que gira em torno da marca durante seus 3 primeiros ciclos (“Kanto”, “Johto” e “Hoenn”), englobando anime, jogos, materiais promocionais, merchandising, quadrinhos. Quase tudo ainda me traz uma quantidade enorme de boas lembranças e, mais que isso, conseguiu sobreviver ao tempo e soar fresco, divertido e interessante em execução ainda hoje. E sem o auxílio da nostalgia, o que é mais impressionante.

Ano passado, ao acompanhar alguns dos episódios das primeiras temporadas do anime exibidos na maratona do Twitch, pude perceber o quão bom era o trabalho de roteiro feito ali, com episódios inteiros sendo montados só tomando como ponto de partida rotinas quaisquer presentes nos jogos (Clefairy cultuando um meteoro por evoluir com uma Pedra da Lua, a PokéTech etc.).

Pokémon produziu à época uma porção de séries que funcionavam – e ainda funcionam – como entretenimento independente em vez de só uma desculpa esfarrapada e pouco esforçada para vender os jogos e demais produtos da franquia. E é claro que esse era o propósito no fim das contas, mas o modo como o faziam, era bem bacana de ver. Tipo aqueles fast foods de grande alcance, onde os gostos dos lanches servidos são todos plásticos e familiares, mas os brindes que os acompanham, bem variados a cada temporada, tornam a experiência bem mais “cool” que o imaginável.

“Cool”

Cool é bem a palavra que define o mangá Pokémon Gold & Silver, de 2001, em 7 volumes, que vem sendo publicado bimestralmente aqui no Brasil pela Panini desde o ano passado. Funcionando num universo diferente do proposto no anime, o mangá Pokémon Adventures (ou Pokémon Special, no Japão) adapta à sua maneira histórias puxáveis dos jogos da franquia para portáteis, alternando seus protagonistas de acordo com a “era” jogável. Há quem diga que os gibis vão numa proposta mais adulta. Mentira. As historinhas divertem, alegram, surpreendem, até emocionam, mas são voltadas ao público infantil. Pois histórias infantis podem ser boas ou ruins, e a de G&S é ótima.

Ótima e “cool”. Pois seu fio condutor, o garoto Gold, diferente dos principais dos arcos anteriores (Red e Yellow, cujos mangás também já saíram por aqui), mais certinhos, equilibrados, é cool em vários sentidos. É despojado, impulsivo, desbocado, não respeita autoridades, é criado pelo mundo. Joga sinuca, usa uma franja despenteada, óculos escuros e anda de skate, o que por si só já o garante uns 64 bonus points em coolest entre o final dos anos 1990 e o início dos 2000. Pois seu rival, Silver, é daqueles supostos vilões que rendem poses reproduzíveis por fãs, bem misteriosos, com eventuais motivações que justificam seus atos obscuros, tridimensionais. E meio ninja até. É muito cool ter um ninja na história.

Muito “cool”

O mangá de Gold & Silver tem a seu favor todo o background interessante dos jogos passados na região de Johto, onde os produtores mergulharam em referências orientais, munidos ainda de a trama ser uma expansão dos eventos passados em games anteriores. Ele usa corretamente toda a possibilidade de personagens cativantes e eventos presentes neles para seguirem em frente com a trama, caprichando em estilo, gás e criatividade em suas manipulações.

Já no 1º volume (utilizado como base para este texto), a leitura proporciona diversos momentos de diversão pura e simples. O segmento inicial com o roubo de um dos pokémon iniciais é intenso; o diálogo com o Professor Carvalho é legal de ler, ficando ainda melhor quando se tem as sagas anteriores da história na bagagem; a parte de maior ação na Torre Sprout é deliciosa; as interações com os eventuais líderes de ginásio também, em especial a que se passa na ruína dos Unowns; o humor pontual usado na forma como os personagens são desenhados em alguns quadros, destacando reações a atos absurdos, é bem cativante.

Pokémon Gold & Silver é um ótimo mangá de Pokémon. Um gibi infantil disposto de todos os artifícios necessários para que uma boa obra infantil seja montada. É divertido, é engraçado, é bem contado, é empolgante, é bem desenhado. Cada página rende um sem número de reações possíveis. Os personagens são legais demais. Todo o citado ar “cool” eleva a experiência. Enfim, um bom produto que entrega tudo o que sua descrição promete.


Essa resenha foi feita tendo como base o volume 1 do mangá Pokémon Gold & Silver, publicado no Brasil pela editora Panini, de acordo com o descrito no site de sua loja, em março de 2018, formato 13,7 x 20 cm, 224 páginas, custando R$13,90 em seu preço de capa. Ele tem roteiro de Hidenori Kusaka e ilustração de Mato, sendo completo em 7 volumes no Japão. A tradução foi feita pelo Fernando Mucioli, com letreiramento do Ricardo Santana e edição da Beth Kodama.

É recomendado cuidado na hora de manusear as páginas, pois elas se destacam com certa facilidade. Ao longo da leitura, também foram notadas algumas manchas nelas, vindas do contato com outras páginas.