Violência, linguagem depreciativa, uso de drogas, cenas de sexo, gatilhos emocionais… São várias as representações gráficas dentro de histórias em quadrinhos e outras mídias que podem influenciar em sua classificação indicativa – um recurso na capa do produto para que os pais ou responsáveis saibam previamente o que deve ser mais adequado à faixa etária de seu filho.

Beijo na boca nunca foi um motivo pra isso. Ele está presente na nossa sociedade como demonstração de afeto entre casais, refletido em produções infantis desde que elas existem. Há quem ache que um beijo entre personagens do mesmo sexo possa se enquadrar em uma classificação dessas – o que, pela especifidade, só nos mostra um claro preconceito de quem o condena.

Dados os “eventos estranhos” acontecidos recentemente, na lista abaixo trazemos alguns mangás publicados no Brasil que, por acaso, possuem beijo homoafetivo em algumas páginas. Elas podem receber variadas indicações de idade, mas né… Não foi o beijo que a classificou assim.

 

JOY | NewPOP Editora

Lançado em janeiro deste ano pela NewPOP, Joy é uma obra de volume único de uma autora que se denomina apenas como Etsuko. A história acompanha um mangaká chamado Go Okazaki, que trabalhou por muitos anos desenvolvendo histórias shoujo (voltadas ao público jovem feminino). Pra variar um pouco o portfólio do rapaz, um belo dia o seu editor sugere que ele crie uma história boys love (um romance entre homens).

Go conta com uma ajuda imprescindível: seu assistente, Yusuke, é um homossexual. Ele passa então a se debruçar na vivência do ajudante, como forma de entender melhor como é se apaixonar por outro homem, de forma que isso seja transmitido em suas histórias. Porém, Go decide ir além do bom senso, fingindo um amor platônico por Yusuke, que pode desencadear em um romance verdadeiro.

Joy caminha mostrando o dia a dia de romances homoafetivos com naturalidade, alternando moderadamente com a rotina de um produtor de quadrinhos do Japão (algo que a gente pode ver mais detalhadamente em obras como Bakuman). O encadernado traz um selo de recomendação para maiores de 16 anos, devido ao teor da história que trata de temas como relações sexuais. Tem beijo? Tem, mas como você sabe, não é isso que o classificou para adolescentes.

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Philosophia | NewPOP Editora

Philosophia é uma obra lançada em 2018 pela editora NewPOP, de autoria de Shuninta Amano. Também com apenas um volume, conta a história de Ai, uma caloura na faculdade que foi convidada a uma festa de estudantes. O problema é que Ai se sente deslocada em situações sociais como encontros para beber, flertes etc. Ela também não se interessa por romances, e na festa, quando questionada se tem namorado, todos ficam dizendo o quanto ela precisa aproveitar a vida. Ela claramente não sabe se relacionar.

Em seu segundo ano de faculdade, Ai encontra a colega Tomo pela segunda vez (a primeira ela apenas emprestou seu isqueiro antes da festa de calouros) e as duas começam a conversar melhor, por terem uma matéria em comum. Tomo pede as anotações de Ai emprestadas e a partir disso as duas começam a se encontrar semanalmente em um café. Apesar dos vários questionamentos da relação das duas, que não se desenvolve muito além dos cafés e conversas aleatórias, e do amor de Ai por Tomo nascer, uma questão que é muito mais forte na obra é a respeito dos sentimentos individuais em relação aos outros. As duas, de alguma forma, nunca se sentiram conectadas com outras pessoas e se viram machucadas por suas ações.

O que Philosophia nos mostra não é apenas a relação entre duas mulheres, é sobre crescimento e amadurecimento, se sentir deslocado e não pertencente ao que a sociedade acha normal e tentar se encontrar no meio dessa bagunça da vida. E, além de se encontrar, se sentir bem naquele espaço, mesmo que outras pessoas não concordem com suas motivações. O que o torna indicado para maiores de 18 anos não é o beijo, mas o pesado caminho que a autora leva Ai a se encontrar.

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Boys Love | Editora Draco

Também temos um representante nacional nessa lista! Originalmente uma série de livros publicada pela Editora Draco, que reúne em cada volume contos de variados autores, Boy’s Love ganhou uma edição em quadrinhos em 2015.

Boy’s Love em Quadrinhos por enquanto só tem um volume, também trazendo múltiplas histórias por olhares de diferentes autores: Rita PortugalTalles RodriguesMárcio MoreiraKurama-ChanYuuF. SteffensM. SteffensGuilherme SmeeJu LoyolaBlanxe e Raquel Sumeragi.

Ao todo são 6 histórias, todas trazendo no centro algum romance entre dois homens (bom, isso tá claro no título, né?), mas variando as temáticas entre o cotidiano e o fantástico. Em uma delas acompanhamos um pescador contando para o filho como conheceu o mar, que na trama surreal é representado como um homem. Em outra vemos um extraterrestre em missão na Terra para conhecer melhor o planeta, acabando por se apaixonar por um rapaz em Recife.

Existem cenas um pouco mais “picantes” com menções e intenções sexuais que valeriam uma indicação de idade (alô, Draco), algo que o beijo (que também tá lá) não precisa.

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Naruto | Editora Panini

Ok, ok. Esse é um péssimo exemplo, mas iconográfico demais. Logo no primeiro volume, os personagens Naruto e Sasuke acidentalmente promovem o encontro de seus lábios, depois que um colega esbarra no momento em que os dois se encaravam no ambiente da sala de aula. A reação de cada um é cuspir e demonstrar nojo e desespero com a situação, afinal, são os maiores rivais do mangá.

Esse beijo é um alívio cômico de uma história classificada pela Panini como sendo para maiores de 12 anos, mas não por isso, claro, e sim por conter cenas de violência. Quando foi adaptada para anime, a cena foi reproduzida na versão original japonesa, mas editada na versão americana (que passou por aqui no Cartoon Network e no SBT), ocultando o beijo, mas ainda assim deixando claro que ele aconteceu (tem som de “smack” e tudo). A versão na íntegra do episódio está disponível pela Netflix e pela Crunchyroll (o mangá já é mais difícil de encontrar…).


Dadas as dicas de leitura, vamos a uma breve dica de amigo: o mundo está lotado de problemas gravíssimos para nos preocuparmos em resolver e com certeza uma demonstração de carinho não está entre eles – até porque sequer é um problema. Ame mais e deixe somar quem já está fazendo isso ;)

A união homoafetiva é reconhecida pela justiça brasileira desde 2011. Você pode escolher o que o seu filho pode ler e devolver à livraria um material cujo conteúdo não concorda. Mas você não poderá censurar a expressão artística.


Colaboraram Natalia ‘Kazu’ e Max Andrade