Falar sobre bastidores de dublagem no Brasil atualmente é bem complicado. Ao contrário da época das revistas informativas sobre animê, que traziam direto do estúdio as novidades que tornaram os atores conhecidos do público, hoje tem-se sigilos contratuais que impedem a divulgação de novos trabalhos em andamento. Por mais que vez ou outra cochichos do meio ecoem e saibamos certos detalhes, nunca se é permitido divulgar informações oficiais antes da estreia daquele produto – a não ser que o “cliente” (a empresa que encomendou e bancou a dublagem) permita.

Porém, é mais difícil ainda se manter quieto diante de alguns eventos. No dia 7 de maio, veio a público, em matéria publicada pelo site ANMTV, a história de que a série My Hero Academia estaria em fase de dublagem pelo estúdio Dubrasil. A informação já era ventilada nos bastidores e bateu com a manifestação de alguns dubladores do elenco do 1º filme da série (lançado por aqui no ano passado), que comentaram não terem sido chamados para reprisar os seus papéis. Mais recentemente, nomes famosos como o de Guilherme Briggs vieram a público com extensas declarações sobre o ocorrido.

Antes mesmo da referida matéria, entramos em contato com o estúdio Dubrasil, que como esperado, relatou que não pode comentar sobre nenhum trabalho em andamento por questões contratuais. Logo, não disse que sim, nem disse que não. Hermes Baroli, um dos donos do estúdio, acabou por se manifestar após a publicação de Guilherme, mas apagou a postagem pouco tempo depois.

O JBox apurou a história durante as últimas semanas, apesar de que várias informações já vieram a público antes da conclusão deste texto. A seguir você confere, com base nos relatos e declarações dos envolvidos a sucessão de fatos dessa história.

 

Quando a dublagem começou e quem foi trocado?

De acordo com as informações apuradas, os trabalhos de dublagem da série My Hero Academia supostamente tiveram início efetivo em janeiro de 2020. Portanto, teriam começado meses antes da pandemia que fechou estúdios e também meses após o lançamento do primeiro filme nos cinemas brasileiros. Caso essas informações procedam, não seria correto dizer que o estúdio responsável não teria como saber da existência de outro elenco.

Segundo fontes, testes de som, sim, foram feitos pouco antes da gravação do filme (essa datada de meados de abril de 2019, na Unidub), entre fevereiro e abril de 2019. Esses testes de som são uma maneira do cliente avaliar o custo benefício do projeto naquela empresa e não significa definição de nenhum ator para qualquer papel. Além da Dubrasil, testes também teriam sido feitos na Vox Mundi e na Centauro, e haveria também outro estúdio do Rio de Janeiro.

A afirmação de que a Dubrasil não saberia do elenco contradiz o fato de que pelo menos três atores foram convidados a reprisar os seus papéis do filme na série. Os personagens Midoriya, Bakugo e Tsuyu teriam mantidos os seus dubladores e o convite dependeria de conhecimento prévio de que já havia um elenco, já que alguns deles sequer teriam registro de voz na Dubrasil.

Vii Zedeck, dubladora da Tsuyu, foi uma das que confirmou o caso em suas redes, afirmando que abandonou o projeto após descobrir que outros colegas sequer haviam sido chamados. Em resposta em um vídeo do canal POP NERD no YouTube, Zedeck também confirma que jamais fez qualquer registro de sua voz e que a única forma da Dubrasil saber de sua existência era recorrer ao elenco do filme (vale lembrar que Tsuyu possui pouquíssimas falas no longa).

Outras vozes, como a dos personagens Kirishima e Yaoyorozu chegaram a ser interpretadas por outros dubladores a convite do estúdio, mas ambos teriam abandonado o trabalho ao descobrir que aqueles personagens já haviam sido interpretados por Heitor Assali e Fernanda Bullara no filme – ambos não chamados pela Dubrasil.

Resumindo a linha do tempo:

  • Entre fevereiro e abril de 2019: Dubrasil faz testes de som para a série, assim como outros estúdios;
  • Abril de 2019: Unidub começa os trabalhos de dublagem do filme ‘2 Heróis’;
  • Agosto de 2019: Filme é lançado nos cinemas brasileiros, após longa campanha destacando o elenco de dubladores;
  • Janeiro de 2020: Começa a dublagem da série na Dubrasil.

 

Por que a Dubrasil? Por que a troca?

O cliente responsável (que, até onde tudo indica, seria a Funimation) é novo no mercado brasileiro. Como muitas empresas novatas, buscou o serviço de melhor custo benefício, aquele que entregará o serviço nos requisitos técnicos desejados por um preço compatível.

Após análises, o cliente teria optado pela Dubrasil. Mas não é inédito um “pé atrás” do meio com o estúdio, já eram ventiladas, à época da mudança da série Os Cavaleiros do Zodíaco da Álamo para o estúdio de Hermes Baroli, algumas insatisfações de dubladores – fato também relembrado no depoimento de Guilherme Briggs, que teve seus desentendimentos expressos a nível público à época, no que causou a mudança de seu personagem (Radamathys) na Saga de Hades, bem como a de outros colegas.

Alguns dubladores chegaram a levantar publicamente a hipótese da escola de dublagem oferecida pelo estúdio se relacionar a um possível “barateamento” do serviço. Supostamente, o cliente também não teria exigido da Dubrasil a manutenção do elenco do filme, dando carta-branca para a escalação de um novo elenco.

Atualização (20/05, às 0h29):

Em contato sobre o caso, a Dubrasil afirmou que “Em nenhum momento [a empresa] utiliza ‘alunos’ a meio de baratear produção, todos os dubladores que participam e participaram dos projetos relacionados a nosso estúdio recebem corretamente de acordo com o piso estabelecido em acordo. [O mesmo vale para] questões delegadas a custos e afins de produção, todas as empresas que assinam o acordo de dublagem respeitam as normas do mercado e da concorrência.”

 

Onde a série será exibida?

A Funimation possui nos Estados Unidos uma plataforma de streaming chamada FunimationNow, onde exibe algumas séries de animê com exclusividade, outras até com dublagem em inglês simultânea com a estreia no Japão. A empresa chegou a virar desafeto do nicho de espectadores de animês no Brasil, por “travar” a vinda de muitas séries importantes, que não puderam ser distribuídas legalmente por aqui.

Quando os rumores sobre dublagens de séries da Funimation começaram a vir à tona, muito se especulou sobre a vinda do FunimationNow para a América Latina. Porém, em abril, a Variety publicou uma notícia sobre a Pluto TV, uma agregadora de conteúdos de streaming da Viacom que tem lançamento já previsto para o Brasil até o fim de 2020.

A Pluto TV foi divulgada junto a dezenas de produtoras parceiras, prometendo também animês em sua grade. Uma dessas parceiras é a Sony, proprietária da Funimation, o que leva a crer que todos os animês dublados na Dubrasil cheguem ao Pluto TV – isso não descarta a possível vinda do FunimationNow, sendo apenas uma segunda hipótese. Além de My Hero Academia, outras 4 séries estariam em trabalho de dublagem, sendo que Attack on Titan e Tokyo Ghoul já foram divulgadas extraoficialmente.

Atualmente, o dono da Dubrasil trabalha nos Estados Unidos, dirigindo dublagens por lá em inglês, o que pode também facilitar o diálogo com a Viacom.

 

A parte que dói

Toda a questão de troca do elenco de My Hero Academia poderia até ser relevada, fossem problemas de disponibilidade de atores, as próprias rixas entre pessoa e empresa, ou mesmo o trabalho original ter sido ruim – o que não foi, pois sabemos que o elenco em sua maioria foi elogiado e aprovado pelos fãs, que se acostumaram com aquele time em uma única produção.

O porém nessa história toda é que não se trata de um “dublador estrela” que não foi escalado, ou mudanças pontuais no elenco. Estamos falando de diversos atores que alegam não ter sequer a chance de contestar qualquer coisa, pois aparentemente sequer foram chamados. Considerando que o estúdio sempre buscou manter o elenco de uma franquia como Os Cavaleiros do Zodíaco, a falta do elenco original no caso de uma série com enorme apelo – mesmo que apenas um filme tenha sido dublado no país – soa estranha para o público.