Quando o assunto são animês de garotas mágicas, o senso comum costuma ser imaginar uma história de ação com um grupo composto por cinco heroínas colegiais em uniformes coloridos (principalmente de marinheiro) combatendo forças do mal. Entretanto, as coisas nem sempre foram assim para essas garotas.

Creditado por muitos como o primeiro anime do subgênero mahou shoujo, ou seja, garota(s) mágica(s), a série Sally, The Witch (1966) está bem longe do imaginário atual que essas produções ganharam. Inspirado principalmente por programas e filmes da cultura ocidental, como a série A Feiticeira (1964) e Mary Poppins (1964), o foco do animê era mais na comédia do que na ação, com a protagonista titular ajudando seus amigos a superarem situações cotidianas com seus poderes mágicos.

Era algo muito parecido com o que a popular Cardcaptor Sakura costuma fazer no dia a dia com seus amigos quando não está caçando cartas mágicas pela cidade de Tomoeda. Mas se o foco era o cotidiano dessas meninas mágicas, como a luta contra o mal e o grupo de heroínas entrou no nosso imaginário? Bom, essa resposta eu tenho certeza que o leitor já sabe: foi tudo graças a Sailor Moon, produzido pela Toei no começo dos anos 90.


Garotas mágicas encontram os Super Sentais

Criado em 1991 como um mangá por Naoko Takeuchi e adaptado para animação no ano seguinte pela Toei, Sailor Moon é até hoje celebrado como um dos maiores marcos (se não o maior) para o gênero garotas mágicas.

Imagem: Pôster promocional de 'Sailor Moon Crystal'.

Divulgação: Toei/Deen.

Tendo grande inspiração nos super-heróis das séries tokusatsu, como os Super Sentai e Patrine, a obra mistura os conceitos já estabelecidos nas histórias de garotas mágicas com as narrativas heróicas japonesas para criar algo diferente da maioria das produções da época.

Não era a primeira vez que garotas se tornavam grandes super-heroínas em animes: A Princesa e o Cavaleiro (1967) e Cutie Honey (1973) já existiam há muito tempo; mas a principal diferença de Sailor Moon era o foco dado às mulheres na trama.

Tínhamos um grupo de diversas jovens meninas poderosas lutando principalmente contra vilãs, enquanto os personagens masculinos ficavam em segundo plano, seja como aliados, ou como antagonistas secundários.

A série ainda misturava uma boa dose de comédia, um elemento que, junto das diversas cenas de ação, conseguia agradar tanto o público feminino quanto o masculino, e se expressava principalmente durante as cenas cotidianas da protagonista Usagi (Serena na dublagem brasileira) ao lado das suas cinco amigas.

Entretanto, quando o assunto era a vida de Usagi, a trama flertava principalmente com o romance. Muitos são os capítulos centrados na relação entre Usagi e seu namorado Mamoru, que assumia o alter ego de Tuxedo Mask, e muitas vezes os vilões se aproveitavam da afeição da protagonista por seu amado para usar esse amor como arma contra ela quando se transformava na heroína Sailor Moon.

Falando em transformações, vale citar que sempre que Usagi assumia a faceta de Sailor Moon junto de suas outras amigas sailors, havia uma nada discreta sequência de transformação cheia de cores e brilho para todos os lados.

Todos esses elementos, desde a luta contra o mal, passando pela comédia, o romance e até as transformações espalhafatosas, acabaram influenciando o mercado cultural dos animes de tal forma que muitas produções que surgiram depois se inspiraram nos elementos de Sailor Moon – e em alguns casos, a inspiração tornava essas obras tão similares à história criada por Takeuchi que muitos fãs até hoje acusam um ou outro anime de plágio.

Seguindo os rastros da marinheira da lua

Um dos casos mais populares de um anime que teria “copiado” Sailor Moon é Wedding Peach (1995). A série conta com os exatos mesmos elementos que tornaram a obra de Takeuchi tão popular: temos garotas colegiais com superpoderes, transformações cheias de brilho, comédia exagerada e romance aos montes.

Imagem: Pôster promocional de 'Wedding Peach'.

Divulgação: OLM.

A forma como esses elementos estão organizados também remete bastante ao primeiro arco da história da marinheira lunar.

Tal como as Sailor Senshin, as Love Angels precisam lutar contra uma rainha do mal; algumas delas são reencarnações de guerreiras do passado; quando a situação aperta, costumam receber ajuda de um homem charmoso chamado Limone, tal qual as sailors recebiam ajuda de Tuxedo Mask.

O romance entre a protagonista Momoko com seu par Yousuke é inicialmente cheio de situações de briga engraçadas, tal qual Usagi e Mamoru antes de recuperarem suas memórias passadas em Sailor Moon.

Um fato interessante é que Sukehiro Tomita, criador do mangá que inspirou o animê, foi roteirista de Sailor Moon, fazendo alguns fãs da história de Usagi tenham certo apreço por Wedding Peach, deixando de lado uma possível rivalidade entre ambas.

Outro anime de 95 com uma “Angel” como protagonista muito similar à criação de Naoko Takeuchi é Nurse Angel Ririka SOS. Tal qual Usagi, a protagonista Ririka é uma menina apaixonada e atrapalhada, que descobre na verdade ter vindo de outro mundo e precisa lutar contra invasores tentando destruir a Terra.

A diferença aqui está no fato do foco se dar em torno de apenas uma garota mágica e não de um grupo, mas não quer dizer que Ririka não receba ajuda de outros personagens mágicos ao longo de suas aventuras – e ela é inclusive auxiliada pelo seu amado Kano, tal qual Sailor Moon por Tuxedo Mask.

Saindo um pouco dos anos 90, ainda encontramos outros mahou shoujos que foram fortemente influenciados por Sailor Moon, alguns deles foram muito populares em seu lançamento. É o caso de Mermaid Melody (2003), muito comparado pelos fãs do gênero com a história de Usagi e suas amigas.

De fato, o animê das sereias cantoras tem todos os elementos que tornaram Sailor Moon um sucesso anos antes – e também vale citar que a protagonista Lucia tem um cabelo muito parecido com a marinheira da lua. Entretanto, a obra não fica presa somente a isso, sendo inegável a forte influência do conto A Pequena Sereia do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen na narrativa, de modo que a trama até mesmo cria uma interessante e criativa mistura entre o imaginário das garotas mágicas com da história clássica.

A grande novidade em Mermaid Melody, porém, foi em ter inserido músicas cantadas durantes as batalhas das cenas de ação, com as protagonistas da história usando suas próprias vozes como armas contra os inimigos. A sensação que a série passa é de se estar vendo muito mais um show de divas do pop do que uma luta contra as forças do mal e se tivesse sido produzido hoje em dia, Mermaid Melody talvez fosse muito mais comparado aos diversas franquias de idols atuais do que a Sailor Moon.

Imagem: Pôster promocional de 'Tokyo Mew Mew'.

Divulgação: Pierrot.

Mermaid Melody fez um certo sucesso quando estreou, com a série tendo recebido uma segunda temporada no ano seguinte do seu lançamento, mas talvez o animê “influenciado” por Sailor Moon que mais se deu bem em questão de popularidade mundo à fora foi Tokyo Mew Mew (2002).

Conhecido no Brasil como As Supergatinhas, a série tem tudo o que já foi citado anteriormente: ação, romance, comédia, garotas colegiais, transformações e o namorado da protagonista como um aliado mágico do grupo de heroínas principal.

Mas seja pelo design singular das heroínas, ou pelas cinco carismáticas protagonistas, ou talvez até mesmo pela temática única que gira em torno de problemas ambientais reais, o fato é que Tokyo Mew Mew angariou um número tão grande de fãs que acabou superando o rótulo de “cópia de Sailor Moon” para se tornar um dos mahou shoujos mais populares do começo dos anos 2000.

O sucesso levou o mangá a receber uma sequência com novas personagens, além de um spin-off focado em “garotos mágicos” com poderes similares às das heroínas da trama principal. Uma nova adaptação do mesmo mangá deverá estrear no ano de 2022 sob o nome de Tokyo Mew Mew New, comprovando a popularidade da história – e vale ainda ressaltar que das obras aqui listadas, Tokyo Mew Mew é a única que cuja tanto o animê, quanto o mangá, chegaram ao Brasil, mesmo que o primeiro não tenha sido finalizado no nosso país.

Claro que a Toei, vendo a popularidade de Sailor Moon, tentou repetir a fórmula. Depois de finalizar Ojamajo Doremi (1999), chegou o momento da produtora lançar Futari wa Pretty Cure (2004), a primeira temporada da longeva franquia Pretty Cure [nota da editora: leia nossa coluna sobre as garotas mágicas da Toei aqui].

Durante anos, as séries de Pretty Cure têm sido comparadas com Sailor Moon, o que até certo ponto faz sentido, uma vez que uma bebeu muito da fonte da outra. Mas com 18 temporadas já lançadas no Japão, tornando-se a franquia de garotas mágicas mais bem-sucedida até hoje, Pretty Cure ganhou relevância para se tornar uma série que vai além de uma simples “cópia” do anime das sailors senshins.

Além disso, é interessante notar que, embora mantenha em sua fórmula a maioria dos ingredientes da mistura que originou Sailor Moon, as temporadas de Pretty Cure pouquíssimas vezes trazem tramas primárias ou secundária focadas em romance, um elemento tão importante para a maioria das obras aqui citada, com suas narrativas tendo como foco outros pontos das vidas de suas protagonistas.

O fato é que sim, Sailor Moon influenciou muitas obras do gênero mahou shoujo desde seu lançamento e provavelmente influenciará muitas outras no futuro, direta ou indiretamente, mas é inegável que algumas dessas séries possuem elementos próprios que as tornam originais ao seu modo e podem ser apreciadas e vistas por suas qualidades que vão além de comparações com a série da marinheira lunar.

O importante é entender que referências e influências existem – e nem sempre um autor faz algo querendo copiar uma ideia ou história, às vezes o conceito apenas é tão forte em seu imaginário que fica difícil fugir dele, assim como é difícil deixar de imaginar uma garota de cabelo loiro e roupa de marinheiro quando alguém diz “garotas mágicas” por aí.


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