Trabalhar reportando o mercado editorial brasileiro de mangás há quase 10 anos (comecei no JBox em 2013) é um tanto desafiador, mas gera a possibilidade de se traçar panoramas interessantes. Pelo tempo de observação, é possível ler determinadas situações com alguma vantagem, já que o “tempo de estrada” permite visualizar o andamento das coisas dentro de um determinado período com alguma precisão, através de um olhar diacrônico.
Tentando mobilizar a experiência adquirida nesse tempo, decidi por criar uma coluna para comentar o mercado de mangás — hoje bem estabelecido no Brasil. O intuito é contribuir para o debate acerca de assuntos que estejam na ordem do dia. Pois bem, vamos a ele!
Durante esses quase 10 anos, acompanhei com empolgação o crescimento da NewPOP. Por um determinado momento, tratava-se de uma pequena casa que se movia irrequieta para conquistar um espaço entre as grandes — o que definitivamente aconteceu nos últimos anos, resultado de um trabalho árduo e bastante elogiável.
Todos sempre torceram pela consolidação da editora, já que por muito tempo as bancas eram dominadas por apenas duas casas: Panini e JBC.
A NewPOP “oxigenou” o mercado. A existência de um segmento de mangás na Devir, na Veneta e na Pipoca & Nanquim certamente passa pelo sucesso da empresa dirigida por Junior Fonseca. Para alcançar o status de hoje, marcado por uma relação próxima com um público bastante fiel (é possível dizer que a NewPOP possui fãs, não apenas leitores), a editora precisou superar uma série de dificuldades que se impunham durante os anos iniciais. Todos problemas naturais de uma empresa que está “começando”.
Ter regularidade no número de publicações, estabelecer uma periodicidade mais bem definida, conquistar confiança das licenciantes japonesas para a negociação de títulos expressivos. A NewPOP teve de passar por tudo isso até se tornar o que é hoje, com o mérito de se consolidar como a grande representante de nichos menos (ou nada) explorados pelas concorrentes: os mercados de boys’ love, light novels e yuri.
A NewPOP se tornou sinônimo de alguns desses segmentos: falar em boys’ love é falar em NewPOP, e vice-versa. O leitor que quiser a publicação de um determinado mangá BL (abreviação para boys’ love) sabe exatamente em que porta bater para, quem sabe, ver o título disponível no Brasil.
Mas alguns problemas persistem e merecem atenção. Quem conhece a editora desde 1945 — que obviamente não é o ano do final da Segunda Guerra, mas o título do primeiro mangá publicado por ela, em 2007 — sabe dos recorrentes erros de revisão.
Infelizmente, ao lançar mão de um título qualquer da NewPOP, o leitor poderá encontrar toda sorte de inadequações relativas ao texto: erros de digitação, frases desconexas, equívocos gramaticais, parágrafos truncados, diálogos em registro pouco (ou nada) natural para falantes do português.
O assunto foi debatido amiúde por aqui e por outros sites especializados. Já foi tema de palestra da editora, que reconhece o problema. Uma resenha de 2012 escrita por um antigo colaborador do site sobre um livro de Resident Evil já o apontava. Ou seja, trata-se de algo que se repete constantemente e costuma ser constatado em diversas outras reviews.
Nos últimos dias, a discussão ganhou relevância no Twitter, onde se faz presente grande parte do público cativo da NewPOP. Diversos perfis demonstraram insatisfação quanto aos erros e mesmo quanto a problemas de compreensão e fluidez do texto.
Uma thread da Pachi, colaboradora do JBox e também uma das responsáveis pelo Blyme — um dos maiores sites especializados em boys’ love —, expõe trechos do mangá Friendship Lover, um dos títulos recém publicados daquela leva de BLs da revista Mimosa, em que fica evidente a má preparação dos diálogos em português.
E por que é importante falar sobre isso? Bem, primeiro porque, obviamente, não se espera que um trabalho profissional seja entregue ao público final com erros desse tipo, sobretudo numa quantidade tão significativa. Mas o mais importante é colocar em questão algo fundamental: a primazia do texto.
Como se sabe, o mangá é uma forma de arte sequencial que se vale da multi-modalidade, ou seja, de duas formas de expressão para a construção dos significados. Dessa forma, desenho e língua escrita formam, em simbiose, um texto: um conjunto de signos com valor(es) semântico(s). Portanto, o texto escrito — veículo dos diálogos, pensamentos, narrações e outras formas de expressão e referenciação presentes em um mangá — merece todo o cuidado, já que influi diretamente no resultado da significação e da experiência de leitura.
E esse trabalho passa por várias mãos. Do tradutor para o revisor, do revisor para o editor. A cada nova etapa, correções e possíveis alterações devem ser feitas a fim de se atingir o melhor nível.
Em Friendship Lover, volume único de You Ohira, a leitura é bastante prejudicada por algumas passagens como as destacadas pela Pachi na thread. Na imagem acima, a construção da frase soa bastante estranha ao ouvido de um falante nativo do português.
É possível dizer que o significado é compreensível, mas a forma como está redigida, por não ter nenhum paralelo com a sintaxe e a com a organização frásica da nossa língua, “engasga” a leitura. De repente, algo como “no exato momento em que a seriedade deu lugar a um grande e radiante sorriso…” poderia ser uma saída.
E há outros casos semelhantes no mesmo mangá. Num outro balão, há um “depois logo”, provavelmente seguindo a ordem sintática japonesa, forma inversa ao brasileiro “logo depois”, construção bastante cotidiana. Outro trecho que parece transportar para o português uma lógica gramatical japonesa é um “vamos para a rodada” em lugar de um típico “mais uma rodada?”, escutado em qualquer mesa de bar ou num episódio mais antigo de Malhação. “Pecados sem intenções” também não remete a uma forma que um falante de português utilizaria.
Há quem diga que tais estranhamentos são o resultado natural da transposição do texto de uma língua para a outra. Ocorre que, para quem estuda e trabalha com tradução, não é bem assim. A tentativa de se produzir um registro aceitável na língua de chegada é tão importante quanto trazer os significados expressos pelo idioma original. A boa tradução, portanto, deve se preocupar com os dois.
Volto a dizer, entretanto, que este é um trabalho que deve passar por várias mãos. Um texto mal estabelecido é de responsabilidade do tradutor, do revisor, do editor. Ao que parece, faltou certo tino para os responsáveis dessa edição.
Sem contar os deslizes de digitação que são perceptíveis no volume. Um “posso” invés de um “possa”, a ausência de um conectivo (“Então não seria melhor estar de acordo com o que te faz se sentir bem e te anima?”). Enfim, são muitos os problemas num encadernado só.
E a NewPOP precisa resolvê-los. Uma edição com papel de qualidade, sobrecapa, efeito metálico ou holográfico e tudo o que tiver direito num preço competitivo não sustenta um texto mal tratado. É de primeira importância que a linguagem esteja à beira da perfeição, sem nenhum exagero. Infelizmente, não é isso que encontramos em boa parte do material publicado pela editora.
Talvez seja necessário investir na contratação de profissionais da área de letras, aumentar a equipe do editorial… mesmo que isso implique num eventual aumento de preços.
O texto presente nesta coluna é de responsabilidade de seu autor e não reflete necessariamente a opinião do site JBox.
A única coisa que eu espero dessa história é que a NewPop não caia na defensiva, como sempre aparenta quando o assunto revisão aparece
Mas pelo que vi de respostas que deram no Twitter pra algumas pessoas parece que vai ser justamente isso
Ouço o Júnior reclamando que a NP não ganha prêmios e o público acaba comprando mais de outras editoras, como se isso fosse de graça, quando sabemos que não é
A Panini também tem um erros “umanos” nos gibis de heroizinhos americanos.
É nenhuma editora do BR é perfeita e erros da New Pop existem e devem ser destacados. Muito bom ser feito isso e espero q a New Pop tome a atitude correta e n faça q nem as outras q preferem atacar o leitor com desculpas.
Infelizmente as vezes a NP acaba ganhando uma defensiva maior do publico pelo fato de se comunicarem melhor e tbm terem obras q abrangem um publico q n é atingindo pelas outras editoras. O fanatismo acaba se sobrepondo a razão. Vamos ver o q segue…
Putz… Ae é osso, os caras podem fazer diferente e caem na mesma mania das outras editoras. Q pena…
Os últimos lançamentos da NewPop que eu comprei foram os mangás de Street Fighter que eles publicaram anos atrás, e todos eles tiveram uma tradução mal feita do inglês. Talvez o mesmo tenha acontecido com esses mangás BL cujo texto está bem truncado e sem naturalidade.
Compro mangás da NewPOP desde os 12 anos e eles sempre tiveram esses problemas.
As light novels em específico são terríveis, e é bem triste que eles sejam a única editora que foca nesse nicho.
Pra piorar a editora costuma responder as críticas com um tom meio irônico, oq me gera uma certa decepção, na verdade =/
A revisão nas novels de re:zero é um cu. Muito ruim essa Débora Tasso
Eu senti essas travadas de leituras em obras como Kamen Rider, Record of Ragnarok e The King of Fighters.
O que mais me enfurece é que muitas vezes parece que eles colocaram em um tradutor copiaram e colaram e aí parece que todos na obra falam como o Mestre Yoda.
O texto já tem dois anos mas continua atual. Acredito que a qualidade da tradução tenha melhorado um pouco, mas o aspecto de “primazia do texto” continua em falta. A própria diagramação – tão fundamental, tão “na cara” – deixa muito a desejar, com textos minúsculos enquanto deixam muito espaço sobrando nos balões.
Trava a experiência de leitura, torna cansativa e é difícil não se perguntar “por que deixaram tanto espaço em branco e não aumentaram um pouco essa letra?”. O que é realmente confuso, porque há trechos em que esse ajuste é feito da forma correta mas, em muitos outros, não.
Seguimos torcendo pela editora e, principalmente, torcendo que entregue um material de qualidade que faça jus aos preços atuais altíssimos.