Ao digitar a palavra “cozy” no YouTube, a depender de como funciona seu algoritmo, é bem capaz de a plataforma sugerir uma porção de vídeos com playlists lo-fi que criam um clima aconchegante, relaxante e acolhedor para leitura, estudos ou para pegar no sono.

Para mim, que consumo muito do “booktube”, que é como youtubers que produzem vídeos sobre literatura nomeiam seu segmento dentro desse universo, também aparecem vlogs e vídeos com dicas sobre como construir um ambiente aconchegante, relaxante, acolhedor, cozy de leitura.

Dos poucos animês ótimos da última temporada de inverno, In the Land of Leadale é certamente um dos mais interessantes deles. E uma boa parte disso é por ele ser a tradução em desenho animado desse sentimento cozy que essas playlists e vídeos de booktubers tentam passar. Meio maluco, eu sei, mas chegarei lá.

Imagem: Keina sendo acordada em uma cama.

Sem entender muito o que acontece, Keina acorda num outro mundo. | Reprodução/Crunchyroll

Antes, o serviço: In the Land of Leadale (Leadale no Daichi nite) é um animê do estúdio Maho Film (de I’m Standing on a Million Lives), com direção de Yuuji Yanase (In Another World With My Smartphone). Ele adapta a light novel escrita por Ceez, em publicação desde 2019, já com oito volumes.

Na história, acompanhamos uma garota chamada Keina Kagami. Keina sofreu um acidente que a deixou tetraplégica e ligada a um suporte de vida num hospital. Seu único escape de entretenimento é o MMORPG de realidade aumentada World of Leadale, que ela joga através de óculos de VR.

Num dado dia, por consequência de um apagão, seus aparelhos no hospital são desligados e ela morre em sua “vida real”. Contudo, sua mente é transportada para dentro do jogo, onde ela descobre que mais de 200 anos se passaram sem que tivesse memórias disso. Então, Keina parte em busca de respostas nesse mundo de fantasia digital, que agora é cercado de mistérios, mas lhe servirá como uma “nova vida” dali em diante.

Esse é ainda outro, dentre muitos, animês isekai. Mas ele vai numa onda um pouco diferente da manada. É bem comum, nessas histórias em que pessoas, por algum motivo, são enviadas para um mundo de fantasia medieval com elementos gamer, ocorrer uma abordagem que seja mais sombria, com os protagonistas comendo o pão que o diabo amaçou antes de encontrarem alívio nessa nova vida.

No ótimo Re:Zero, o protagonista literalmente morre várias vezes até tudo eventualmente passar a dar certo. No muito bom So I’m a Spider, So What?, a protagonista é presa num corpo de aranha e precisa enfrentar todo tipo de besta selvagem até evoluir numa criatura mais poderosa. No péssimo The Rising of the Shield Hero, o protagonista é desacreditado e banido do reino por uma acusação falsa, e só vê uma luz no túnel depois de muito tempo sendo tratado como pária.

Imagem: Keina comendo churrasco no espeto com um idoso.

Pra que fazer grandes esforços se você pode comer espetinho de carne com seu filho anão? | Reprodução/Crunchyroll

In the Land of Leadale pertence a outro grupo: o de isekais positivos! Ele está na mesma patota de obras como That Time I Got Reincarnated As A Slime, I’ve Been Killing Slimes for 300 Years and Maxed Out My Level e My Next Life as a Villainess: All Routes Lead to Doom!.

Esses desenhos, além dos títulos gigantescos, têm em comum serem histórias onde o protagonista (que é enviado a um outro mundo de fantasia medieval e com elementos gamers, como manda a moda) calha de possuir algum poder bem maior que o resto. Seja por já renascer assim (Slime), por passar uma imensidão de tempo upando (Killing Slimes), ou por conhecer com antecedência os eventos que ocorrerão (Villainess).

Em comum também é o fato desses protagonistas super poderosos utilizarem essa vantagem para extrair o que de melhor aqueles ambientes têm, de modo que moldam ali a vida bacana, aconchegante, relaxante, acolhedora, cozy que não conseguiram ter antes, mas agora podem.

Por estar presa à uma cama de hospital, Keina pôde passar muito mais tempo que a média de outros jogadores dentro do World of Leadale. Dessa maneira, ela não só atingiu status altíssimos, como conquistou itens que pouquíssimos poderiam conquistar. Agora que o ambiente do jogo se tornou um mundo de verdade, a garota é tão poderosa quanto uma deusa.

Ao menos de início, não há nada que cause qualquer dificuldade para Keina. Ela não precisa ter medo, pois ninguém pode feri-la gravemente. Qualquer missão que escolher será apenas pela diversão. É um momento de aproveitar os loros das vitórias que alcançou em seu tempo de jogadora e a tornaram uma lenda local.

Imagem: Keina curando um homem.

Mesmo quando há um prenúncio de tensão, tudo já é resolvido. | Reprodução/Crunchyroll

Posto isso, In the Land of Leadale talvez não agrade a espectadores que procurem uma história de mais ação, com perigos eminentes e tensões de prender na cadeira. Porque a Keina é, basicamente, como o Saitama em One Punch-Man. Como nada pode contra ela, já sabemos que qualquer conflito será resolvido antes mesmo dele preocupar.

A graça está no resto: assistir às reações daqueles que estão ao redor dela à tamanha facilidade com que ela lida com acontecimentos que poderiam ser mortais a quaisquer outros, aos resultados empolgantes das interferências dela em eventos, ao dia a dia dos personagens cujas vidas ficaram mais fáceis, aos locais diferentes que ela explora, às pequenas descobertas do lore daquele universo com demais ex-jogadores que “reencarnaram” ali de alguma forma, e por aí vai.

Ao construir um animê onde a protagonista cria para si um mundo cozy, In the Land of Leadale nos serve exatamente essa mesma sensação confortável. Do início ao fim, é o tipo de série ideal para descansar a mente e simplesmente aproveitar uma boa história, ligeiramente utópica, em que não é necessário se preocupar com problemas.


In the Land of Leadale foi exibido pela Crunchyroll com legendas em português de forma simultânea com o calendário japonês e toda a temporada está disponível no catálogo. A empresa fornece ao JBox um acesso à plataforma.


O texto presente nessa resenha é de responsabilidade de seu autor e não reflete necessariamente a opinião do site JBox.