Continuando a nossa lista de mangás para conhecer a revista Garo, o mais importante monumento dos quadrinhos da cena underground japonesa, apresentamos, ao lado do Fora do Plástico, mais 7 títulos que fizeram história no periódico da Seirindo.

Se na 1ª parte (que você pode conferir aqui) contava-se apenas um mangá com passagem pelo Brasil — o clássico A Lenda de Kamui, de Sanpei Shirato –, agora somente a coletânea Flight, de Kuniko Tsurita, tem presença confirmada nas livrarias brasileiras: a obra será lançada esse ano pela editora Veneta (e está, inclusive, na nossa lista de títulos mais aguardados de 2022).

Sem mais, confira a nossa seleção:

#1. Red Colored Elegy (Akairo Elegy)

de Seiichi Hayashi | volume único | 1970

Um dos marcos da cena underground japonesa, Red Colored Elegy é a obra prima de Seiichi Hayashi. A história acompanha Ichiro e Sachiko, um casal de namorados que sonham ser mangakás. Em busca desse objetivo, a vida de ambos será tomada por uma série de sacrifícios pessoais, dando vazão às inquietações que tomam conta da narrativa.

O mangá é repleto de quadros que buscam mimetizar uma movimentação sequencial que é típica do cinema. Tal procedimento é acompanhado por uma atmosfera lírica, que se esboça já no título, e debruça-se com especial atenção sobre a subjetividade das personagens.

A arte pouco detalhista e a preferência pela representação de figuras humanas num plano 2D são traços constitutivos da estética de Hayashi, que ao longo da década de 1970 despontaria como referência para as artes plásticas e o design japonês. 

Com sua força inegável, o trabalho de Seiichi Hayashi é mencionado por Hayao Miyazaki como uma de suas principais influências.


#2. Flight

de Kuniko Tsurita | volume único | 2010

Lançado em 2010, no Japão, o encadernado reúne 30 histórias publicadas por Kuniko Tsurita entre as décadas de 1960 e 1980.

Conhecida como a “madrinha do mangá experimental”, alcunha recebida muito por ter sido a primeira mulher a publicar na Garo, Tsurita tem em Flight sua antologia definitiva — o mangá foi anunciado no Brasil, no ano passado, pela Veneta, e deve chegar ainda em 2022.

As temáticas das muitas narrativas variam da rotina de produção de pobres mangakás e as memórias do underground de um país marcado pela tragédia nuclear, até aventuras míticas de mulheres ancestrais, contos sobre prostitutas e videntes, e outros assuntos.

Na coletânea, estão os seus principais contos: “Voice”, “Divine History”, “The Burial of Mankind” e, é claro, a história que empresta título ao livro, “Flight”.


#3. The Push Man and Other Stories 

de Yoshihiro Tatsumi | volume único | 1969

Em Vida à Deriva (leia aqui a nossa crítica) pudemos conhecer apenas uma das facetas de Yoshihiro Tatsumi, um dos grandes nomes a fazer história na revista Garo. Nos contos que compõem The Push Man and Other Stories, daremos de cara com um Tatsumi mais agressivo, obcecado pelos temas mais miseráveis que constituem a vida humana.

O seu interesse principal nesta antologia reside nas relações entre homens e mulheres, reificadas não apenas pelas consequências da guerra, mas sobretudo pelo impulso modernizante da segunda metade do século XX. O cenário urbano é ocupado quase sempre por personagens de origem popular, trabalhadores de toda espécie. 

A arte de Tatsumi, já conhecida do público brasileiro através da publicação da Veneta, mostra aqui a sua versatilidade. O estilo do autor é capaz, com pequenos ajustes, de dar forma a assuntos de natureza distinta ao apresentado em Vida à Deriva. Quase todos os contos são inclusive protagonizados por uma figura idêntica a Hiroshi Katsumi, o “alter-ego” do autor que narra a história de seu mangá autobiográfico. Esta espécie de “autorretrato” é um procedimento típico na obra de Tatsumi, sendo encontrada na maior parte de seus trabalhos (como nas coletâneas Abandon the Old In Tokyo Good-Bye, publicadas pela Drawn & Quarterly no ocidente).


#4. Red Snow (Akai Yuki)

de Susumu Katsumata | volume único | 2005

Vencedor da 35ª edição do Prêmio da Associação dos Cartunistas do Japão, Red Snow foi publicado como encadernado em 2005, mas reúne 10 histórias breves criadas pelo autor durante as décadas de 1960 e 1970, a maioria publicada na Garo.

As histórias, protagonizadas por trabalhadores do campo, fabricantes de saquê, crianças camponesas e monges, dão conta de um Japão bucólico que remonta à infância do autor, na província de Miyagi, e têm como foco a vida rural. Elementos da tradição popular, como as lendas de kappa e as bonecas kokeshi também estão presentes ao longo das narrativas.

O estilo de Susumu Katsumata é feliz em sua combinação de personagens com traços mais simples e paisagens ricas em detalhes, de modo semelhante ao que se encontra na obra de Yoshihiro Tatsumi e de outros contemporâneos do autor.


#5. Slum Wolf

de Tadao Tsuge | volume único | 2018

Slum Wolf é uma compilação de histórias desenhadas por Tadao Tsuge ao longo das décadas de 1960 e 1970. Nesta coletânea, publicada como volume encadernado em 2018 pela New York Review Comics, o leitor conhecerá o tom geral da produção de Tsuge, que se interessa por pelos guetos de uma Tóquio destruída no pós-guerra.

Os contos têm em comum o personagem Keisei Sabu, um verdadeiro “kamikaze urbano” que percorre as ruas mais obscuras da grande metrópole japonesa em defesa de prostitutas e pequenos comerciantes, no entanto seu caráter está longe de ser compatível ao dos heróis típicos das histórias em quadrinhos.

Se no plano do conteúdo o grande mote é a violência, na arte vemos ressoar o mesmo topos, com um privilégio de linhas escuras e hachuras por toda a parte. Como é de se supor, Tadao é irmão de Yoshiharu Tsuge, autor de O Homem Sem Talento.


#6. Miyoko Asagaya Kibun

de Shinichi Abe | volume único | 1971

Em Miyoko Asagaya Kibun, que pode ser traduzido livremente para Os sentimentos de Miyoko em Asegaya, Shinichi Abe faz de sua própria história um romance. Inspirado por sua esposa – e musa – Miyoko, o autor-narrador conta detalhes de sua vida no bairro boêmio de Asagaya, em Tóquio.

Paralelamente aos episódios do cotidiano do narrador, que se ausenta durante dois capítulos nos quais Miyoko torna-se a dona da voz, a trama versa também sobre a própria arte e os desafios impostos ao artista pelo contexto do pós-guerra.

O mangá se filia ao gênero watakushi (“eu”, em japonês) do qual Osamu Dazai é um dos principais expoentes na prosa, enquanto nos mangás suas figuras mais representativas são Yoshiharu Tsuge e o próprio Shinichi Abe.

Miyoko foi adaptado para o cinema em 2009.


#7. Hyaku Monogatari

de Hinako Sugiura | 3 volumes | 1988

Hyaku Monogatari (do japonês, “cem histórias”) é o nome que se dá a um jogo surgido no Período Edo (1603-1868) em que 100 pessoas se reúnem para que cada uma conte uma história de terror supostamente verdadeira. 

O mangá de Hinako Sugiura emula essa forma típica da tradição oral japonesa e apresenta 99 narrativas de tema sobrenatural. A autora é notadamente conhecida pelo seu trabalho de pesquisa acerca de uma das fases mais longevas da história do Japão e traz na sua arte um toque que remonta a formas consagradas, como o ukiyo-e.

Os trabalhos de Sugiura revelam sua obsessão a respeito dos costumes do povo japonês durante o xogunato dos Tokugawa, sendo uma das mais importantes mangakás da vertente histórica a passar pela Garo em sua fase tardia.


Confira a primeira parte da lista aqui.