Recentemente, uma adição “suspeita” no Amazon Prime Video trouxe de volta uma velha discussão. Um dos maiores clássicos do Ghibli, Túmulo dos Vagalumes apareceu no catálogo da plataforma de streaming, mas com uma dublagem realizada por fãs. Não é uma suposição, o próprio áudio denuncia, onde se escuta ao começo “dublagem sem fins lucrativos, feita de fã para fã”.

Vale pontuar que o lançamento do filme em questão não teve qualquer divulgação prévia* por parte do Prime Video (ponto importante para o que vamos explicar mais a frente). Também recentemente, a Netflix anunciou, com um trailer legendado em sua conta no YouTube, a estreia do mesmíssimo filme para o mês de setembro.

Mas afinal, como tudo isso é possível?

*Atualização (14h20): A página brasileira no X (Twitter) do Prime Video realizou uma divulgação da entrada do filme no dia 17 de agosto. Originalmente, essa matéria dizia que não teria havido qualquer divulgação por parte da plataforma, e o texto foi alterado.

 

A origem da dublagem de Túmulo dos Vagalumes

imagem: o protagonista de tumulo dos vagalumes e sua irmã.

Imagem: Divulgação/Studio Ghibli/Shinchosha

O áudio atualmente disponível* pelo Prime Video para Túmulo dos Vagalumes foi uma produção feita de forma amadora e publicada entre 2017 e 2018, pelo grupo de fãs Mamoru Fandub. O coletivo é descrito como “um grupo de entusiastas e amantes da dublagem”, que em momento algum teve relação com licenciantes, ou buscou algum tipo de lucro com o material, deixando isso claro em avisos em texto e áudio.

Em contato feito por essa reportagem com o responsável pelo projeto, que assina como Mamoru Yamane, foi confirmado que tudo foi feito sem qualquer intenção de comercialização. Yamane afirma ao JBox:

Sendo bem honesto, preferiria que esse filme ganhasse dublagem profissional e foi uma heresia fazer isso, dado a complexidade da obra, bem como ser do Studio Ghibli, que para mim, é um estúdio de animação de referência. Sob hipótese alguma quis ofender, cometer algum ato contra direitos autorais e, detalhe, essa obra foi feita de fã para fã, não podia ser comercializada, sendo expressa total proibição, inclusive em postagem da minha página.

O uso comercial do trabalho causou óbvia indignação no aspirante a ator, que atualmente busca a profissionalização com a obtenção de seu DRT. Ao fim, ele faz um apelo para que a Amazon Prime Video retire de circulação a sua dublagem.

Soube dessa questão por intermédio de uma pessoa que me procurou alertando sobre isso. Naturalmente fiquei muito irritado, pois não é a primeira vez que isso acontece […]. [Usaram] de forma indevida um filme, que nem sequer foi licenciado pela mesma empresa detentora dos direitos autorais legítimos. […] faço um apelo a Amazon Prime de que tirem isso ar e dublem o filme com um estúdio de dublagem legítimo, […] pensem na questão profissional e do respeito ao público.

Aos possíveis expectadores, Yamane enfatiza:

[…] peço, humildemente, perdão ao povo brasileiro, por consumirem algo feito por fãs e que nunca tivemos a intenção de ganhar algum centavo com isso, bem como a intenção real foi de homenagear o povo japonês que vivenciou aquele momento terrível e suportou o insuportável. — disse em referência ao tema trágico abordado pelo filme.

Em vídeo publicado em seu canal pessoal no YouTube, o “fã-dublador” comenta mais do caso.

 

*Atualização (12h): após a publicação dessa matéria, notamos que o filme Túmulo dos Vagalumes deixou o catálogo do Prime Video.

 

Precedentes

Quem acompanha há tempos os lançamentos via streaming, já deve ter notado outras estreias questionáveis pelo Prime Video. Em 2021, por exemplo, o filme Dragon Ball Super: Broly apareceu por lá, com sua dublagem de cinema, sem qualquer alarde por parte da empresa.

imagem: ilustração de o ataque do dragão

Imagem: Divulgação/TOEI

Pouco depois, no mesmo período, um filme mais antigo da saga, Dragon Ball Z: O Ataque do Dragão (de 1995), surgiu de forma ainda mais controversa: após os créditos finais, aparecia o logo do conversor de vídeo Freemake, trazendo então muitas dúvidas sobre a origem do material.

No começo deste ano de 2024, o filme Yu-Gi-Oh!: Vínculos Além do Tempo foi disponibilizado (e ainda está lá*, até o fechamento dessa matéria), com “estranhos sinais” no áudio em português. Se você colocar em 1 minuto e 3 segundos do vídeo, é possível ouvir um efeito sonoro típico de janela de aviso do Windows. É como se o áudio em questão tivesse sido capturado por alguém enquanto a reprodução rolava em seu computador.

 

imagem de Kiba

Imagem: Divulgação/Tohokushinsha

Todos esses casos não trazem um nome responsável, mas em 2019 uma polêmica envolveu uma conhecida distribuidora de conteúdos japoneses. Naquele ano, o filme Kiba: A História do Cavaleiro Negro, licenciado pela Sato Company, apareceu no Prime Video com uma dublagem feita por fãs. Na ocasião, o grupo Studioycthus se pronunciou com uma nota de repúdio, afirmando que aquilo era um trabalho feito sem fins lucrativos (como é o caso do áudio do Túmulo dos Vagalumes); relembre:

Em nenhum momento permitimos a transmissão de nossos serviços para streamings pagos, ainda mais sem a expressa comunicação a toda a equipe envolvida, desde as vozes até equipe de mixagem. Estamos nos dispondo a esclarecer eventuais dúvidas dos nossos inscritos que venham a aparecer, e deixamos claro que estamos tomando todas as providências cabíveis, inclusive em âmbito legal, para esclarecermos e consertarmos este mal entendido. Queremos FRISAR que NÃO ESTAMOS REIVINDICANDO NENHUM DIREITO DE DUBLAGEM, apenas esclarecer aos nossos seguidores e fãs da obra que a fandublagem não foi feita com ânimos de lucro.

Após o movimento nas redes sociais, a própria Sato Company se pronunciou, alegando que o erro ocorreu devido à ação de um funcionário recentemente contratado para lidar com as operações do Prime Video, e removeu o filme da plataforma em seguida.

 

*Atualização (12h): após a publicação dessa matéria, notamos que o filme Yu-Gi-Oh!: Vínculos Além do Tempo deixou o catálogo do Prime Video.

 

Qualquer um pode subir seu filme?

O Amazon Prime Video dispõe de um serviço chamado de Video Direct. Através dele, qualquer produtor de conteúdo pode submeter a sua produção, como se fosse um “YouTube”. Ao enviar o seu filme ou série, o titular assume ter responsabilidade sobre todos os direitos de reprodução daquilo, eximindo a plataforma de streaming de qualquer possível irregularidade (caso tenha algo errado, a grosso modo, a culpa é de quem subiu o arquivo).

imagem: print da tela do Amazon Video Direct

Imagem: Reprodução

É por causa do Video Direct que muitas produções aparecem de surpresa no Prime Video sem qualquer divulgação, afinal, trata-se de envios de terceiros, diferentemente de títulos que são adquiridos ou produzidos pela própria Amazon para distribuição. Também é por esse motivo que algumas distribuidoras menores se tornam reféns da plataforma.

imagem: foto do herói Kamen Rider Build

Imagem: Divulgação/TOEI

A própria Sato Company, já mencionada aqui, tem sofrido recentemente com o “anúncio furado” da dublagem da série Kamen Rider Build. A empresa divulgou em abril que a versão brasileira inédita (e oficial, vale frisar), estrearia no mês de maio. Já estamos no fim de agosto e nada da estreia acontecer, pois a Amazon não revela uma data precisa para o lançamento desse tipo de conteúdo nem para o próprio criador (a Sato publicou uma nota em 31 de maio, onde afirmou depender de “processos técnicos da plataforma”). É subir e rezar pra que entre o quanto antes.

No caso dos envios feitos por sabe-se lá quem, os exemplos levam a crer que pessoas mal-intencionadas simplesmente arriscam ao enviar para a Amazon, sem qualquer receio, produções pelas quais elas não têm direitos. E o serviço de streaming não parece também muito preocupado em verificar o que está indo ao ar. A reportagem tentou contato com o Prime Video, mas não obteve retorno. O espaço segue aberto para quaisquer esclarecimentos.

Envios estranhos não são exclusividade da empresa de Jeff Bezos. Há muitos anos existem falsas distribuidoras, com coragem o suficiente para vender ou distribuir conteúdos pirateados em serviços legais e pagos (possivelmente até com venda de “licenças frias”), que vão parar não só em streaming, mas até mesmo em canais de TV aberta. E o consumidor, e principalmente aquele grupo que trabalhou de forma voluntária no modo “fã para fã”, segue feito de otário.


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O Rio Grande do Sul segue em situação de calamidade pública, passando por uma das piores tragédias da história do estado, após fortes chuvas e enchentes que permanecem em algumas regiões. O governo estadual reativou o PIX do “SOS Rio Grande do Sul”, criado ano passado, quando o estado foi também assolado por fortes chuvas, para receber doações que serão direcionadas para dar apoio humanitário às vítimas. Para ajudar, doe pela chave CNPJ 92.958.800/0001-38.

Alternativamente, há outras opções de doação, que também trabalham com ajuda premente, como a Vakinha (Movimento SOS Enchentes) e as Cozinhas Solidárias, do MTST (oferece comida para desabrigados e necessitados). Os Correios estão recebendo doações de insumos (roupas, itens básicos, alimentos etc) para envio sem custo às vítimas. Se preferir, doe para outra instituição de sua confiança.