Osamu Tezuka é um nome que dispensa apresentações no cenário de mangás. Autor de histórias de sucesso como A Princesa e o Cavaleiro e Astroboy, o mangaká criou obras capazes de conversar com públicos por vezes distintos. O mangá MW: Psciopatia Profana é mais uma das produções de Tezuka e uma narrativa que hoje em dia poderia vir a ser considerada, por algumas pessoas, no mínimo controversa.

Publicado no Brasil em 2022 pela editora Pipoca e Nanquim, MW conta a história do padre Garai e de Michio Yuuki, um homem que, à primeira vista, parece apenas um jovem funcionário de banco bem-sucedido, mas que na realidade é um sequestrador sádico capaz de cometer as mais diversas atrocidades.

imagem: cena do mangá de MW.

Foto: Andreza Silva/JBox.

Seria a maldade de Micho uma característica intrínseca ou teria ela alguma motivação escusa como vingança? Seria um servo de Deus capaz de salvar uma alma tão atormentada como essa? Enquanto esses questionamentos são levantados, acompanhamos também a descoberta dos mistério por trás da arma química MW. Esses são os ingredientes que compõem essa obra brutal de Osamu Tezuka.

O mangá é realmente interessante. Tezuka costuma ser mais conhecido por suas histórias voltadas a um público mais jovem, mas essa destoa completamente de suas narrativas juvenis. Existe uma grande quantidade de violência gráfica nas páginas de MW: assassinato, sequestro, tortura e estupro são alguns dos acontecimentos retratados no mangá.

Entretanto, é importante destacar que o autor constrói tudo com bastante bom gosto. As cenas violentas são pesadas o bastante para causar o impacto desejado, sem se tornarem completamente intragáveis. Algumas delas são até que bastante chocantes, mas não desconfortáveis demais a ponto de paralisar o leitor e impedi-lo de seguir adiante.

O mangá joga com frentes diferentes: um enredo policial de caça ao sequestrador, a visão do Micho dos acontecimentos, a corrida de Garai contra a índole do jovem e seu desejo de salvá-lo, um mistério maior que envolve ambos os protagonistas e mais umas questões políticas aqui e ali. Todos esses elementos se misturam, formando uma única história na qual se desvelam uma sucessão de acontecimentos coesos e um detalhe final esperto. Não é a reinvenção da roda, mas funciona o bastante para deixar um impacto final no leitor.

O ponto mais interessante da narrativa é, com certeza, a relação de Garai e Michio, o padre e o vilão sequestrador. A natureza do relacionamento deles é complexa e intensa. Nela se misturam mágoa, trauma compartilhado, homoerotismo, amor e ódio, desejo e repulsa, o divino e o profano.

Garai é um homem de moral questionável, tanto quando jovem quanto quando padre. Ele desaprova as ações de Michio, mas constantemente se vê na posição de cúmplice do jovem bancário. Apesar disso, Garai têm um apego cristão legítimo e uma crença real no divino. O padre acredita é que sua missão salvar a alma de Michio, que estaria possuído pelo mal, como por um demônio.

imagem: outras cenas do mangá.

Foto: Andreza Silva/JBox.

Enquanto isso, Michio se apresenta definitivamente como a própria encarnação do mal. Se Garai tem em si alguma esfericidade, uma vez que é uma personagem um tanto contraditória e que, ainda que padre, de santo não tem nada, Michio é uma personagem com características romanescas — quase uma personagem-tipo. Ele é o mesmo do início ao fim da narrativa, alguém que se diverte com o caos, a dor e o sofrimento de seus inimigos, mas também com a angústia daqueles que ele sequer tem motivos para odiar. Atormentar as pessoas é seu esporte favorito, principalmente se essa pessoa puder ser o falho porém devotado padre Garai. Michio é seu amante, sua nêmesis, seu algoz… seu demônio particular.

Dessa forma, a partir da relação de Garai e Michio, mas não só dela, MW promove o embate e a união entre o divino e profano. O divino está no desejo do padre de salvar Michio, nas vestes eclesiásticas, na crença em uma alma que precisa ser libertada do mal, nas referências bíblicas e em cada elemento religioso presente na obra. Já o profano se manifesta a partir das maldades de Michio, sua personalidade perversa, os relacionamentos carnais nos quais Garai se envolve e, claro, o elemento homoerótico na relação dos protagonistas.

imagem: mais cenas do mangá.

Foto: Andreza Silva/JBox.

Devido ao histórico infelizmente homofóbico que as religiões cristãs têm, o envolvimento de um devoto com práticas e/ou desejos homossexuais é um elemento narrativo já largamente conhecido e utilizado em várias obras.

É importante pontuar, entretanto, que ainda que esse recurso faça parte de construções de oposição entre divino e profano, o uso desse elemento não significa que a homossexualidade é apresentada como algo condenável. É uma questão que se baseia em uma visão — que não é única — que a religião têm do homoerótico e não um discurso da obra em relação a homossexualidade em si.

Inclusive, na história, Tezuka utiliza outros signos que evocam ora o divino, ora o profano, como chamas, passagens bíblias e uma ilustração na qual há um homem abraçado com uma forma canina numa clara alusão a Michio enquanto uma espécie de demônio.

MW é uma história de fato bacana de se acompanhar não só pela montanha-russa que é a relação de Michio e Garai, mas também pelo mistério da trama acerca da arma química que dá nome à obra e pela maneira que os acontecimentos se sucedem. É claro que, por se tratar de uma obra antiga nem todas as decisões de roteiro soariam bem nos dias atuais, algumas são um tanto questionáveis. Entretanto, não necessariamente essas questões estragam completamente a experiência com a obra.

A história talvez não seja uma das melhores do Tezuka, porém ainda é uma narrativa que levanta questões interessantes de uma maneira atrativa. Para quem estiver procurando uma narrativa com temas pesados e muita acontecendo ao mesmo tempo, essa pode ser uma boa pedida.


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Esta resenha foi feita com base em edição de MW: Psicopatia Profana cedida como material de divulgação para a imprensa pela editora Pipoca & Nanquim.


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