A infância é considerada por alguns uma das melhores épocas da vida, repleta de lembranças doces e felizes. Entretanto, ela pode ser um verdadeiro pesadelo para crianças que sofrem bullying de colegas ou conhecidos ao seu redor. Somente quem viveu dessa forma entende o horror que os traumas e as mágoas infantis causam em uma vida.

A mangaká Kanako Inuki parece compreender isso, de modo que em Contos Macabros de Kanako Inuki, uma seleção de histórias da autora publicada por aqui pela JBC, pelo menos metade das tramas têm como base o bullying na vivência infantil. Como a própria sinopse da obra deixa claro, a intenção da autora é tratar a maldade humana de modo puro – e há maldade mais pura e real do que a de uma criança má?

Com base nisso, Inuki cria microuniversos envolventes que expõem as falácias do ser humano. Motivados pela inveja e o egoísmo, suas personagens maltratam umas às outras e muitas vezes são castigadas por isso, como se o próprio karma estivesse agindo nas entrelinhas com um humor sarcástico.

imagem: cena com garotinha triste e o texto "e foi isso, ninguém deu presente para ela".

Foto: Pedro Vieira.

Talvez de forma não intencional, Inuki até mesmo evidencia como a sociedade moderna falhou (e continua a falhar) com crianças e mulheres. Afinal, não deveria ser normal vermos crianças maltratarem umas às outras em ambientes teoricamente controlados por adultos, como vemos nos contos “Presente: O Presente de Aniversário” e “A Misteriosa Tatari: No Portão Onde Há Risos, Há Amigos”.

Nos universos da autora, não há barreiras entre o bem e o mal. Personagens que sofrem nas mãos dos ditos “malvados” da história não se arrependem de buscar vingança contra seus algozes, e mesmo algumas pessoas vistas como ruins podem apresentar traços mais louváveis.

Graças a isso, Inuki até mesmo consegue criar contos que mexem com o emocional de um modo que poucos autores de terror conseguem fazer, algo que fica mais evidente em “Minha Irmã Sasori: A Boneca Sasori”.

Entretanto, embora seja popularmente conhecida como Rainha do Horror, ao menos nessa coletânea, Inuki não apresenta nenhuma história que cause arrepios ao leitor. A intenção aqui é outra, é buscar o horror dentro do humano e mostrá-lo em sua essência, com o plano de fundo de elementos sobrenaturais que nem sempre são de fato ruins. A magia nos contos existe, mas são as pessoas que decidem se vão usá-las para maldades ou não.

Mesmo o bom uso dos desenhos da autora não causa susto, ainda que consiga criar algumas imagens realmente impactantes. Inuki, aliás, possui um traço único, que confere uma forte identidade às suas histórias. Suas protagonistas (um grupo formado por mulheres e crianças) ganham traços tão arredondados que as fazem parecer bonecas de porcelana e Inuki utiliza bem isso nos momentos climáticos de suas histórias.

Ainda que não botem medo, as histórias de Inuki são fascinantes e evocam outras emoções, como repulsa e/ou tristeza pelo destino das personagens.

Esses dois sentimentos, aliás, estão presentes naquele que provavelmente é o conto mais polêmico da coletânea: “Bukita: Lolita”, que narra a história de um rapaz que busca transformar uma criança em sua namorada.

imagem: ilustração de abertura do conto LOLITA.

Foto: Pedro Vieira.

Nessa história, Inuki apresenta uma narrativa bem condizente com seu propósito de trabalhar as relações humanas e a ingenuidade feminina — entretanto, ignora a problemática da pedofilia que existe na base da história. Todo o romance com um homem adulto é tratado de forma tão normal pela protagonista que chega a ser incômodo o caminho tomado pela autora. Felizmente, em momento algum há sexualização da personagem, o que seria um problema ainda maior.

Entretanto, mesmo com alguns deslizes, a maioria das histórias de Inuki são realmente fascinantes. Há algo de encantador em ver a maldade humana nessas narrativas e até mesmo em torcer pelo castigo de alguns personagens.

A edição ainda conta com alguns comentários da autora que expõem bem suas intenções com cada conto e divertidas indicações de filmes e mangás pelos quais ela é apaixonada. Há ainda fichas dos personagens principais de algumas histórias (que inclui até mesmo um personagem apenas referenciado em um dos contos, mas que nunca aparece de fato).

As histórias são bem curtas, o que muitas vezes deixa um gostinho de “quero mais” ao final, mesmo que cada trama seja bem fechada em si. Quem gosta de boas histórias macabras sobre a maldade humana, gostará bastante desses Contos Macabros (e confesso que, como apreciador de obras nesse estilo, espero que mais histórias assim possam chegar ao Brasil no futuro).


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Essa resenha foi feita com base na edição cedida como material de divulgação para a imprensa pela editora JBC. 


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