Recentemente, depois de refletir sobre a leitura de um mangá chamado 81diver, a primeira coisa que pensei é que nunca esperei na minha vida que teria dois mangás envolvendo shogi como favoritos. O outro que me conquistou antes disso foi um tal de Sangatsu no Lion, mas, no caso dele, fui pego primeiramente pelo animê. Mesmo que ambos se palpem no shogi, eles são bem diferentes em sua narrativa, mas excelentes de suas próprias maneiras.

Não tenho a mínima esperança de que 81diver chegue algum dia ao Brasil, mas Sangatsu no Lion: O Leão de Março está sendo publicado por aqui pela JBC e, com isso, mais pessoas podem apreciar essa obra tão maestral.

imagem: página de Sangatsu no Lion onde Nikaido está prestes a começar como jogar shogi para as irmãs Kawamoto

Nikaido explica shogi para as irmãs Kawamoto | Reprodução: JBC, Hakusensha

Sangatsu no Lion é um mangá de Chica Umino que traz a história de Rei Kiriyama, um adolescente que desde muito cedo entrou no mundo do shogi, um jogo de tabuleiro que tem semelhanças com o xadrez, mas conta com sua própria individualidade.

No entanto, rapidamente notamos que a vida de Rei nesse mundo não é exatamente daquelas em que acompanhamos em um empolgante animê de esporte onde uma paixão fervente existe no protagonista. Logo nos capítulos iniciais, entendemos que ele entrou nessa vida não por escolha, mas sim por sobrevivência. Kiriyama perdeu sua família ainda criança, porém um jogador profissional de shogi decide adotá-lo não só como filho, mas também como aprendiz.

Todo esse prospecto levou a problemas com a família em que ele foi adotado, o que, somado com outras questões, o fez cair em depressão. E, no fim das contas, é sobre isso que se trata Sangatsu no Lion: as camadas do que um transtorno depressivo pode causar… mas também como, pouco a pouco, Rei tem o apoio de pessoas que tornam possível para ele enxergar um caminho para a melhora.

Outra coisa que acompanhamos desde o início do mangá é que, apesar de Rei ser uma pessoa bastante solitária, por, talvez, um acaso do destino ele acabou ganhando apoio das irmãs Kawamoto — Akari, Hinata e Momo. É principalmente através delas que notamos surgir timidamente a força em Rei para lutar contra a depressão, já que é ali, depois de anos e anos da vida do rapaz, que ele começa a sentir o que realmente é ganhar uma nova família — mesmo que ele tente se afastar o máximo por sentir certa culpa em “se aproveitar” delas.

Nos três volumes iniciais de Sangatsu no Lion, que servem de base para essa crítica, temos, além da introdução de Rei e sua relação com as irmãs Kawamoto, também uma forte presença de Nikaido, um rapaz que se considera não apenas rival, mas também o melhor amigo de Kiriyama. Nesse início da história, é ele quem aproxima o leitor do que é o shogi, já que, ao contrário do que é demonstrado por Rei (ao menos no que é deixado transparecer), ele tem uma paixão fervente pelo jogo.

Nikaido também serve como uma forte fonte de motivação para Rei, já que é uma pessoa próxima de sua faixa etária que está lutando para sobreviver nesse mundo, assim como ele. Assim como Nikaido ajuda Rei a estabelecer ou não descartar seus vínculos, Rei entende muito do que possa vir a ser um problema para Nikaido, coisas que ele normalmente não perceberia. São pequenos detalhes que deixam claro para o leitor que existe uma relação real de amizade entre os dois, mesmo nas ações mais ínfimas.

As outras relações de Rei nesses volumes iniciais são com seu professor da escola, com sua irmã adotiva e com seus oponentes no shogi. Todas essas vias de relacionamento são importantes, principalmente se considerarmos o quão palpáveis o mangá deixa as mudanças na personalidade e forma de enxergar o mundo por parte de Rei, o que é intrigante porque notamos o quanto o protagonista deixa os outros afetarem sua vida, positiva ou negativamente.

É um comportamento que parece ser proposital, para tornar a mensagem positiva do mangá ainda mais potente quando ela é entregue, mesmo quando essas relações o fazem mais mal do que bem, como é no caso de sua irmã adotiva, Kyoko.

Kyoko, inclusive, é um nome importante nos primeiros volumes. É por causa da relação dela com um jogador de shogi mais velho que Kiriyama demonstra pela primeira vez uma motivação maior para vencer alguém durante a história. Entretanto, essa motivação vem de sentimentos destrutivos, o que faz com que Rei fique cego pela vitória a ponto de perder uma partida antes mesmo de sequer tentar derrotar quem ele desejava, algo que reflete também como a relação com Kyoko afeta a vida de Rei no geral.

imagem: Rei Kiriyama, em desespero, grita para o mundo sobre suas frustrações com seus oponentes no shogi

Rei grita suas frustrações para o mundo | Reprodução: JBC, Hakusensha

Essa é uma das demonstrações de como o shogi se torna importante para o mangá. Apesar da empolgação das disputas em si não serem o foco da obra, são justamente nelas que enxergamos onde Chica Umino insere a metáfora da obra. Através do tabuleiro, é como vemos o reflexo de como está o coração de Rei a cada momento da história e como isso afeta o desempenho do rapaz em cada partida.

Nas partidas que vemos durante esse início do mangá, o tabuleiro nos mostra coisas como o espírito de Rei tremular com o receio de afetar a carreira de outros jogadores, mas, ao mesmo tempo, como o instinto de sobrevivência nutrido desde sua infância não o dá “compaixão” o suficiente para fazer algo como perder de propósito. Ao menos nessa fase inicial da obra, todas essas questões são impulsionadas por sua irmã, já que ela faz de tudo para que ele sinta culpa ao avançar no mundo do shogi.

imagem: um dos textos de Manabu Senzaki para Sangatsu no Lion onde ele fala sobre como a autora Chica Umino pediu uma formação em específico para um jogo de shogi dentro da história

Um dos textos de apoio de Manabu Senzaki | Reprodução: JBC, Hakusensha

Esse reflexo dos sentimentos de Rei no tabuleiro fica ainda mais óbvio ao ler a edição física da obra. Ela conta com vários textos de Manabu Senzaki, jogador profissional de shogi que também é responsável por supervisionar os trechos da obra que envolvem o jogo.

Senzaki conta como a autora pede diversas vezes formações específicas de tabuleiros que reflitam como não só Rei, mas outros jogadores da história estejam se sentindo a cada jogo.

O trabalho de Senzaki é apenas fazer as ideias de Umino funcionarem dentro do shogi, mas a importância dessas formações na história ainda é trazida pela própria autora, como o jogador deixa claro nos textos de apoio durante o mangá.

Outro ponto importante de Sangatsu é o quão importante as irmãs Kawamoto são para a obra. Além da história do rapaz, nós também acompanhamos como funciona o lar da família Kawamoto que, apesar de ser retratado como um local extremamente aconchegante, também sofre com passados atormentados e problemas do cotidiano.

Pela falta dos pais, Akari precisa se virar praticamente sozinha para cuidar das irmãs com o avô, dono de uma loja de doces tradicionais japoneses.

Mesmo com um drama romântico envolvendo Hinata, é possível afirmar que Akari é a irmã mais trabalhada nesse início da obra. Sutilmente, a história nos apresenta como funciona a jornada de trabalho dela e um pouco das dificuldades que ela tem em lidar com a perda dos pais, principalmente por ter se tornado responsável pela família tão cedo.

Claro, ela recebe apoio dentro de casa, porém isso não impede que as dificuldades fiquem claras. Isso se torna quase um reflexo para a situação familiar de Kiriyama, porém não é algo que serve apenas como degrau para a escalada dele para superar seus traumas. A vida da família Kawamoto é tão importante para Sangatsu no Lion quanto a do próprio protagonista, o que vejo como um ponto extremamente positivo não tornar todo aquele contexto em apenas motivação para um personagem em específico.

Sangatsu no Lion é um daqueles mangás que, particularmente, considero como essencial para qualquer um. A temática do shogi pode afastar num primeiro momento, mas é muito fácil de absorver o que a história deseja passar. É uma daquelas obras que torna muito fácil se apegar aos personagens e sentir a individualidade e importância de cada um deles.

Em um nível mais pessoal, mesmo com seus momentos pesados, é uma história que pode até mesmo ajudar quem sofre com depressão lidar de uma forma melhor com a doença. No mínimo, pode-se dizer que é uma narrativa que se sensibiliza com o próprio público que lê a obra. seja para emocionar, seja para se compadecer. Um singelo reflexo do que é ser humano.

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Essa resenha foi feita com base nas edições cedidas como material de divulgação para a imprensa pela editora JBC. 


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