Entrevista publicada originalmente em 14 de fevereiro de 2006, em reportagem de Fábio Soares (Cloud).


Sempre que um anime entra em fase de dublagem, os sites especializados ficam igual urubu na carniça atrás do possível elenco de dubladores de tal produção. Se antes eram apenas profissionais comuns, hoje os dubladores gozam de certo prestígio entre os fãs de animação japonesa, e alguns ganharam até o o status de “cult”, sendo considerados verdadeiras estrelas nos eventos que se prestam a participar.

Só que no meio dessa festa toda, a galera se esquece de um profissional que, mesmo trabalhando “por fora”, tem um papel tão importante quanto o daqueles que dão as vozes aos personagens. Esse profissional é o tradutor, o cara que pega a série “bruta” e converte ela pra nosso idioma. A importância dos tradutores só veio realmente à tona quando Fernando Janson, o nosso entrevistado da ocasião, deixou de trabalhar com InuYasha. Os fãs puderam conferir o quão desastrosa pode ser uma tradução mal feita, já que quem pegou a série a partir de então, não teve a boa vontade de rever o trabalho anterior e transformou a terceira temporada do anime em uma verdadeira bagunça. É sobre esse e outros assuntos que conversamos a seguir. Com vocês (sempre quis dizer isso XD): Fernando Janson.

Nome: Fernando Janson
Aniversário: 03 de junho
Filme (s) favorito (s): A Cor Púrpura, Tudo Sobre Minha Mãe, Hair, cinema nacional
Desenho favorito: InuYasha e Shinchan
Série(s) favorita(s): Perdidos no Espaço, Túnel do Tempo, Terra de Gigantes… (rs.. como sou retrô!!)
Dublador(ers) favorito(s): Mauro Eduardo, Marcelo Campos, Silvio Giraldi, e outros tantos…
Dubladora(s) favorita(s): Marcia Regina, Isabel de Sá, Fátima Noya e tantas outras…

 

Fernando, vamos começar com a pergunta básica, aquela que todo mundo te faz (e você nunca poderá escapar ^^): quando começou a trabalhar com animação japonesa e desenhos em geral?

Fernando: Comecei a trabalhar na área de tradução de animes em janeiro de 2002. Uma amiga me apresentou ao dono de um estúdio. O primeiro trabalho que peguei foi Yu-Gi-Oh!. A série tinha acabado de chegar.

 

Teve alguma dificuldade no início? Os scritps vieram, ou você teve que traduzir a partir do desenho em inglês?

Fernando: Script naquele estúdio era coisa muito rara. Pelo menos, pra mim. Quase todos os episódios que fiz de Yu-Gi-Oh!, Pokémon e outras séries foram de ouvido mesmo, sem script. No começo, a maior dificuldade foi conciliar meu trabalho com o do outro tradutor. Ele fazia uma coisa e eu outra, até que o diretor optou por mim. Até um pouco antes do vigésimo episódio de Yu-Gi-Oh!, primeira temporada, era feito por mim e pelo outro tradutor.

 

Então eram dois tradutores pra uma mesma série. Não havia a preocupação de que pudesse sair diferente um do outro?

Fernando: Sim. Quando peguei, bolamos um glossário com os nomes das cartas, monstros, termos. No entanto, o outro tradutor não parecia se importar muito. Até sexo de personagem ele trocou, rsss… Então, o diretor deixou a série com apenas um tradutor, no caso, eu. Tenho o glossário até hoje.

Você perguntou se é mais fácil com ou sem script. Com script é mais fácil. Tanto que as casas de dublagem, teoricamente, pagam o dobro quando é sem script.

 

Teoricamente?

Fernando: Digo teoricamente, porque nem sempre isso acontece. Na minha experiência, isso poucas vezes foi verdade. O primeiro estúdio para o qual eu trabalhei, prefiro nem dizer o nome, não pagava nem com script, quanto mais o dobro por ser sem script. Só pra dar uma idéia do que acontece.

 

Falta de pagamento foi um dos problemas que você enfrentou nessa fase?

Fernando: Na verdade foram vários problemas. Pra se ter uma idéia, o dono do primeiro estúdio de dublagem pro qual eu trabalhei deu calote em vários funcionários e desapareceu, sumiu. Ninguém encontra.

 

O dono do estúdio?

Fernando: Os donos, o casal! O estúdio já fechou e levei um calote que não está no gibi, ou melhor, no mangá. Estou na justiça desde 2003, mas até o momento nada se resolveu.

 

Então esse foi o motivo de ter “abandonado” a tradução de InuYasha e outros animes?

Fernando: Eu não abandonei nada. Engraçado dizerem que eu “abandonei” InuYasha. Eu nunca recebi por um episódio. Adaptei 2 anos de série, que fiz em alguns meses, sem receber. Fiz dois anos do anime, e vários outros trabalhos, sem receber. O estúdio dizia que estava com problemas, pedia pra eu esperar… Era sempre, segunda que vem, mês que vem, “agüenta mais um pouco, dá essa força pra gente”… E assim foi. Eu disse que não tinha como continuar daquele jeito. Disse que podia esperar, mas teria de demorar mais pra entregar, já que ia precisar pegar trabalhos de outros estúdios pra poder sobreviver. Eles então passaram a série pra outro tradutor.

 

Mas depois você voltou…

Fernando: Sim. Depois de uns dias, a dona do estúdio me ligou desesperada porque os dubladores estavam reclamando que o texto não tinha nada a ver com a série e o cara estava demorando muito pra traduzir, estava muito ruim, etc… etc… Então, pedi para o meu advogado entrar em contato com eles e fazer um contrato. Ela prometia pagar os atrasados e os trabalhos do mês direitinho. Então, peguei InuYasha de novo e traduzi 22 episódios. Só que, com medo de não receber coisa alguma, fui mandando aos poucos. Mandei uns 15 e não me pagaram nada. Calote geral. Então, parei de mandar. Eles ligavam desesperados, trocentas vezes por dia pra minha casa exigindo os episódios, e eu dizia que assim que recebesse o combinado, mandaria o restante da temporada. Não me pagaram nada, e passaram o resto dos episódios, que eu já tinha traduzido e não tinha mandado, pra outro tradutor. Músicas não fiz nenhuma do terceiro ano. Aliás, é bom dizer que não recebi por nenhuma adaptação de músicas que fiz… Está tudo no bolo da dívida…

 

Existe um certo boato que alguns episódios inéditos de InuYasha (os que foram pulados pelo Cartoon e que não foram dublados) estão na Centauro pra ganharem sua versão brasileira, e que você estaria traduzindo-os. Essa informação procede?

Fernando: Não estou trabalhando pra Centauro e nunca me confirmaram esse boato. E a tradutora que está no meu lugar lá é a mesma que traduziu alguns episódios de Yu-Gi-Oh! quando eu não estava fazendo, e que “traduziu” Great Moth como A Grande Boca. Moth é mariposa em ingles. Boca é MOUTH. Que diferença um “U” faz.

 

Você também é autor de vários temas brasileiros de anime, como Shaman King e InuYasha. Esse último tem — segundo os fãs — a melhor versão nacional desde Yu Yu Hakusho. Você se baseou na versão original da música pra compor ou faz isso livremente?

Fernando: Eu me baseio na idéia original, na maioria das vezes, sempre que é possível. Em Mudar o Mundo, digo praticamente a mesma coisa que no original em japonês, só que do meu jeito, da forma como pude colocar a idéia poeticamente.

 

E gostou do resultado após gravadas?

Fernando: Gostei muito da maioria delas. Em alguns casos, esperava outra coisa. Mas, se considerarmos as condições de gravação, estão boas.

 

Condições?

Fernando: Há problemas de mixagem em algumas. É muito difícil gravar música em um estúdio de dublagem, não é o certo. Se tivéssemos gravado num estúdio musical, o resultado poderia ter ficado 10 vezes melhor. Estou me referindo àquelas que gravei com a Sonia Santhelmo (nota do Tio Cloud: as de Shaman King e algumas de InuYasha). Houve algumas que foram apenas adaptadas por mim e gravadas por músicos e cantores que não conheço, em um estúdio musical, como Seu Sorriso, Mudar o Mundo, Meu Desejo e outras. As de Shaman, Pokémon, Shinchan, Yu-Gi-Oh!, e algumas de InuYasha foram gravadas por nós no estúdio de dublagem… No mesmo onde eram colocadas as vozes em português. Ou seja: o resultado final não saiu como poderia.

 

Mas todo mundo curtiu ^^. Existiu um boato que tais musicas pudessem ganhar um CD nacional. O que houve que não foi pra frente?

Fernando: Segundo o dono do estúdio, a distribuidora dos animes não estava interessada. Apesar de termos, eu, o estúdio e a cantora, recebido muitos e muitos emails pedindo.

 

Na época em que você estava traduzindo InuYasha, o mangá da JBC havia acabado de chegar às bancas. Segundo dizem, alguns termos como “Ferida do Vento” foram usados no anime para seguirem o mangá. Houve mesmo essa intenção?

Fernando: Sim, nós trabalhamos juntos o tempo todo, eu e o Oka, tradutor do mangá. Antes de começarmos os trabalhos, tivemos uma reunião e elaboramos o glossário inicial. Ele inclusive, gravou a pronúncia correta dos nomes para o estúdio. A intenção não era que o anime seguisse o mangá, e sim que houvesse harmonia entre os dois. Houve termos definidos por mim, outros por ele, mas sempre consultávamos um ao outro. Depois, o anime disparou na frente do mangá e eu mandei os textos pra ele.

 

Depois da fase Parisi quais outros trabalhos você fez?

Fernando: Fiz vários. Muitos filmes, novelas, documentários… Fiz Sakura Wars, Pokémon, Yu-Gi-Oh! (já de casa nova…), 31 Minutos (da Nick) e hack/sign. Acho q foi isso, mas tem um monte de filmes, 2 longas de Pokémon, séries da Nat Geo…

 

Você acha que no Brasil o trabalho do tradutor é desvalorizado?

Fernando: O trabalho de tradutor?? O que é tradutor? Rsss… É extremamente desvalorizado. Eu ganho hoje exatamente o mesmo valor por minuto que quando comecei há 4 anos. Pra você ter uma idéia, os dubladores já receberam vários aumentos nesse período.

 

Mas sempre vemos dublador reclamando do salário…

Fernando: Eles são uma categoria organizada.

 

Falando nisso, nunca passou pela sua carreira ser dublador, já que está na área?

Fernando: Bom, não sou ator formado, sou músico, mas estou com vontade de começar um curso de dublagem. Já fiz teatro, mas não tenho DRT de ator, por isso não posso dublar. Mas estou pensando em fazer um curso este ano, já que estou nos estúdios. A carreira é difícil, mas apaixonante. Gosto de tudo que tem a ver com arte e comunicação…

 

Em sua lista de trabalhos, você citou hack/sign. A série acabou indo pra JBC. Acha que isso (a mudança de tradutor) prejudicou na continuidade?

Fernando: Sinceramente não sei. Não tenho conhecimento, pois não vi e não posso dizer.

 

Qual seu trabalho mais gratificante até hoje? Aquele que você disse “é exatamente isso que eu queria”!

Fernando: Nossa!!! Gosto muito de dois: Shinchan e Inu. Foram os mais apaixonantes. Shinchan eu achei q ficou 10! A dublagem, o elenco e a direção estavam muito bons. Inu teve coisas que não curti, mas as músicas me dão muita alegria. Você não imagina como é bom ouvir o povo cantar comigo nos eventos. Tem gente que curte muito, isso é o maior prêmio. Um fã outro dia me disse que começou a ver animes por causa das músicas de InuYasha que eu adaptei… Isso é muito legal de se ouvir.

 

Chegou a ver as bizarras canções da terceira temporada? Sem querer desmerecer o trabalho de ninguém, mas tem que haver um bom senso, né?

Fernando: Comecei a ouvir uma um dia e não gostei. Uma que falava de “beijinho”, algo assim. Achei muito estranha e não quis nem ouvir o resto.

 

Todo mundo acha que você cantou Mudar o Mundo de InuYasha, o que não é verdade. Quais músicas você cantou?

Fernando: Pokémon (Master Quest e Advanced), Shinchan, Yu-Gi-Oh! (tema da batalha), Shaman King (as 2 aberturas e dois encerramentos com a Sônia Santhelmo) e várias outras.

 

Falando em Shinchan, a série voltou ao ar pelo Animax. Há a possibilidade dela voltar com novos episódios, já que no Japão já passam de 700 e aqui só se viu pouco mais de 100. Já sabe alguma coisa sobre tais episódios? Já te disseram algo?

Fernando: Não me disseram nada, não, mas adoraria fazer.

 

Musicalmente, o que está fazendo no momento?

Fernando: Estou com uma banda de som próprio, rock nacional, onde faço a maioria das letras e melodias. O projeto chama-se Arsênico (www.arsenico.com.br). Quem quiser conferir, dá pra ouvir todo o CD no site. Também estou com uma banda de blues, a Dirty Legend e com a banda Musiquarium (www.musiquarium.com.br). Uma banda pop, pra tocar por aí mesmo.

 

Finalizando, o que está fazendo no momento e que projetos tem em vista (as perguntas de sempre.. rsss..)?

Fernando: Estou principalmente fazendo documentários para a National Geographic… Projetos: O que vier. É mais ou menos assim que funciona. Não escolho trabalhos. As casas de dublagem é que escolhem os tradutores. Fui convidado para traduzir um mangá.

 

Pode comentar algo sobre tal mangá?

Fernando: Não posso comentar porque ainda não está confirmado. É segredo!