Entrevista publicada originalmente em 22 de agosto de 2022.


A convite da assessoria da Crunchyroll/Sony, o JBox teve a oportunidade de entrevistar Wendel Bezerra, a voz de Goku e também o diretor de dublagem de Dragon Ball Super: Super Hero, atualmente nos cinemas em cópias dubladas e legendadas (confira a disponibilidade nos cinemas próximos a você). Temos uma resenha aqui.

A entrevista ocorreu virtualmente no dia 17 de abril e foi gravada por nós em arquivo de áudio e pela equipe da Crunchyroll em vídeo e, posteriormente, transcrita. O vídeo pode ser conferido a seguir, mas quem preferir pode seguir com a versão escrita mais abaixo:

Na transcrição, os maneirismos e modos de falar dos dubladores foram mantidos dentro do possível, mas por vezes foram retirados para manter uma melhor fluidez no texto escrito. Os maneirismos foram num geral retirados dos textos das perguntas, também por motivos de fluidez. Sem mais delongas, confira a seguir.

 

JBox: Depois de tantos anos, ainda existe algum desafio em dublar o Goku ou dirigir uma dublagem de Dragon Ball?

imagem: poster do filme.
Divulgação

Wendel: Sim, sem dúvida. São 23 anos, né, dublando o Goku… ah, cada vez mais. Na verdade a responsabilidade aumenta porque hoje eu já sei o quanto o público gosta, o quão Importante é, não só o personagem, mas a obra toda em si, né… é que antes… agora a gente tem um público de 35 anos, e um público de 6 anos de idade… a expectativa que as pessoas têm cima… então a responsabilidade aumenta.

Então é diferente sim, é sempre novo, é sempre com friozinho na barriga. E dirigir também né porque a gente tem que ter essa preocupação de manter as vozes clássicas, e, no caso, por exemplo agora do filme novo, que tem personagens novos, a ideia é pegar vozes que nunca dublaram nada em Dragon Ball, até pro público que acompanha há muito, que tem essa nostalgia, vai ser meio ruim, você ouvir num, sei lá, um personagem, um vilão lá, [ouvir] a voz do Bardock, a voz do Raditz… pra quem é novinho, de repente não faz diferença, mas pro público que a gente sabe que acompanha, que gosta, que quer nostalgia, que quer continuar naquela mesma vibe é importante vozes novas para esses personagens, então a é diferente. É um desafio diferente.

 

O filme revisita diversos momentos da série, momento diferentes de Dragon Ball, vocês ficam com mais pressão para transmitir essa nostalgia também pela dublagem?

imagem: piccolo com uniforme red ribbon.
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Sim (risos). Porque, o que acontece, a perspectiva de quem dubla é muito diferente da de quem assiste, no sentido de como você guarda aquelas emoções e informações. Então, você pensa que o dublador dubla, sei lá, 5 personagens por dia. É muito difícil ele decorar tudo, guardar tudo. Então, você de repente dublou por três meses uma série, aí depois você vai revisitar aquilo daqui 10 anos… é, você não lembra, exatamente, uma frase ou outra… como é que… depende um pouco da tradução, se o tradutor errou, botou algo diferente, o dublador também não vai lembrar. Talvez se ele tivesse assistido no sofá dele, como público, ele lembraria.

Então é sempre muito perigoso esse tipo de trabalho, exatamente por causa disso que você falou né: remete a muitas coisas do passado, tem nostalgia, tem piada interna, né, então, é, foi muito importante assim a participação do tradutor né, eu tinha gente ali também que me ajudou a… por exemplo, eu não lembrava que o Goten tinha sido feito pelo Yuri [Yuri Chesman] quando o Goten era adolescente, então a princípio eu ia gravar com a Fátima Noya, e aí, enfim, o pessoal ali “Não, não, é o Yuri que fez nessa fase da vida dele”, [isso] é frequente. “Então quem fez o Trunks?”,  “Ah, foi o Marcelo [Marcelo Campos] também”, então, é esse risco que a gente não pode correr e para isso tem que pedir ajuda aos universitários porque nem, até porque também teve dublagem, sei lá, acho que o Goten adolescente é do GT [Dragon Ball GT], não sei.

J: É do GT.

W: É do GT. O GT eu não tive contato muito com o GT, né, foi feito na época na DPN, que não era o estúdio que tinha feito nem o Z [Dragon Ball Z] e nem o clássico [Dragon Ball], então… e eu não assisti como público, então foi… a gente sempre corre esse risco nesse tipo de projeto mas a gente teve uma assessoria boa sim, que me ajudou a a evitar erros.

 

Mesmo com toda a nostalgia, acha que quem não conhece bem Dragon Ball consegue aproveitar o filme?

imagem: piccolo tomando uma do gama 2.
Divulgado

Eu acho que sim porque, por exemplo, a minha mulher assistiu [ao filme], e ela nunca assistiu muito Dragon Ball, ela era mais do Cavaleiros e tal, e não assistiu, não assistia Dragon Ball… e ela gostou do filme. Ela não pegar o mesmo número de pequenas informações e piadinhas que você pegou, mas acaba entendendo a história né. Eu acho que tá bem fácil de… até porque é isso, né, como eles pegaram uma história nova né, meio à parte, tem os personagens e tudo mas é à parte, o começo explica muito bem, né, o que é cada coisa então, pra quem não assistiu, consegue acompanhar a história entender tudo sem ficar perdido né, “no vácuo”.

 

Teve algum momento mais difícil de dirigir, de transpor a emoção da cena?

Ah… alguns desafios foram grandes, mas eu consegui, eu acho, colocar os atores na vibe necessária né. Então… eu vou tentar, é não pode dar muito spoiler aqui né (risos).  Mas aquele personagem que surge no final, ele grita muito o tempo inteiro, e o dublador vive da voz dele. Então você convencer o ator que “ó, você não só vai ter que gritar. como vai ter que gritar muito e de verdade pra valer” é um pouco complicado né (risos).

imagem: gohan supersaiyajin 2.
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E o Vagner Fagundes, que fez o Gohan, eu também coloquei uma baita pilha nele antes da gente começar a gravar, que, falando “Pô, o Gohan agora é a estrela, ele é o astro desse filme, e a galera tá esperando isso há anos, né, os fãs no mundo inteiro esperam isso, e a história é assim-assim-assado, então ele tem que esperar o poder e bababibababá, então num determinado momento eu preciso que você vá para o teu máximo”, e ele tava saindo de gripe, tava meio rouquinho, mas na hora do vamos ver ele, pô, ele arrepiou, ele soltou todos os bichos de dentro dele. Mas isso é, tipo, é um dos trabalhos do diretor, não é só na hora de gravar: você tem que ir preparando às vezes o ator psicologicamente para aquilo que você vai precisar lá na frente, então, esses assim foram os desafios que eu tive.

J: Nossa pergunta é justamente desse personagem que aparece, é do Francisco né?

W: Isso, Francisco Junior.

J: Quanto é que ficou a conta do remédio para garganta depois? (risos).

W: Coitado (risos). Eu escolhi ele por alguns motivos: primeiro porque a voz é compatível, ele tem voz para isso; segundo porque ele tem uma força vocal grande; e terceiro, ele é fã, então eu não precisava explicar tanto o quão importante seria ele realmente arrancar as tripas ali, né. Porque às vezes um cara que é muito off disso, às vezes o cara não alcança exatamente o que você tá dizendo com relação ao quanto o público espera daquilo né. A gente espera uma entrega muito grande, e então tem essa facilidade: ele é um fã, ele entende muito bem, e ele fez feliz da vida todo honrado então foi legal…

J: E ficou bonito, hein?

W: O resultado eu gostei bastante.

 

Alguma cena te marcou enquanto você dublava ou dirigia?

imagem: magenta no filme.
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Deixa eu pensar… Ah, eu curti muito, eu me diverti muito com filme. Eu fico viajando que, assim, quando você assistir ao filme como público, você vai vendo ali eu todo à medida em que ele vai acontecendo cronologicamente. Como a gente passa várias vezes pelas cenas né, e e de forma lenta, então você vê um monte de coisa que pode passar despercebida né, então, poxa o bonequinho do… meu Deus como é que é o nome dele? O vilão principal do charuto…

J: O Magenta?

W: O Magenta! Pô, no carro dele tem um bonequinho dele no painel né, que nem… que nem aquele cachorrinho que fica balançando a cabeça assim, tem um bonequinho dele… O Carmine, que uma hora ele aumenta o som, e na verdade era a música que tava de fundo, você pensa que é uma quer a trilha do filme e, aí de repente, é a música que tá no carro… esses detalhezinhos assim para mim foram muito, muito engraçados, assim, muito marcantes. E eu só fiquei triste que o Goku entrou pouco (risos).

J: Bem pouquinho, né?

W: É, mas foi uma participação divertida, né. Aquele trecho é muito… o final é muito engraçado.

 

Dragon Ball é, como você estava falando, um sucesso de décadas aqui. O quanto do acesso do público se deve à dublagem e à manutenção das vozes dos personagens principais?

Eu acho que Dragon Ball, aconteceram duas coisas que foram definitivas aqui no Brasil para que ele se transformasse no que é hoje: primeiro era a questão de TV aberta né, então o Brasil inteiro assistia no mesmo horário — hoje em dia é pulverizado, cada um assiste o que quer, na hora em que quer, porque tá tudo em streaming e tal. Então esse já era um fenômeno que a gente provavelmente não vai ter nunca mais, de todo mundo assistir aquilo todos os dias e discutir no dia seguinte na escola a respeito e tal.

E a outra coisa que eu acho que nós somos muito felizes nas vozes. Então público aceitou demais a dublagem, as vozes, então foi uma conjunção de duas coisas que dificilmente vai acontecer assim com tanta, com tanto… numa porcentagem tão grande né. E aí eu acho que, aquela galera que hoje é mãe, é pai, foi repassando isso pros seus filhos, pros seus sobrinhos e tal, e isso eu também acho que é algo que vai ser difícil ser repetido em alguma outra obra, em alguma outra coisa, então eu acho que o sucesso estrondoso de Dragon Ball, eu acho que vem disso, do período em que ele estourou, em termos de tecnologia, de acesso, que a gente tinha as programações; e de uma felicidade muito grande que houve na escolha das vozes, das vozes principais. Então acho que isso contribuiu sim para que seja o que é hoje.

 

Por fim… a pergunta que fica com o filme: numa luta entre Gohan e Goku quem vence?

imagem: goku pronto para atacar.
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Ó, o Piccolo até falou ali uma hora, né, sem querer dar spoiler mas ele fala, a Pan pergunta do tipo “ah, meu pai, é verdade que meu pai é mais poderoso que o vovozinho?” e tal… mas eu duvido. Eu apostaria minhas fichas no Goku (risos). O Goku tem uma sagacidade, ele tem uma intuição e um instinto na hora das batalhas que, várias e várias vezes, ele lutou com vilões e adversários mais poderosos do que ele, mas ele tinha uma sacada, às vezes, que era o que resolvia então eu acho que o Gohan ainda precisa comer muito gohan [“arroz”, em japonês] com feijão para chegar lá (risos).

J: Então, beleza, muito obrigada, viu? [como pode ser visto pelo vídeo, quem representou o JBox foi a editora Laura “gasseruto”].

W: Obrigado, eu que agradeço, sempre bom bater um papo sobre esse universo e deixar aqui o meu convite, né, às pessoas para que vão prestigiar Dragon Ball Super: Super Hero no cinemas, prestigiar não só o trabalho dos dubladores mas também esse esforço, esse movimento, esse trabalho todo, né, que a Sony [e a Crunchyroll] fez pra trazer isso pra gente da melhor forma possível, tenho certeza que vocês vão gostar, e é muito importante pra que haja mais filmes, para que hajam novas sagas, que o público prestigie nos cinemas.