Um dos assuntos mais confusos para muitos fãs de cultura pop japonesa são as chamadas demografias das obras, aqueles termos que vemos o tempo todo por aí: shounen, shoujo, seinen e josei. Muita gente confunde o que é cada um e para que são usados.

A divisão shoujo (“para meninas”) e shounen (“para meninos”) vem desde antes do nascimento da indústria moderna de mangás. Já no final do século 19 circulavam revistas literárias com conteúdo voltado ou para garotas ou para garotos, muitas contendo quadrinhos ou histórias ilustradas (inclusive, o mangá shoujo foi fortemente influenciado por revistas literárias).

Enfim, quando a indústria de mangá começa a se firmar, por volta de 1950, no modelo que conhecemos hoje, as revistas aparecem classificadas como shounen e shoujo, posteriormente se ramificando também para as categorias seinen (para jovens adultos) e josei (para jovens adultas).

Essa “divisão demográfica” é meramente o público-alvo da revista (não necessariamente seu público leitor), não dizendo nada sobre o conteúdo da obra, embora haja, desde cedo, certo estereótipo do que se espera de história para homens e de histórias para mulheres.

Esse também é um fenômeno editorial da indústria japonesa, embora por vezes escape para a indústria de animação. É frequente dizermos que um animê é shounen ou shoujo, mas essas categorias, na verdade, se referem aos mangás porque dizem respeito apenas à demografia da revista na qual são publicados.

Apesar de ainda haver muita estigmatização sobre os gostos de homens e mulheres ou adultos e crianças, até essas categorias já escaparam, ao menos em parte, da total estereotipia. Por isso, nesta matéria, viemos falar de algumas séries cujas demografias muitas vezes podem confundir o público (depois, tente este quiz).

 

É shoujo, né?

 

Uma das confusões mais comuns é a de inferir que o gênero do protagonista da série define a demografia de uma obra. Talvez, pareça um pouco intuitivo: uma protagonista vai atrair o público feminino, e um protagonista vai atrair o leitor masculino, mas não é bem assim que funciona.

Um exemplo é Little Witch Academia. Quando a animação foi adaptada em mangá, a publicação foi feita na Ultra Jump, revista voltada para o público masculino, mas “sem fronteiras” – segundo a própria Shueisha – provavelmente com obras shounen e seinen (nota: a JMPA classifica como shounen, mas pode ser apenas por questões burocráticas). Como já dissemos, essas classificações são editoriais, então tecnicamente apenas o mangá da série é shounen/seinen, não é possível transpor esse termo para o animê.

Outro caso – que até já causou confusão por aqui – é As Quíntuplas (Gotobun no Hanayome ou The Quintessential Quintuplets), mangá no qual um garoto acaba virando professor particular de quíntuplas idênticas (e com péssimas notas). O título é seriado semanalmente na Shonen Magazine, da Kodansha.


Shounen Psicológico?

 

Ser voltada ao público infanto-juvenil não significa ter uma história necessariamente rasa, até porque estamos falando de um público entre uns 8 e 17 anos, então há também uma variedade de shounen com temáticas mais “maduras” para os adolescentes mais velhos.

Essas séries muitas vezes acabam sendo confundidas com seinens, como ocorre frequentemente com Death Note, de forma que virou até piada dentro do meio a categorização como “seinen psicológico”. A obra sobre um misterioso caderno da Kalunga foi seriada de 2003 a 2006 na famosa Shonen Jump, e é um shounen, assim como todas as outras séries dessa revista da Shueisha.

Uma outra série capaz de causar certa confusão é BEASTARS – O Lobo Bom, seriado na Shonen Champion, da Akita Shoten. Pela classificação indicativa +16 anos do animê na Netflix, muitos acham que trata-se de um seinen, mas o mangá sempre foi um shounen.


Romance é só para mulheres?

 

Provavelmente devido a estereótipos, muitos acreditam que uma série sobre romance é sempre voltada ao público feminino. Por isso, é até comum pensarem que séries como Senryu Girl, ou Senryu Shoujo, contando sobre uma garota que utiliza apenas senryu (um tipo de poesia japonesa) para se comunicar e se apaixona por um colega de classe chamado Eiji Busujima, seria um shoujo. Mas essa obra é seriada na Shonen Magazine (a mesma de Quíntuplas), sendo então um shounen.

Outra confusão comum é colocarem Kaguya-sama: Love Is War como shoujo ou josei. O mangá de Kaguya-sama começou a ser seriado em 2015 na Miracle Jump, sendo migrado para a Young Jump em 2016, meses antes da Shueisha encerrar a Miracle de vez. Ambas revista são/eram seinen.


Isso é coisa de menina?

 

Assim como nem sempre shounens são protagonizados por garotos, nem sempre shoujos ou joseis possuem mulheres como protagonistas. Um exemplo é a adaptação em mangá de Mr. Osomatsu (Osomatsu-san), inicialmente seriada de 2016 a 2018 na YOU, e migrada para a Cookie com o encerramento da revista.

A YOU aparentemente era josei, e apesar da Shueisha descrever a Cookie como revista de mangá shoujo, a editora assume focar em leitoras entre 20 e 30 anos em documentos para anunciantes, sendo então relativamente seguro dizer que é uma revista josei. A JMPA também classifica como josei.

Outro caso é Natsume’s Book of Friends (Natsume Yuujinchou), mangá sobre Takashi Natsume, um rapaz capaz de ver espíritos. A história foi seriada na LaLa DX de 2003 a 2005 e migrada para a LaLa, onde é publicada até hoje, ambas são revistas shoujo da Hakusensha.


Ué, mudou?

 

Como ocorreu com algumas séries já citadas, obras podem mudar de revista e, com isso, acabar também mudando de demografia. Foi o que ocorreu com a adaptação em mangá de Neon Genesis Evangelion, publicada de 1994 a 2008 na Shonen Ace e então migrada para a Young Ace, focada no público seinen, até ser finalizada em 2013.

Um caso até mais curioso é o mangá de Orange, seriado inicialmente na Bessatsu Margaret, revista shoujo, e migrado para a revista Action, categorizada como seinen.

Além desses, há também casos da própria revista mudar seu público-alvo, como foi com a Champion RED (revista que publicou vários spin-off dos Cavaleiros do Zodíaco) lançada em 2002 como shounen, mas mudando sua linha editorial oficialmente para seinen em torno de 2011.

Esses são apenas alguns casos, mas para evitar confusão, atente-se: demografia é apenas sobre mangás e se refere ao público-alvo de uma revista, definido pelo editorial da mesma. Para saber em qual categoria um mangá se encaixa, é preciso saber onde ele foi publicado.