Depois que a Netflix tomou gosto por se envolver (seja financiando ou só distribuindo) em adaptações de mangás e animês de sucesso para live-action, cada novo anúncio que o serviço de streaming realiza deixa milhões de fãs ansiosos. Após umas bombas esquecíveis e uns acertos expressivos, os fãs “calejados” aprenderam a ter baixas expectativas nos projetos para não se decepcionarem tanto com o que é entregue.

A última estreia do gênero é baseada em um mangá de grande sucesso do começo dos anos 1990 (e cuja versão animada é bastante querida em nosso país) chamado Yu Yu Hakusho, criado por Yoshihiro Togashi, também autor de Hunter x Hunter, talvez o maior sucesso de sua carreira até o momento.

imagem: Kuwabara, Kurama, Yusuke, Hiei em poster promocional da netflix.

Divulgação: RC/N.

Na trama, Yusuke Urameshi é um estudante delinquente do ensino médio que acaba sendo brutalmente atropelado ao tentar salvar a vida de um garoto. Como nem “o céu” esperava por isso, Yusuke então é levado ao Mundo Espiritual, guiado pela deusa da morte, Botan, e fica diante do filho do Rei Enma, Koenma.

Koenma oferece ao rapaz a sedutora oportunidade de voltar à vida, desde que ele trabalhe como detetive espiritual sob suas ordens. Ele reluta um pouco, mas acaba voltando à vida e, como primeira missão, precisa recuperar 3 artefatos roubados do Mundo Espiritual.

Nessa aventura, Yusuke conhece Hiei e Kurama, providenciais parceiros para encarar o terrível Toguro, um ser humano que se tornou youkai e trabalha para o misterioso Sakyo, que possui o inexplicável desejo de abrir um buraco entre o mundo das trevas e o mundo dos homens para instaurar o caos em tudo.

imagem: toguro em live-action de yu yu hakusho.

Divulgação: RC/N.

Esse resumo simples é parar um leitor não familiarizado com o que é Yu Yu Hakusho. Os brasileiros que assistiram à extinta Rede Manchete acompanharam os 112 episódios do animê com bastante entusiamo e, em idos de 2004, rolou uma reprise via Cartoon Network e uma repescagem na Rede 21/PlayTV.

Com um visual bastante marcante por conta dos exageros do animê dos anos 90, a transposição de elementos para o live-action até que consegue fazer um trabalho competente, deixando tudo com a melhor naturalidade possível. As locações e cenários funcionam bem, mas o mais curioso aqui é ver como conseguiram condensar tantos eventos em míseros cinco episódios com pouco menos de 1 hora de duração cada.

imagem: koenma soltando poder pelas mãos no live-action de yu yu hakusho.

Divulgação: RC/N.

A série contou com “gente entendida” nos bastidores da produção, sendo assinada por Kazutaka Sakamoto e Akira Morii — este último atuou em outro live-action que fez sucesso na Netflix: Alice in Borderland. O vigor nas cenas de ação que ambas produções possuem empolga quem gosta do gênero e, no caso de Yu Yu, até dialogam com um dos motivos que fez a o animê ter a fama que tem. Mas o enredo original entrega muito mais do que a série apresenta e é aqui que reside o problema da adaptação: a necessidade de acelerar muita coisa para a trama fluir e ser fechada

A mitologia da série é trabalhada de forma concisa e, por mais que tenham costurado de maneira inventiva e dinâmica as passagens da primeira metade do animê, se você já assistiu à série de TV, o sentimento de que tudo foi muito rápido é inevitável. A pior parte nessa mutilação é o vazio sentimental que você sente, com os personagens não construindo conexões tão fortes.

Por sorte, conseguiram manter pontos importantes, como o relacionamento de Keiko e Yusuke (com uma química tão contagiante quanto no animê) e o “jeitão” do Kuwabara (sempre acompanhado de amigos e querendo ficar forte para proteger quem ama). A produção buscou entregar mais brutalidade — a morte de Yusuke ficou de arrepiar –, sangue e coreografias, deixando de lado as piadinhas e alguns personagens.

imagem: keiko conversando com yusuke no live-action.

Divulgação: RC/N.

Mesmo esvaziando o contexto emocional de várias situações (a passagem da doutrina da Genkai que o diga…), a série foca em um “arroz com feijão e ovo” bem feitinho, optando por ignorar muitos outros ingredientes riquíssimos para incorporar ou ampliar a trama. Outro ponto regular foi a trilha sonora: nenhuma música marcante, e a única homenagem ao animê ficou restrita no primeiro episódio mesmo. Podiam ter brincado mais com nossos corações nesse quesito.

Os atores Takumi Kitamura (Yusuke Urameshi), Jun Shison (Kurama Youko), Shuhei Uesugi (Kazuma Kuwabara) e Kanata Hongo (Hiei) conseguem convencer em seus papéis, parecendo ter estudado e entendido o que torna esse quarteto tão ímpar na história dos animês.

Mesmo com as maquiagens oscilando — em particular aquela cabeleira grená meio perturbada do Kurama — podemos abraçar o esforço da produção e passar aquele paninho em algumas caracterizações (afinal, a Keiko ficou adorável e o Yusuke funciona bem!). Só não fica muito claro o motivo do irmão do Toguro ser “encolhido via computação gráfica”.

imagem: mestra genkai em live-action de yu yu hakusho.

Divulgação: RC/N.

A produtora Robot Communications se mostra bastante competente no quesito de efeitos visuais e consegue criar criaturas digitais assustadoras e cenários deslumbrantes, como o Mundo Espiritual. Com mais orçamento ela entregou o recente Godzilla Minus One, mostrando ter competência de sobra.

O peso da nostalgia vem com toda força aos “saudosistas” graças à versão brasileira. Praticamente todas as vozes do animê estão de volta e é frustrante não ouvir mais “Leiguns”da boca do protagonista. A voz de Marcelo Garcia (famoso como o Flash da animação da Liga da Justiça) caiu como uma luva para o ator que interpretou o Kuwabara, e as interpretações de Marco Ribeiro (Yusuke), Fernanda Crispim (Keiko) e Miriam Ficher (Botan) são assustadoras de tão naturais. Mesmo sem muita “zoeira” no texto, Marco deu um jeito de trazer aquele “temperinho” que tornou a dublagem de Yu Yu tão marcante no Brasil.

imagem: botan levando yusuke em um barquinho ao mundo dos mortos.

Divulgação: RC/N.

Se precisamos de mais Yu Yu em live-action? Apesar do amor pela obra e essa revigorada que a série consegue provocar, eu ainda preferiria que explorassem outras mídias, como a dos games. Até hoje os jogos mais inesquecíveis de Yu Yu são da era dos 32 bits. Precisamos de um Yu Yu Fighter Z da vida gente! Risos.

Se é para fazer um live-action com ritmo de corre-corre da cidade grande, deixaria essa adaptação passar, mas já que resolveram arriscar, então vamos ver até onde planejam ir.

A entrega pode não ter sido a melhor, mas bateu aquele desejosinho latente de querer sonhar com uma Saga do Portão do Mundo das Trevas, com Shinobu Sensui sádico e um golpe secreto Mafuukan.


O texto presente é de responsabilidade de seu autor e não reflete necessariamente a opinião do site JBox.