Recentemente, postei um tweet dando uma opinião sobre Os Cavaleiros do Zodíaco, de que, na minha visão (obviamente, postagens numa rede social dizem respeito apenas à opinião das pessoas, certo?), o “argumento” da série é contrário a certas atitudes da atual gestão federal do país. As respostas foram, no mínimo, curiosas.

Muitas pessoas entenderam que isso significaria que “não se pode gostar de uma obra se você não pensa assim” e, bem, em momento algum ninguém foi proibido de gostar de nada (até parece que um tweet tem esse poder). Mas, o mais interessante são os comentários dizendo que eu não poderia “politizar” a obra. Oras, não sou simplesmente eu quem politiza nada, a lição de moral está ali para todo mundo ver, concordar ou discordar. É possível ignorá-la, é possível querer espairecer, mas, no fim das contas, toda história vende uma visão de mundo, porque toda história é escrita por alguém. E toda visão de mundo é política.

Vivemos em um momento que o termo “política” é utilizado majoritariamente para falar de certas pautas ou de certos partidos. Eleição é política. Pedir inserção de minorias no entretenimento é militância política. Realmente, os sistemas políticos e militâncias são quase sempre os assuntos dominantes na discussão. Mas o termo se relaciona a tudo ligado à organização social – como é impossível se organizar sem parâmetros éticos e morais, política acaba englobando praticamente tudo o que diz respeito à sociedade.

As pessoas são criadas dentro de certos contextos, nos quais seus pensamentos e visões de mundo são construídos. A partir deles, cada um vai ter suas ideias. Na hora de criar uma história, essas noções vão permear o texto: o autor tem uma visão de como um protagonista deve agir, de como um vilão deve ser e onde a narrativa deve chegar. Tudo isso é atravessado pela forma como ele enxerga o mundo. Não é necessário ter a intenção de advogar por ideologia nenhuma para criar um mundo fictício com algum ponto político, porque mundos fictícios dizem respeito a como o mundo é ou deveria ser na visão de alguém. E isso é político. Não necessariamente militante, mas político.

Com isso em mente, voltamos a Saint Seiya: eu realmente acho que uma série na qual uma deusa se levanta contra um megalomaníaco do “o mundo é dos fortes” e também contra um deus crente que os humanos são podres e devem ser aniquilados vai contra muita coisa que vejo no noticiário. Principalmente quando Atena constantemente se coloca do lado dos “fracos e oprimidos” e, sem negar a tal maldade humana, segue se posicionando a favor da humanidade. Essa era minha opinião ao dizer isso – e como qualquer opinião, é questionável.

Mas isso tornaria a série “de esquerda”? Não necessariamente. O Masami Kurumada (autor) estava deliberadamente defendendo alguma bandeira partidária ao escrever a série? Duvido muito, mas não temos como saber. Mas nada disso anula o argumento: Atena é uma deusa que acredita na autonomia humana, no amor e, em nome disso, protege os fracos – como faz, inclusive, a maioria dos heróis. Esse é o ideal pelo qual ela e seus cavaleiros lutam.

Reprodução/Toei Animation

Mesmo essa premissa simples faz um ponto, no mínimo defendendo um mundo em que todos merecem, ao menos, uma chance. É possível mergulhar bem mais fundo nisso, procurar mais pano para manga. Dá para fazer uma discussão muito interessante com Saint Seiya nesse sentido, mas aí, é apenas uma opção pessoal do leitor.

Dá para ler a série e pensar que a maioria dos acontecimentos serve apenas de pretexto para as lutas, sem se preocupar muito com o motivo de um pretexto ser preterido frente a diversas outras possibilidades. Não seria uma leitura menor: não há nenhum problema em querer entretenimento apenas pelo entretenimento. Não vivemos tempos fáceis para quebrar a cabeça à toa. Mas essa é, também, apenas uma opção pessoal do leitor.

Independentemente da sua posição, já acho impossível negar que visões de mundo permeiam autores na hora de escrever obras, assim como permeiam leitores na hora de interpretá-las. Ficção não se passa no mundo real, mas se insere na sociedade real como produto narrativo, por isso, não existe “politização de uma obra”, toda série é política – animês ou mangás não escapam disso.

Os argumentos e visões dos autores japoneses podem ser distintos dos nossos, afinal, como você pode checar no site ao lado, o Japão teve uma outra História, as narrativas falam de outros contextos, os quais provavelmente nunca conseguiremos compreender totalmente. Mas, mesmo com outros simbolismos e significados, a discussão proposta pela cultura pop de lá segue sendo política.