JBox firmou, no início do mês, uma parceria com o Fora do Plástico, uma das principais referências sobre quadrinhos no Instagram. Embora o principal assunto deles sejam as graphic novels, o perfil também se propõe a comentar o mercado de mangás, seja com resenhas e até mesmo notícias exclusivas.

A partir dessa parceria, nós do JBox, junto ao Fora do Plástico, discutimos alguns formatos de publicações que possam atender à demanda do público de ambos os veículos. Nossa primeira ação foi uma publicação sobre a volta de Episódio G ao Brasil. Agora, daremos início ao que provavelmente se tornará uma coluna com periodicidade a ser definida: o Consultoria JBox, indicando uma lista de títulos aos quais as editoras brasileiras deveriam ficar de olho.

Os critérios definidos previamente não são estanques e variam dentro de uma lógica que considera o contexto de cada editora, a aceitação de determinado gênero no Brasil, a relação do país com o autor indicado, o sucesso no Japão (tendo em vista dados objetivos como o Ranking da Oricon) e a participação do título em premiações de renome, como o Prêmio Cultural Osamu Tezuka e o Taisho Manga Awards.

Sem mais, vamos à lista dos 9 mangás da vez:

#1. Keep Your Hands Off! Eizouken

Eizouken ni wa te wo dasu na

Imagem: As 3 garotas de Eizouken.

Autor: Sumito Oowara | Ano: 2016 | 5 volumes (em publicação) | Editora(s) sugerida(s): JBC, NewPOP

O mangá acompanha a história de Tsumabe Mizusaki, Midori Asakusa e Sayaka Kanamori, três alunas do primeiro ano do ensino médio que sonham em entrar na indústria de animês. Juntas, elas tentam dar início às suas próprias produções no “Eizouken”, o “clube de audiovisual” da escola — o nome é, na verdade, uma forma de esconder que se trata de um clube de animação, já que Tsubame é filha de atores famosos e tem seu interesse pelos animês questionado pelos pais, que a pressionam a seguir a carreira de atriz, considerada de maior prestígio. No desenrolar da trama, Eizouken apresenta-se como um verdadeiro tratado estético: a realidade vivida pelas garotas mescla-se com o mundo que elas desejam criar no campo da animação, o que faz do mangá uma verdadeira ode ao fazer artístico.

Considerando o sucesso da adaptação animada dirigida por Masaaki Yuasa, vencedora dos prêmios de Melhor Animação e Melhor Direção no último Crunchyroll Anime Awards, e a boa repercussão que o animê teve no Brasil, é provável que Eizouken chegue mais cedo ou mais tarde — mas quanto mais cedo melhor, para aproveitar que a série ainda está em alta. Tem cara de JBC e NewPOP.

A produção de 12 episódios do estúdio Science SARU figurou a lista de “melhore séries do ano” segundo o New York Times, sendo o único animê na relação.

★ No 9º lugar no Taisho Manga Award de 2018.


#2. Bloody Stumps Samurai 

Chidaruma Kenpou/Onorera ni Tsugu

Imagem: o Samurai de Bloody Stump Samurai.

Autor: Hiroshi Hirata | Ano: 1962 | volume único | Editora(s) sugerida(s): Pipoca & Nanquim

Inoko Gennosuke é um jovem samurai com extraordinário potencial que vive no Japão feudal do século XVII. Diante de toda a dificuldade, Gennosuke emprega a sua força na luta para pôr fim à discriminação sofrida por sua classe, os burakumin, a mais baixa estratificação da hierarquia social daquele tempo.

Encarregados do “trabalho sujo” no Período Tokugawa (1603-1868), os burakumin eram coveiros, carrascos, fabricantes de couro, açougueiros. Bloody Stumps Samurai, assim como Satsuma Gishiden (já publicado no Brasil pela Pipoca & Nanquim), trata de expor de maneira didática os problemas de uma classe fortemente oprimida.

De acordo com o prefácio da edição americana, o mangá chegou a ser censurado após a insatisfação da de descendentes da comunidade buraku, representada pela Buraku Liberation League. O ensaio do tradutor Ryan Holmberg, presente na publicação da Retrofit Comics, menciona o fato de Gennosuke recorrer à violência como um dos motivos para a reprovação por parte da casta representada. Para Holmberg, no entanto, as imprecisões da narrativa de Hirata não anulam a importância da obra.

Hiroshi Hirata, volume único, tema interessante. Deve estar no radar da Pipoca.


#3. Kaiju No. 8 

Imagem: Kaiju número 8.

Autor: Naoya Matsumoto | Ano: 2020 | 2 volumes (em andamento) | Editora(s) sugerida(s): Panini

Kafka Hibino é um adulto de meia-idade num mundo tomado por monstros, os kaijus. Ele faz parte do grupo dos “varredores”, responsável por limpar a sujeira deixada pela cidade após as batalhas entre kaijus e membros da Unidade de Defesa, mas seu verdadeiro sonho é atuar na linha de frente desta que reúne apenas os soldados mais fortes do Japão. No entanto, Hibino não possui qualquer aptidão e foi reprovado várias vezes no exame de admissão — o que poderá mudar depois que o rapaz acidentalmente adquire a capacidade de se transformar num kaiju.

O mangá de Naoya Matsumoto começou a ser publicado na Jump+ em julho de 2020 e impressionantemente já ultrapassou a marca de 1 milhão de cópias em circulação no Japão. Seu volume de estreia aparece com frequência na lista da Oricon. Com uma trama simples, mas um protagonista carismático e um belo traço, a obra está trilhando um caminho de sucesso, sendo uma das mais promissoras da revista digital da Shueisha.

★ Nomeado ao 14º Taisho Manga Award, em 2021.


#4. GoGo Monster

Imagem: Imaem promocional de GoGo Monster.

Autor: Taiyo Matsumoto | Ano: 2000| 1 volume | Editora(s) sugerida(s): Devir

Solitário e dono de uma imaginação transbordante, o pequeno Yuki Tachibana convenceu-se de que sua escola esconde um grande segredo: o quarto andar, proibido aos alunos da escola secundária, é habitado por criaturas sobrenaturais. E seu líder, Big Star, está inquieto com a irrupção de espíritos hostis. Tal teoria, somada a seu comportamento aparentemente desconexo, torna Yuki constante alvo de ridículo e mal-entendido. Ele só tem a cumplicidade e a companhia do Sr. Ganz, o zelador da escola, de IQ, um aluno do último ano que está sempre com uma caixa de papelão na cabeça, e de um novo colega de classe, Makoto Suzuki, que logo se tornará seu melhor amigo.

GoGo Monster é o sucessor natural de Sunny, em publicação pela Devir com 2 volumes (o 3º e último sairá até o final do ano). Assim como Tekkon Kinkreet e o próprio Sunny, a obra apresenta um olhar sofisticado ao universo infantil — uma constante na obra de Taiyo Matsumoto —, tocando em temas como a solidão, o bullying, a incomunicabilidade, tudo com a conhecida sensibilidade do autor. As personagens nos remetem a outras figuras da obra do autor, como os garotos Kuro e Shiro.

A atmosfera lembra também, de alguma forma, algo de Inio Asano, o que poderia tornar a JBC uma candidata à publicação (vale lembrar que a editora publicará uma obra de Matsumoto em breve, o seinen Ping Pong). Contudo GoGo Monster, além da proximidade temática com Tekkon Kinkreet e Sunny, é um volume único, o que costuma atrair as editoras que chegaram ao mercado de mangás há menos tempo.

★ Vencedor do 30º Prêmio da Associação de Cartunistas do Japão, em 2001.
★ Indicado ao Festival Internacional de Angoulème, em 2006.


#5. Muchuu Sa, Kimi Ni

Imagem: Personagem de 'Muchuu Sa, Kimi Ni'.

Autor: Yama Wayama | Ano: 2019 | volume único | Editora(s) sugerida(s): NewPOP, Pipoca & Nanquim, JBC

Uma coletânea com 8 histórias nonsense protagonizadas por colegiais de hábitos um tanto peculiares. As 4 primeiras envolvem o essêntrico Hayashi, enquanto as demais focam no assustador Nikkaido, que parece ter saído de um título de Junji Ito.

Muchuu Sa, Kimi Ni é daqueles mangás para se ler despretensiosamente e, ainda assim, ter uma grande experiência. O traço e a maneira que Yama Wayama constrói suas narrativas é um deleite. O design de personagens é um dos méritos da obra, mas a maneira como os causos são contados e o tratamento dado a eles é o que mais chama a atenção.

Cada história gira em torno de uma questão comum à rotina de um estudante do ensino médio, mas sempre há a aparição de um elemento de nonsense que torna a situação absurda — e muito interessante. Na maioria das vezes, esse elemento é Hayashi ou Nikkaido, geralmente colocados como interlocutores dos protagonistas de cada episódio. A forma como os diferentes protagonistas, todos colegas dos dois garotos referidos, agem diante da esquisitice desses sujeitos é o que causa o efeito cômico.

A autora ainda é “novata” mas seus trabalhos já vêm chamando a atenção da crítica. Com Muchu Sa, Kimi Ni, Yama Wayama foi indicada ao Taisho do ano passado (vencido por Blue Period, de Tsubame Yamaguchi) e chegou a vencer o Premio Cultural Osamu Tezuka na categoria “Obra Curta”. Esse ano, outro de seus mangás foi nomeado ao Taisho: o josei Onna no Sono no Hoshi, sua primeira série regular.Wayama também publicou Karaoke Iko!, sua obra de estreia, em 2018.

Muchuu Sa, Kimi Ni parece ser um título que cairia bem no catálogo da NewPOP, pela temática, mas também vejo na JBC e na Pipoca duas boas candidatas, sobretudo pelo interesse de ambas em obras alternativas. É uma autora que definitivamente precisa vir para o Brasil e esta parece um bom cartão de visitas.

★ Vencedor do 24º Premio Osamu Tezuka Cultural na categoria “Obra Curta”, em 2020.
★ Vencedor do 23º Japan Media Arts Festival na categoria “New Face” da divisão de Mangás, em 2020.
★ Indicado ao 13º Taisho Manga Award, em 2020.


#6. Abandon the Old in Tokyo

Tokyo Ubasuteyama

Imagem: Protagonista de 'Abandon the Old in Tokyo'.

Autor: Yoshihiro Tatsumi | Ano: 1970 (Revista Garô) | volume único | Editora(s) sugerida(s): Veneta

Uma coletânea de histórias curtas de Yoshihiro Tatsumi, o pai do gekigá, quadrinho japonês para adultos. Ambientadas em Tóquio, o leitor acompanha episódios diversos da vida de trabalhadores na grande cidade e os efeitos da modernização sobre o homem comum, num estilo pautado na representação realista.

Abandon the Old in Tokyo é o tipo de publicação que falta nas prateleiras brasileiras. Apesar de curtas, as narrativas contidas no volume único são de grande complexidade. Apesar dos 50 anos de distância, os temas continuam atualíssimos. Falam da exaustiva rotina de trabalho de um assalariado, das aflições de um escritor que precisa ser mais produtivo, de complicadas relações familiares, entre outros.

Ao lado de Good-bye e The Push Man & Other Stories, a coletânea é uma boa opção para a Veneta, que publicará a obra prima de Tatsumi ainda esse ano, Vida à Deriva. Que não pare por aí!


#7. Sangatsu no Lion

March Comes in like a Lion

Imagem: Os persoangens de Sangatsu.

Autor: Chica Umino | Ano: 2007 | 16 volumes (em andamento) | Editora(s) sugerida(s): Panini, JBC, NewPOP

Kiriyama Rei é um jovem jogador profissional de shogi (conhecido como “xadrez japonês”). Aos 17 anos, ele mora sozinho, pois perdeu os pais em um trágico acidente. Introvertido, sua vida passa a mudar quando ele conhece Akari, Hinata e Momo, três irmãs que tentam acolher o garoto.

A história acompanha o amadurecimento e se debruça sobre os conflitos internos da protagonista, obrigado, desde muito jovem, a lidar com as diversas responsabilidades da vida adulta — sem qualquer fôlego para se habituar a elas.

O ápice de popularidade da série foi atingido após a estreia do animê feito pelas mãos do estúdio Shaft. As duas temporadas, exibidas entre 2016 e 2018, adaptam boa parte do mangá publicado na Young Animal (mesma revista de Berserk). A quantidade de volumes é um dos prováveis inconvenientes para que Sangatsu ainda não tenha chegado ao Brasil. Os frequentes hiatos, que atrasam bastante a conclusão da obra, deve ser mais um dos empecilhos.

No entanto, é provável que a série volte ao circuito de observação das editoras brasileiras em caso de finalização no Japão ou de uma eventual nova temporada do animê. A Panini talvez seja a favorita por já ter trabalhado com Chica Umino — a editora foi quem publicou Honey & Clover, primeiro grande sucesso da mangaká —, além de ser a empresa que parece ter menos ressalva quanto aos títulos mais longos. Coloco, além dela, JBC e NewPOP como alternativas interessantes. A primeira por ter uma notória familiaridade com séries slice of life e a segunda por estar se mostrando cada vez mais disposta a apostar em grandes obras que outras editoras talvez não se arrisquem em trazer (GTO, os recém anunciados mangás de Shotaro Ishinomori e a comédia Saint Onii-San: Jovens Sagrados, por exemplo).

★ Vencedor do 4º Taisho Manga Award, em 2011.
★ Vencedor do prêmio máximo no 18º Osamu Tezuka Cultural, em 2014.


#8. Descending Stories: Shouwa Genroku Rakugo Shinjuu

Imagem: O velho de 'Rakugo'.

Autor: Haruko Kumota | Ano: 2010 | 10 volumes (finalizado) | Editora(s) sugerida(s): NewPOP, JBC, Panini

Um rapaz acaba de sair da prisão e tomar seu primeiro ato em liberdade: se tornar o aprendiz de Yakumo, renomado contador de histórias que o encantou com sua versão do conto “Ceifador”. Yakumo é um mestre do rakugo, tradicional arte performática japonesa dedicada a um tipo de monólogo teatral, e nunca teve um pupilo.

Shouwa Genroku Rakugo Shinjuu, ou “o mangá do rakugo”, é uma das histórias mais sensíveis da última década. Traz a discussão sobre assuntos de primeira ordem, como o drama da extinção formas de expressão tradicionais pelo processo de modernização capitalista (dialogando com a obra de Walter Benjamin), o processo de ressocialização de ex-detentos, o dilema da atualização da tradição segundo novas demandas sociais e muitos outros problemas.

O animê, exibido entre 2016 e 2017, atraiu olhares do ocidente e o mangá foi enfim publicado pela Kodansha dos EUA. No último domingo (28), o título enfim foi anunciado na França numa edição 2 em 1. No Brasil, as duas temporadas estão disponíveis na Crunchyroll desde a estreia no Japão e chamou a atenção do público e de diversos veículos da imprensa especializada.

Embora não esteja no seu melhor timingo mangá de Haruko Kumota já teve o terreno preparado para chegar ao país e cairia bem nas mãos de qualquer editora, embora parece ter mais a ver com NewPOP e JBC. E 10 volumes nem é tanta coisa… 5 edições, numa versão inspirada na francesa, seria o melhor cenário.

★ 4º lugar no 5º Taisho Manga Award, em 2012.
★ Vencedor do 17º Japan Media Arts Festival na categoria “Prêmio de Excelência”, em 2013.
★ Vencedor do 21º Prêmio Osamu Tezuka Cultural na categoria “Novo Autor”, em 2017.


#9. Real 

Imagem: Um dos jogadores de 'Real'.

Autor: Takehiko Inoue | Ano: 1999 | 15 volumes (em andamento) | Editora sugerida: Panini

Três adolescentes trazem consigo profundos dramas pessoais: Nomiya abandonou o ensino médio e lida com a culpa de ter se envolvido num acidente que deixara sua amiga Natsumi, que o acompanhava, com paralisia dos membros inferiores. Togawa, ex-velocista talentoso que aspirava ser o melhor no Japão, foi acometido por uma grave doença generativa e teve de amputar uma das pernas. Takahashi, popular e arrogante, é líder do time de basquete e também não consegue se mover do peito para baixo. Com personalidades completamente distintas, os três são unidos por uma só razão: a paixão pelo basquete.

Real é para muitos a obra mais tocante e forte de Takehiko Inoue, autor dos inquestionáveis VagabondSlam Dunk. O mangá é antes um drama sobre as marcas que se imprimem na psique dos personagens em decorrência das diversas relações mantidas por eles do que apenas uma história sobre basquete em cadeira de rodas. É um estudo sobre como o mundo pode condicionar nossas escolhas e como nossas escolhas podem influenciar o mundo. A complexidade dos personagens, que parecem de carne e osso, é o charme de Real, além do necessário debate a respeito da forma de enxergarmos a pessoa com deficiência.

É um título que deveria ser considerado pela Panini por todas as suas credenciais: história excelente, autor consagrado, assunto pertinente mas pouco presente nos mangás que se vê por aqui… De acordo com o que se diz nos bastidores, Inoue opta sempre por trabalhar com contratos de exclusividade nos países em que publica sua obra. Dessa forma, dificilmente Real chegará por aqui através de uma empresa que não a italiana. Assim como Sangatsu, o fato de não haver uma previsão para a conclusão da série deve ser o principal motivo de receio da editora.

★ Prêmio de Excelência do 5º Japan Media Arts Festival, em 2001.


O texto presente nesta coluna é de responsabilidade de seu autor e não reflete necessariamente a opinião do site JBox.