Recentemente, a Panini anunciou a publicação do mangá yuri Yagate kimi ni naru de Nakatani Nio, um dos mangás mais famosos do gênero atualmente. A obra veio para o Brasil sob o título Bloom into You, o mesmo da edição americana, e está sendo publicado com periocidade bimestral. O primeiro volume já foi lançado, então hoje vamos falar um pouquinho sobre essa parte inicial da narrativa.


O enredo de YagaKimi

Imagem: Yuu e Nanami em um aquário.

Divulgação: Nio Nakatani/Kadokawa.

Vamos começar falando do título do mangá: Yagate kimi ni naru. Essa é uma construção que funciona perfeitamente e tem um impacto interessante. Olhando essa frase assim isolada no título, parece ser construída pra soar propositalmente um tanto confusa. Não como um erro sintático, mas como se essa pequena estrutura sintática fosse parte de um discurso maior só compreensível quando dentro de um contexto completo.

Vamos lá, Yagate kimi ni naru pode ser traduzido, de forma bem literal, como algo meio “eventualmente você será”. A estrutura não soa como se possuísse um problema sintático em japonês, mas há uma falta semântica, principalmente quando há a tentativa de transposição para outras línguas. Você será o que? Quem será? Quem está dizendo isso ou sobre quem se está dizendo isso?

Imagem: Capa japonesa de 'YagaKimi' (volume 1).

Divulgação: ASCII Media Works/Kadokawa.

A questão é que o título acaba trazendo um pouco essa ideia de ser um pedaço, uma parte, e suscita a curiosidade em quem escolhe acompanhar a história. De uma certa forma, o mangá tem um clima parecido. Yagakimi não chega a ser uma narrativa melancólica, porém tem um tom bastante emocional sem soar excessivamente dramático, pelo menos na maior parte do tempo.

O primeiro volume começa nos apresentando Yuu Koito, uma garota no primeiro ano do Ensino Médio. Yuu tem uma característica marcante, que vai atravessá-la durante grande parte da narrativa: ela não sabe o que é o amor. Mesmo tendo lido mangás shoujo de romance e ouvindo músicas românticas, a Yuu não sabe o que é estar apaixonada. Na verdade, ela chega até a pensar ser incapaz de se apaixonar, esse universo seria inacessível para ela.

Como não faz parte de nenhum clube ainda, um professor recomenda – quase intima – ela a conhecer o Conselho Estudantil. Lá, ela conhece Touko Nanami, uma garota do segundo ano que é basicamente tudo que você espera numa estudante modelo. Ela tira boas notas, é a melhor aluna da sala, é bonita, tem vários pretendentes, faz parte do Conselho Estudantil, é cotada para ser a nova Presidente do Conselho… Enfim, a Nanami está em um primeiro momento dentro do estereótipo de estudante perfeita.

Apesar da Yuu ser uma primeiranista e da Nanami ser a senpai desejada da escola, a Yuu se sente conectada com a Nanami por causa da primeira visão que tem dela. Quando a Yuu vê a Nanami pela primeira vez, a secundarista está recebendo e rejeitando uma confissão.

Neste capítulo descobre-se que a Nanami recebe muitas confissões e rejeita todas, então, quando a Yuu a pergunta se tem um motivo especial para isso, a resposta é simplesmente “nunca senti meu coração acelerar ao ouvir nenhuma dessas confissões”.

A partir desse momento, Yuu acredita ter encontrado alguém como ela. Nanami recebe várias confissões e rejeita todas, o coração dela nunca ficou acelerado, logo, ela também não sabe como é se apaixonar – Yuu não está mais sozinha no mundo. Aí vem o verdadeiro pontapé inicial da narrativa: a Nanami, que nunca tinha se apaixonado por ninguém, se apaixona pela Yuu.

Imagem: Yuu e Nanami se beijando.

Reprodução: Panini.

A pré-confissão da Nanami soa até um tanto aleatória, para falar a verdade. Num momento elas estão conversando sobre um problema da Yuu e, no segundo seguinte, Nanami está dizendo que acha que vai gostar dela. E a partir desse evento inesperado, as engrenagens de Yagakimi começaram a girar.

Conforme Nanami se assume oficialmente apaixonada pela Yuu, a gente começa a entender algumas coisas sobre as duas personagens. Na verdade, elas vão se expandindo lentamente. A Nanami não é tão perfeita quanto parece e ela permite que a Yuu tenha acesso a esse lado imperfeito – e assim, Yuu enxerga através da aparente perfeição de sua senpai. E mesmo não estando apaixonada por ela, Yuu acaba tomando certas atitudes e se movendo por causa da Nanami.

A relação delas é um tanto esquisita, é quase engraçado, não por ser risível, mas por soar um tanto curioso. A Nanami diz saber que a Yuu não vai se apaixonar por ela, pois Yuu não é capaz de sentir algo especial por alguém, mas pede para poder continuar gostando dela. Para a Nanami, o sentimento em relação à personagem é satisfatório, porque ela também achava que nunca fosse gostar de ninguém.

A Yuu permite, mas também se sente frustrada e até mesmo traída. Na cabeça da Yuu, a Nanami era alguém como ela, alguém que também não era capaz de se apaixonar por ninguém, porém, a garota se apaixonou por ela. Ao mesmo tempo, acaba se movendo e tendo atitudes por causa da Nanami ou em resposta a algo relacionado à Nanami.

Imagem: Página com Yuu frustrada por Nanami não ser parecida com ela.

Reprodução: Panini.

Por um lado, a Yuu permite que a Nanami continue gostando dela, sem nem entender muito bem o porquê, mas por outro, acaba tendo atitudes motivadas por ela.

Embora a Yuu pareça quase apática em alguns momentos e sempre soe um pouco surpresa com o quanto a Nanami gosta dela e os olhares e expressões que a Nanami faz em frente à ela, a Yuu também se move sozinha.

Quando a Nanami está nervosa no dia do discurso, a Yuu inventa uma desculpa para que elas possam sair para tomar um ar, ela fala coisas que não tinha planejado só para defender a candidatura da Nanami ao Conselho.

Na maior parte do tempo, a Yuu soa condescendente. Ela está apenas permitindo que a Nanami goste dela, ela está fazendo as coisas que a Nanami pede por não ter motivo para negá-las, mas em alguns momentos, a Yuu toma atitudes que nem ela mesma entende. E provavelmente essa é a coisa mais interessante do primeiro volume de Yagakimi.

Essa história tem uma atmosfera consideravelmente emocional, parece que tem outras coisas por trás dessas personagens, tem algo a mais em todas elas e essas personagens estão iniciando uma busca por elas mesmas. Quem elas são, quais são seus sentimentos, a maneira como lidar com os sentimentos são todas questões que permeiam a trama, e iniciadas bem devagarinho nesse primeiro volume.

Pode ser que tenha um certo estranhamento, a relação da Nanami e da Yuu realmente tem uma atmosfera um tanto curiosa em alguns momentos, mas é isso que te faz querer acompanhar essa história. Não apenas quais fatos vão acontecer, como também de que maneira vai acontecer.

Tudo isso com uma arte bem bonita da Nakatani Nio, o que nos coloca às voltas com uma história curiosa, que foge um pouco de alguns motes mais convencionais de romance yuri e personagens bonitas. Motivos mais do que válidos para dar uma chance à narrativa.

A edição da Panini

Para não dizer que não falei das flores
Imagem: Yuu e Nanami perto de uma flor.

Reprodução: Nio Nakatani.

Deixando de lado a narrativa, vamos falar um pouquinho sobre a edição da Panini, mais especificamente a tradução. O primeiro aspecto sobre Yagakimi é provavelmente, de novo, a questão do título.

Infelizmente, o mangá está sendo publicado com o mesmo título da edição americana, nos tirando a oportunidade de ter um título em português que ressoasse com a proposta da obra tal como no japonês e no inglês. Entretanto, muito provavelmente trata-se de uma questão de licenciamento e a Panini foi impedida de traduzir o título, então isso é menos uma crítica à editora ou à tradução e mais um comentário.

Outro aspecto a ser mencionado é aquele que causa uma guerra na comunidade otaku: os honoríficos. Para quem gosta, os honoríficos foram mantidos, inclusive Yagakimi tem menos honoríficos do que parece ter em um primeiro olhar e ler em português torna isso mais perceptível. Para quem não gosta, esse é o momento de defender a escolha da tradutora de manter os honoríficos, justamente porque essa escolha vai facilitar a tradução mais pra frente.

Yagakimi tem uns dois diálogos consideravelmente importantes sobre a questão de uso de honoríficos entre as personagens e de uma dessas cenas decorre de todo o desenrolar da narrativa, então, realmente é uma situação que a manutenção é a maneira mais fácil de lidar com a posterior tradução dessas cenas e com o impacto de uma dessas cenas em específico.

E por falar em impacto, existem dois aspectos que chamam a atenção nessa tradução, um específico e outro mais geral. O primeiro, diz respeito à cena da pré-confissão da Nanami, a cena que encerra o primeiro volume. Em japonês a Nanami diz だって私君のこと好きになりそう (Datte watashi kimi no koto sukini narisou) e em português a tradução ficou “… eu sinto que vou gostar de você”.

Imagem: Nanami dizendo "eu sinto que vou gostar de você".

Reprodução: Panini.

A tradução para o português não é incorreta, na verdade é exatamente isso que a Nanami falou mesmo. Teve um omissão do だって e uma tradução de そう como “sinto” e não como “parece”, mas a ideia é essa mesmo. Entretanto, ela pode soar esquisita, porém é uma equação difícil de solucionar.

Essa dificuldade de resolução advém do fato de que a Yuu fica confusa a princípio, e ela só fica confusa porque すき é usado com o sentido de se apaixonar, mas ele também pode ser usado num sentido mais abrangente de gostar. Tem de saber ler o clima e não pode sair falando para qualquer um, mas não é impossível. E é isso que faz a Yuu não entender muito bem a Nanami.

Entretanto, em português, se ela dissesse “acho/ sinto/ parece que vou me apaixonar por você” aumentaria o impacto, mas aí não teria motivo para Yuu ficar confusa. Portanto, essa é uma cena um tanto incômoda, mas uma equação em aberto, de forma que dá para entender o raciocínio da tradutora.

O segundo aspecto é mais geral. Japoneses usam senpai e kouhai não só como honorífico, mas também como substantivos nas falas. Na língua portuguesa a gente não tem um par de palavras que resolva a tradução desses termos por completo em todos os contextos. O uso de veterano pode não ser esquisito num contexto de universidade, por exemplo, mas num contexto de escola soa estranho.

Imagem: Yuu falando de um "calouro".

Reprodução: Panini.

Infelizmente, essa tradução acaba utilizando esse par veterano e calouro em situações que caberia muito mais falar sobre um menino do segundo ano ou um menino mais velho ou outras expressões mais desdobradas. É verdade que é um ponto chato da tradução do japonês para o português, mas quando se torna recorrente, o uso desse par só se torna incomodo mesmo. E provavelmente, esse é o único aspecto realmente incômodo da tradução.

No geral, a edição está bem feitinha, sem página descolando, não há grandes erros de revisão e a tradução está satisfatória. Excluindo o uso recorrente do par veterano e calouro em algumas páginas, num geral a leitura funciona de forma fluida. Talvez com um pouco menos de impacto em algumas cenas, porém fluindo.

Então, resumindo, Yagakimi está no Brasil agora e é uma história gostosa de acompanhar. O primeiro volume é consideravelmente introdutório, mas joga várias iscas das temáticas a serem trabalhadas durante a narrativa e já apresenta várias personagens que serão importantes para o desenvolvimento da história. Existem algumas questões interessantes trabalhadas pela narrativa, que aparecerão nos próximos volumes. É uma estrada que vale a pena percorrer.


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Leia também o texto produzido pelo Kono Ai Setsu para o JBox sobre Bloom into You e os mangás yuri no Brasil. Clique e confira.


Ficha técnica

Bloom into You

Yagate Kimi ni Naru
Imagem: Capa nacional de 'Bloom into You'.

Divulgação: Panini.

Nio Nakatani
R$ 29,90
Editora Panini
Status no Japão: Finalizado em 8 volumes
Licenciante: ASCII Media Works/Kadokawa

 

Status no Brasil: 1 volume lançado
Periodicidade no Brasil: Bimestral
Data de lançamento: 23 de abril
Capa: Cartão
Formato: 13,7x20cm
Páginas: 186


Esta resenha foi produzida com base no primeiro volume de Bloom into You. A editora Panini cedeu o material ao JBox para divulgação.


O texto presente nesta resenha é de responsabilidade de seu autor e não reflete necessariamente a opinião do site JBox.