A partir dos anos 2000 as adaptações cinematográficas de histórias em quadrinhos finalmente tomaram fôlego e marcaram profundamente a indústria de Hollywood. Não que adaptações não tivessem sido realizadas antes, mas a partir do sucesso de X-Men, de Bryan Singer, esse tipo de produção passou a ter mais destaque simplesmente porque surgiu um nicho da imprensa que era genuinamente apaixonado por cultura pop.
Se nos EUA o mercado de produção dos live-actions se redimensionou de forma absurda, no Japão as adaptações de mangás nesse formato permaneciam contidas (com um Uzumaki, do mangá de Junji Ito, sendo lançado sem grande repercussão naquele período), com o campo da animação sempre ficando em maior evidência.
Talvez por conta dessa falta de “ousadia” (ou visão de mercado?) da indústria japonesa, tenha cabido a um diretor sul-coreano a oportunidade de produzir uma das mais aclamadas adaptações de um mangá para live-action em todos os tempos: Oldboy.
O filme de Park Chan-wook utiliza o enredo mais básico do mangá seinen da dupla Garon Tsuchiya (história) e Nobuaki Minegishi (quadrinização), publicado entre 1996 e 1998 nas páginas da revista Manga Action, da editora Futabasha, rendendo um total de 8 volumes encadernados — lançados no Brasil pela editora Nova Sampa entre 2013 e 2014, em meio à muita incerteza de sua conclusão por parte dos colecionadores.
Já o filme teve lançamento comercial a partir de 2005, com distribuição por aqui pela Europa Filmes, ganhando sua versão em DVD pela empresa no mesmo ano — com a devida indicação de “vencedor do Grande Prêmio do Júri do Festival de Cannes” do ano anterior. Mas em 2003 o filme circulava por festivais de cinema, como o Festival do Rio, gerando um burburinho da crítica especializada.
Parte de uma trilogia com o tema vingança, idealizada por Park Chan-wook a partir de 2002 (iniciado por Mr. Vingança em 2002, lançado aqui em DVD pela extinta Platina Filmes, e concluído com Lady Vingança em 2005, também lançado pela Platina no Brasil), Oldboy possui uma mistura de estilos que evoca os diretores Alfred Hitchcock e Quentin Tarantino, com uma entrega absurdamente chocante de roteiro.
Quando vi o filme em 2005, saí completamente incomodado com tudo por uma total falta de conhecimento sobre cinema. Quando assisti à sessão a convite da distribuidora Pandora Filmes, eu me dei conta do valor cinematográfico da obra e consigo ser capaz de entender o motivo pelo qual ele é tão elogiado por especialistas na área. Sabe Clube da Luta? Se você gostou, corra para assistir a Oldboy de qualquer forma, pois seus parâmetros de cinema serão reconfigurados.
Dei uma olhada no mangá e logo de cara posso afirmar que o filme eleva e muito a qualidade da trama original.
Arrastada e com momentos de virada desperdiçados (coisa que não ocorre de forma alguma no longa), o final de ambos é diferente e, por mais que seja possível respeitar quem critica a “licença poética” (macabra, rs) que Park Chan-wook deu para a obra japonesa, a verdade é que Oldboy em live-action é uma experiência que faz você sentir um desconforto na alma — coisa que o mangá não consegue nem de longe.
Para quem não conhece a história, Oldboy gira em torno de um homem chamado Oh Dae-su Oh (Shinichi Gotou, no mangá original) que, depois de ser preso por bebedeira e solto com a ajuda de um amigo, é sequestrado e mantido prisioneiro por 15 anos (10 anos no mangá), sem ter qualquer ideia do motivo.
Em seu cativeiro, ele é alimentado e pode assistir à TV — e através dela, ele descobre que foi acusado pela morte de sua esposa. Detalhe: Dae-su tinha uma filhinha de três anos e não faz ideia de qual será seu destino. Ah, e o cara foi preso/sequestrado no dia do aniversário da menina.
No primeiro ato do filme, assistimos então ao treinamento de Dae-su em seu cárcere, em meio a surtos e situações inexplicáveis onde nem o protagonista, nem você, vai conseguir decifrar o mistério. Eis que, do nada, Dae-su acorda livre no alto de um prédio com dinheiro, um celular e roupas novas. Começa então o segundo ato onde o ódio leva o protagonista a uma jornada de vingança que logo cede espaço para uma inquietude muito mais densa: afinal por que o libertaram?
Com uma crescente que te deixa tenso até o final, que é absurdamente consternador e amargo, o filme se destaca por aspectos técnicos que vão desde fotografia, passando por uma direção de arte expressiva e brutal (com mais vigor na versão remasterizada do lançamento, 20 anos depois), e uma cena de luta filmada em plano sequência que inspirou lutas como as vistas em John Wick e na série Demolidor, da Marvel. E a grotesca e inesquecível cena do polvo foi real, saibam vocês.
O próprio mangá, com seu traço rude e tons pretos e brancos, já proporciona uma carga dramática forte para a história, que conseguiu uma tridimensionalidade ímpar na visão de Park Chan-wook, que também costura algumas pontas soltas da trama original, fazendo uma virada de roteiro inebriante que conduz a um tom muito mais sádico (e lógico?) que o final do mangá.
Oldboy é um filme que evidencia com louvor a força do cinema asiático (sobretudo o coreano) e que promove sempre uma nova leitura a cada vez que você se depara com ele. E ignorem a versão americana do cineasta Spike Lee. Desnecessária para esse filme que já nasceu perturbadoramente clássico.
A presente resenha foi feita com base em exibição voltada para a imprensa, realizada pela distribuidora.
O texto presente nesta resenha é de responsabilidade de seu autor e não reflete necessariamente a opinião do site JBox.
Um caso raro no qual a adaptação é melhor que o material original, principalmente o final impactante do filme.