Kaiju No. 8 é uma das estreias que mais despertam atenção nessa temporada. Não por menos, a adaptação animada da obra de Naoya Matsumoto recebeu um tratamento global mais especial por parte da Crunchyroll, com os episódios sendo lançados simultaneamente com o Japão já com a opção de dublagem em português (são 4 episódios disponíveis no momento de publicação dessa matéria).

No último dia 3 de maio, nosso redator Jean Clemente visitou o estúdio Som de Vera Cruz no Rio de Janeiro para entrevistar os dubladores do animê, e entender de perto a percepção do elenco brasileiro da obra. Estavam por lá o diretor Erick Bougleux, e os atores Leonardo Santhos (Kafka), Heitor Assali (Reno) e Marianna Alexandre (Kikoru).

A seguir você confere a transcrição dessa conversa. Alguns trechos sofreram leves alterações visando uma melhor experiência de leitura, mas nada que altere o sentido original.

 

JBox: Quais foram suas impressões iniciais sobre Kaiju No. 8 quando receberam o material?

Erick: Quando soube que a gente ia receber o material e que eu iria dirigir o Kaiju No. 8, fiquei muito empolgado porque gosto muito de animê. Eu já conhecia de fama, ainda não tinha pegado para ler o mangá. Comecei a ler quando recebi o projeto para dirigir.

E aí, como todo projeto — principalmente de animê, que é uma coisa que gosto — mergulho fundo. Gosto de entender os personagens, para quando chegar no 1º episódio, já chegar nos “trinques”, como falam meus digníssimos. Então, é uma coisa que eu já gosto naturalmente de consumir, e junta isso com trabalho, fica tudo feito com muito carinho.

Heitor: Eu já conhecia o mangá. Já tinha lido boa parte dele — não cheguei a ler tudo. Então, meio que sabia onde estava me metendo e o que esperar. Só foi uma surpresa mesmo ter recebido a notícia de que passei no teste e quando começamos a gravar me senti em casa, porque também é um conteúdo que gosto muito de consumir. E era um personagem que eu adoro, num mangá que eu adoro e agora num animê que eu adoro. Então, pra mim foi sensacional a gente descobrir isso e poder entrar neste mundo de fato.

Marianna: Acho que de todos, sou a única que não conhecia. Como não conhecia, acho que a primeira impressão que tive foi muito boa do animê em si e da personagem também. E ver depois a reação da galera, com este hype todo com Kaiju No. 8, está sendo uma honra fazer parte deste time também.

Leonardo: Eu conhecia de nome. Mas assim, confesso que fiquei surpreso pois achei que seria aquele shounen de luta, com personagens frios e pesados. Mas pra mim foi uma surpresa muito grande. Não só o Kafka, mas a série em si é carismática. Tem essa dinâmica de comédia o tempo todo, mas sem a tornar um animê de comédia. Isso pra mim foi sensacional. E o Kafka é bobão igual a mim.

 

Vocês já haviam tido contato com outras obras de kaiju antes de Kaiju No. 8?

E: Da minha parte, tudo [que é] nerd. Conhecer kaiju, King Kong, Godzilla, Super Sentai… Tá tudo em casa.

A produção de Kaiju No. 8 está bem voltada para o público internacional, algo que pode ser observado não só na inédita exibição que acontece de forma “ao vivo” em todo o mundo, mas até mesmo também nas escolhas de artistas americanos para as músicas de abertura [vídeo acima] e encerramento. Considerando essas coisas, quais são os cuidados tomados para fazer jus a esse foco expansivo da produção? Existe alguma diferença em relação ao trabalho com outros animês?

E: Acho que o cuidado que temos é o mesmo que temos com qualquer produção, independentemente do foco internacional ou de estar em simuldub. Todos os trabalhos que pego pra dirigir são tratados com muito esmero, com muito carinho, para seja lá qual for a quantidade de pessoas que irá assistir. Óbvio que um projeto deste tamanho é sempre legal de acontecer, mas como trabalho, não muda para mim. É legal ter um trabalho nosso com uma divulgação tão grande, com dublagem simultânea, que é uma coisa mais inédita. Então, esse passinho à frente na divulgação do trabalho é muito legal e espero que aconteça muito daqui pra frente. Mas, interferir no meu processo, não muda muito porque sempre fiz tudo com muito cuidadinho.

M: É isso, acho que o que o Erick falou é bem verdade. Estar aqui falando sobre animê e dublagem é uma oportunidade que nunca tive. Esse marketing que a Crunchyroll está fazendo internacionalmente está sendo bem incrível para todos os lados: dos fãs, dos dubladores, dos animadores…

H: Acho que essa visibilidade do nosso trabalho, da dublagem brasileira em si, é sempre boa, porque eu acho que de uns tempos pra cá foi se falando mais. Mais gente interessada. Então, cada oportunidade que a gente tem de divulgar mais nosso trabalho e ter gente que quer saber mais, é sempre válido pro nosso crescimento e pra expandir mais nossa profissão.

M: E consumir mesmo.

H: Exato. Divulgar cada vez mais esse conteúdo dublado, até por questão de acessibilidade, para todos poderem curtir a obra independentemente de uma legenda. Claro, a vantagem que temos desse animê é que ele sai tanto legendado quanto dublado, aí fica a gosto do freguês como quer assistir ou não.

L: E a gente sempre busca naturalidade na interpretação das coisas. Por mais absurda que seja a produção. Tem gente que pensa que produção de animê tem que ser “assim ou assado”. Não, é uma produção que você tem que ter naturalidade. Tem o tom da produção, que você precisa saber, mas não necessariamente uma interpretação especial pra isso. Saber o tom das cenas. E você vê que é uma produção que foi pensada não só pra ser animê de fato. O próprio traço tem um aspecto mais internacional, lembra outras produções. Não um animê que vai ficar taxado como um animê, o que pode afastar quem não gosta. É uma produção, assiste. Não ache que é só animê. Até por isso bandas internacionais – e por que não, dublador internacional? Internacional de Água Santa. (Risos)

 

imagem: equipe de Kaiju no. 8 reunida

Imagem: Diuvlgação/TOHO Animation

No animê, começamos acompanhando o grupo que realiza a limpeza após as batalhas com os monstros. Um serviço essencial, mas que não é muito visto. Assim como a dublagem, em que muitos reconhecem o trabalho, mas muitas vezes não o rosto. Como é essa ligação, principalmente hoje em que há uma aproximação graças à Internet?

E: Isso mudou muito nos últimos anos. Eu comecei a dublar há 23 anos.

M: Quando eu nasci!

E: Exatamente. Na época que comecei a dublar séries, como por exemplo Todo Mundo Odeia o Chris e Dois Homens e Meio, foram séries que fizeram sucesso. Mas foram séries de uma época que não existia o boom de redes sociais que existe hoje em dia. Não existia essa conversa, essa troca

M: Eram vozes sem rosto.

E: E não tinha como chegar ao meu rosto por não ter redes sociais. E conforme isso foi evoluindo com o tempo, a Internet foi chegando, começamos a ganhar rosto e mais visibilidade. Uma coisa recente, de uns 10 anos pra cá.

M: Houve um aumento no interesse do público em querer saber quem somos.

E: É uma mudança muito louca sentir as pessoas te reconhecerem pelo seu rosto, e não apenas pela sua voz. Antigamente era: “Me vê uma água aí!”, “Opa, acho que conheço conheço essa voz”. Agora não. É um universo muito maior, como ela falou, de pessoas que se aprofundam. E uma coisa que gosto muito de Kaiju é esse plot no começo, o lance da limpeza.

M: Que a gente não vê isso em nenhum filme.

H: Alguém tem que limpar.

M: Eu nunca tinha pensado nisso. Quando vi o primeiro episódio, falei: “Caraca, faz todo sentido. Tem alguém que limpa.”

E: E isso tem utilidade lá na frente. Essa função do Kafka de limpeza vai ser útil no futuro. Sem dar spoiler, mas vocês vão gostar se já gostaram dessa parte. É muito louco esse paralelo.

H: É louco pensar hoje em dia, quando vemos dubladores novos chegando, eles já chegam tendo um rosto. Diferente de 10 anos atrás, em que as pessoas iriam te conhecer em eventos. Por exemplo, quando os animês estouraram aqui no Brasil, as pessoas começaram a botar rostos nas vozes por causa dos eventos em que passaram a ser chamados os elencos de Os Cavaleiros do Zodíaco e de Dragon Ball.

M: E os eventos não existiam.

H: E eles foram crescendo junto com as redes sociais e a internet em si. Hoje tem pessoas novas que você já conhece o rosto antes de conhecer a voz.

E: Mas não entrem na dublagem com essa utilidade, gente!

M: Se for parar pra pensar, na divulgação de Kaiju No. 8, divulgaram os personagens com as nossas caras. Quais seriam as vozes no Brasil.

E: A Crunchyroll tem uma valorização dos dubladores desde sempre. E esse negócio dos eventos terem crescido é uma coisa muito legal, porque é um espaço de troca. Porque nosso trabalho é meio solitário, sozinho no estúdio, cada um no seu tempo. O tempo que temos das pessoas falarem com a gente. Como influenciou a vida da pessoa, que às vezes estava em um momento difícil. Isso mexe muito com a gente.

M: Eu e o Heitor pudemos participar do evento da Crunchyroll em SP, onde exibiram 2 episódios e pudemos ver a reação da plateia. Isso foi muito legal. Ver que o que mudei no texto funcionou, porque não é igual ao teatro, onde temos a reação da plateia. Então é muito gostoso ter essa troca.

 

imagem: cena do 1º episódio de Kaiju no. 8, com Kafka e Reno em meio à limpeza

Imagem: Reprodução/Crunchyroll/TOHO Animation

Em Kaiju No. 8, vemos um lado diferente dos grandiosos combates contra kaiju, já que o foco inicial da série é justamente a limpeza dos locais onde houve batalhas contra os monstros. Como vocês se sentiram vendo isso e como foi lidar com essas cenas mais nojentas na hora de atuar? Pensaram em alguma coisa para ajudar?

H: O Léo foi quem mais gravou essas cenas.

L: O que eu faço é pegar a fralda do cachorro perto de mim.

H,E: Um ator de método.

M: Mentira!

E: Sabe que alguém vai acreditar nisso, né Leo?

L: Claro que não na boca, pra não atrapalhar a dicção.

M: Não é possível! Imagina trazer uma fralda da minha cachorra pro estúdio.

H: Como chegamos nisso?

L: Mentira, nem tenho cachorro.

E: Por isso que tá em remoto. Se precisar cortar a conexão, é rápido.

M: Mas fala a verdade, você imagina alguma coisa?

L: Só a referência que a gente tem. Eu lembro das sensações.

 

Léo, vemos durante o animê que Kafka, apesar de ter ganhado enormes poderes como um kaiju, acaba tendo que escondê-los para não chamar a atenção, mas ele também demonstra querer ser justo com os outros que lutam contra os monstros. Como você enxerga essa abordagem mais humilde do protagonista?

imagem: ilustração do personagem Kafka

Kafka Hibino. | Imagem: Divulgação/TOHO Animation

L: O sonho dele não é ser forte, é ser parte da Força de Defesa. Então, se tornar um kaiju não é o sonho dele, agora é a sina. Ele ser um oficial da Força de Defesa é o sonho dele, não acho que ele usaria esse “hack”.

Se parar pra ver, o que ajudou a passar da segunda fase é mostrar que conhece o que tem nas entranhas do kaiju. Mandar atirar na barriga, falar que o sistema digestivo é fraco. Essas experiências todas não foram porque ele é um kaiju. Acho que isso é importante pra ele. O sonho dele não é ser poderoso ou exterminar os kaijus. É se tornar membro da Força de Defesa, e se tornar um kaiju ou não acaba sendo indiferente nessa parte.

 

Marianna, a Kikoru aparece no animê como uma personagem que acaba, meio que sem querer, se tornando um tipo de rival de Kafka, sem falar que ele acaba virando motivo de chacota para ela. Como foi transmitir esse traço de personalidade mais ácido da personagem?

imagem: ilustração da personagem Kikoru

Kikoru Shinomiya | Imagem: Divulgação/TOHO Animation

M: Eu acho que vemos desde o início que ela tem meio que uma casca e é meio marrenta. Isso vai ser explorado nos próximos episódios e a galera vai entender o porquê. E é muito legal também ver que ela é uma figura feminina jovem que não se deixa abater. Ela sabe o que quer, qual o seu potencial.

Quanto ao ácido, gosto de ouvir a musicalidade no original e também trazer um pouco da minha bagagem junto à ajuda do Erick. Ele sempre fala, dá umas direções muito bacanas. Eu gosto muito de me divertir e ela é uma personagem que não é uma coisa só . E ela é muito assim. Vamos ver várias nuances e camadas da Kikoru. Não só essa menina marrenta. Tem gente que pode não ter gostado dela no início, mas ela não vai virar rival dele não. Vai ser divertido. A história deles vai ser maneira.

 

Heitor, por outro lado, ao contrário de Rikoku, o Reno acaba se tornado um brotherzão de Kafka, mesmo que a impressão inicial tenha sido de que ele seria um rival para o protagonista. Como foi transmitir essa transição?

imagem: ilustração da personagem Reno

Reno Ishikawa | Imagem: Divulgação/TOHO Animation

H: O Reno é muito convicto do que quer. Ele quer entrar na Força de Defesa, e quando descobre que o Kafka é um cara que tentou algumas vezes e meio que desistiu desse sonho, ele fala: “mas como assim? Por que você desistiu? Se é uma parada que você quer, vai atrás”. E essa é a personalidade do Reno.

E ao longo do tempo, conforme eles vão se aproximando mais, principalmente neste começo, no período que o Reno trabalha ali na na parte da limpeza, que ele aprende mais as coisas e mais a respeito do Kafka. E ele pensa que é um cara que tem uma frustração, mas que quando precisam, está ali para ajudar. É a cara da Força de Defesa. Pega na mão e diz “vamos juntos, você não vai desistir agora”.

“Eu já entendi que você tem essa vontade aí dentro. Então, vamos juntos”. Conforme vamos dublando, vemos essa amizade fluindo a partir de tudo isso, dessas vivências, quando os dois têm que enfrentar o primeiro kaiju e nenhum deles tem preparo para aquilo. A partir dali se cria um vínculo, eles até brincam que são rivais no processo seletivo, mas os dois são amigos e estão apoiando um o sonho do outro, independentemente do Kafka ser um kaiju.

Ele ser um kaiju adicionou mais uma camada pro Reno porque agora, apesar de tudo, ele virou uma babá pro Kafka, né? Ele tem que tomar um cuidado pro cara não se transformar na frente dos outros porque vai ser um problema. Isso acaba dando uma maior camada pra ele e trazemos tudo na dublagem, conforme o original está propondo. A amizade só vai evoluindo com os episódios.

 

Erick, existem alguns momentos que podem passar despercebidos, mas que são importantes para a ambientação da história, como os que são repassadas instruções para os esquadrões durante as lutas ou a exibição de notícias ao mesmo tempo da ação. Como é o processo de lidar com essas falas mais cheias de jargões e introduzi-las durante a ação sem tudo ficar caótico?

E: É um trabalho divertido. É o que a Mariana comenta de ser como um maestro: você tem várias vozes individuais trabalhando em momentos individuais, e você tem que fazê-las trabalharem em harmonia. O Heitor gravou no começo do dia, a Mari vai gravar às 21h, mas os seus personagens estão interagindo e precisa parecer natural. Porque antigamente, quando a gente dublava, era junto. Rolava essa interação em tempo real.

Hoje em dia, com a evolução da tecnologia, as pessoas gravam separadamente, mas nós temos que manter essa troca, essa harmonia. O trabalho do diretor meio que serve também pra você dar um rosto, uma unidade, para o trabalho. E nessas cenas de ação com muita gente gritando e muita coisa acontecendo, soldados pra lá e pra cá, é uma coisa desafiadora, mas divertida de se trabalhar. Ir montando a cena.

E você, ao longo do dia, assistindo a cena nascer. Primeiro vem o Heitor, depois o Soldado #02, depois a Mari, depois o Léo. A cena vai ficando composta. É parte do trabalho, mas uma parte muito legal.

 

Para finalizar, um recado final para os nossos leitores.

imagem: foto com o elenco principal de dubladores de Kaiju No. 8

Da esq. p/ dir.: Heitor Assali, Marianna Alexandre, Leonardo Santhos (no laptop) e Erick Bougleux | Foto: Jean Clemente/JBox

E: Não perca Kaiju No. 8, só na Crunchyroll!

M: … Dublado!

E: Dublagem simultânea, saindo ao mesmo que o tempo que o Japão e que o legendado.

H: Todo sábado!

M: Vocês não podem perder porque é um animê que mistura ação, drama, comédia — muita comédia. E está muito divertido. E muito kaiju.

H: E não podemos falar, mas tem muita coisa boa vindo aí!

L: Não deixem de assistir Kaiju No. 8. Vão se emocionar e se divertir muito!


Reportagem: Jean Clemente e Talles Queiroz/”Teke” | Captação in loco e transcrição: Jean Clemente | Edição e revisão: Rafael Jiback, Laura Gassert e Jean Clemente | Assistência: Leandro “Larc”, Som de Vera Cruz, Agência Masamune e Crunchyroll | Fotos: Jean Clemente