Batman VS Superman: A Origem da Justiça (Zack Snyder, 2016) é um filme estranho, que sofre pelo excesso. Servindo como eventual ponto de partida para um universo cinematográfico com personagens da DC Comics na Warner, o longa tenta encapsular em algumas horas de duração uma porção de elementos iniciais retirados dos quadrinhos e já adaptados outros momentos até em outras mídias, mas que acabam sendo pouco desenvolvidos conforme a trama é contada. A introdução de dois heróis diferentes (Batman, Mulher-Maravilha), o relance de três outros (Ciborgue, Flash, Aquaman), dois vilões (Lex Luthor, Apocalipse), além de argumentos de diversos gibis (O Cavaleiros das Trevas, A Morte de Superman, Trinity, dentre outros).

Transpor produtos de outras mídias para a sétima arte é um trabalho que exige dos responsáveis o entendimento de que, antes de tudo, cinema é… Cinema. Que os minutos em tela precisam fazer sentido dentro daquele microuniverso criado para o espectador. Que não é preciso abraçar o mundo de referências dentro da obra original caso isso não seja necessário. Que a obrigação, sim, é contar direito uma história. E se a fita enrolada pelo Zack Snyder é um exemplo contrário disso, a recém-lançada adaptação de Bleach (Shinsuke Sato) para as telonas é um encaixe bem ideal – sendo um dos melhores filmes inspirados em um mangá/anime dos últimos anos.

A história tem como engate o acidental mergulho do estudante Ichigo Kurosaki, um paranormal com a capacidade de enxergar fantasmas e outras coisas que não deveriam habitar esse plano, num mundo fantástico que até então lhe era desconhecido, ao topar com a shinigami (ceifadora de almas) Rukia Kuchiki. Quando sua casa é atacada por um hollow (tipo de monstro espiritual que se alimenta de almas), o garoto se vê obrigado a transformar-se num ceifador para salvar sua vida, absorvendo os poderes de Rukia, que fica presa no mundo humano por consequência.

E o que vem em diante são vários minutos de diversão cinematográfica a partir dos desdobramentos desse fato. Todos bem amarrados, coerentes, bem contados, auxiliados por personagens bastante carismáticos, diferentes entre si, caracterizações ótimas e coletâneas de cenas memoráveis. Tudo com base no início do mangá de mesmo nome criado por Tite Kubo, serializado na Weekly Shonen Jump entre 2001 e 2016, com 74 volumes e mais de 87 milhões de cópias vendidas. No entanto, não se obrigando a seguir à risca o já feito antes, sim adequando corretamente para a linguagem das telonas.

O roteiro consegue traçar arcos narrativos bem bolados e que dão uma sensação de dever cumprido ao final do filme, com vários dos personagens partindo de um ponto, aprendendo através de experiências e encerrando suas atividades melhores do que como começaram. Ichigo segue a jornada do herói, se vendo com poderes adquiridos à circunstância, mas precisando treinar para entender melhor no que está metido e enfrentar os problemas que vão surgindo. Rukia começa como alguém que não enxerga na humanidade iguais, sim inferiores, mas vai criando laços pela convivência com Ichigo, afeição, precisando, inclusive, negar isso ao final para protegê-lo (numa cena bem bonita, inclusive). E o mesmo vale para o elenco secundário, como um par de ceifadores superiores à Rukia entendendo que podem ser superados e um outro tipo de caçador de hollows superando o que seria uma obrigatória rivalidade pelo bem maior de todos.

Tudo é bem contato, com a simplicidade do roteiro sendo eficaz para que usem o tempo em tela para explorar as relações entre os personagens e se aprofundar no drama quando é preciso emoção, na comédia quando é preciso aliviar a pressão, na ação quando é preciso agitar as coisas. Através de ações, pouco por explicações expositivas. As motivações de Ichigo vêm de um evento em sua infância, cuja culpa lhe serve como um gatilho para seguir em frente e ajudar outros. Isso é mostrado numa cena incompleta ao início e preenchido quando necessário por flashbacks.

A cidade preenchida por ícones visuais coloridos, tornando crível personagens com figurinos fantasiosos interagindo nela…

Há uma gag repetida pelo elenco colegial em sala de aula sempre após eventos mais intensos, que poderiam ser trágicos, bem engraçada de assistir. Os segmentos de ação são todos bem feitos, com uma sequência de três lutas ao final ótimas. O uso de cgi é impressionantemente bom, levando em conta o orçamento do longa (1 milhão e meio de dólares), com criaturas monstruosas em fotografias claras não desvencilhando a atenção da experiência. A caracterização de cenário e figurinos é bem interessante, com visuais nada comuns conseguindo se sustentar em tela sem parecer caricatos ou deslocados.

Não que Bleach, como um filme, inove, rompa barreiras, apresente algo que vá subverter o gênero ou coisa do tipo. Mas não é como se isso, ao fim, fosse necessário para entregar um bom longa-metragem. E é o que temos aqui. É cinema pensado como cinema, por isso funciona como adaptação.

https://www.youtube.com/watch?v=xdApUdweh-0


Bleach está disponível com exclusividade na Netflix, com opções legendada e dublada em português.