In/Spectre é um animê dirigido por Keiji Gotoh (Endride), com roteiro de Noboru Takagi e produção do estúdio Brain’s Base (Durarara!!, Blood Lad, Servamp, Duel Masters!!). Ele é original de uma light novel com autoria de Kyo Shirodaira, publicada no Japão pela Kodansha, desde 2011, possuindo também um mangá, com ilustração de Chasiba Katase, da mesma editora, publicado nas revistas Shounen Magazine R e Monthly Shounen desde 2015, já com 11 volumes encadernados. Ambos são inéditos aqui no Brasil. O texto abaixo leva em consideração apenas o que foi apresentado na animação, não se baseando no que já foi entregue na obra original.


Você nunca deve subestimar um bode…

Primeiros episódios são difíceis. De animê, série live-action, tanto faz. Teoricamente, é preciso que, neles, o espectador seja apresentado ao mundo cuja história está sendo contada, às regras daquele universo, personagens, mas não tanto, de modo a não atropelar informações e sobrecarregar o HD, afastando o potencial fã por complicações demais já de cara. É preciso que o tom da obra seja apresentado adequadamente, com isso sendo feito da melhor maneira possível dentro do início de enredo em desenvolvimento, exemplificando qual será o clima da narrativa dali em diante. Goblin Slayer (2018), por exemplo, falha bastante nesse quesito, com um piloto sombrio que em nada casa com o tom aventuresco que a série exibiria nos episódios seguintes. Além disso, talvez o mais importante em tudo: é necessário que ele funcione isolado como entretenimento, juntando essas “obrigações” com o que de mais esperto e divertido a equipe de criação tiver para construir cenas divertidas e um início de trajetória empolgante o suficiente para manter o interesse do público em conferir o que virá na sequência.

Alguns animês fazem tudo isso aí com brilhantismo. Citando dois clássicos incontestáveis: o de Pokémon (1997), caprichando na inserção de tal universo, mostrando os rituais de um treinador novato (ir até o laboratório do Professor Carvalho, escolher um dos iniciais, ganhar sua PokéDex, por aí vai) junto de uma aventura episódica (literalmente) eletrizante do início ao fim; e o de Naruto (2002), que não só inteira sobre todo o drama vivido pelo personagem de mesmo nome e os preconceitos do resto da vila contra ele, como entrega sequências de ação envolvendo herói, vilão, perseguições e redenção. Ambos perfeitos como pontapé inicial e como obras fechadas em si.

Difícil saber como será essa temporada japonesa de inverno para a qualidade dos animês em geral, mas ao menos um deles já largou com um piloto realmente excelente: In/Spectre. Nele, somos apresentados aos protagonistas, Kotoko e Kurou, de um modo bastante esquisito, mas estranhamente envolvente de assistir. Toda sua primeira metade gira em torno de um diálogo entre a dupla, quase casual numa primeira passada de olho, mas que vai ganhando contornos de mistério conforme certas “viradas de mesa” são mostradas.

É como acompanhar uma boneca russa se desvelando. Somos levados a acreditar que aquilo pode ser um caso de menina mais nova de Ensino Médio se apaixonando por um cara universitário, comum em romances shoujo. Então, o curso muda para uma trama envolvendo particularidades da Kotoko, com habilidades sobrenaturais ocasionadas por um evento específico de sua vida. Quanto a Kurou, primeiro, somos encaminhados a pintá-lo como uma jovem vítima em determinada passagem recente, também sobrenatural, que ele relata. Mas a boneca tinha ainda outra camada escondida, com o que se construía narrativamente, até então, sendo jogado para o ar.

Isso tudo feito apenas com diálogos afiados e o auxílio de flashbacks, que ora traçam uma silhueta convincente de arquétipos óbvios, ora desmontam isso em viradas de mesa. E quando essa longa cena que cobre a primeira metade do episódio termina, já há o suficiente para que entendamos daquele mundo: que essa será uma história envolvendo diferentes criaturas do folclore paranormal japonês; que Kotoko age como um tipo de mediadora “Juniper Lee” entre o mundo humano e o que há além desse véu; que o Kurou terá um papel importante no que acontecer em seguida; e que muitos são os prováveis mistérios nisso tudo.

E aí, sobra o espaço de mais meio episódio para todo tipo de diversão relacionada a animês de ação, contando com uma ameaça perigosíssima que obriga os personagens a exibirem suas técnicas de luta e poderes especiais ao fim e uma porção de gags visuais divertidíssimas de assistir. Adoro todo o segmento do ônibus, desde o “terror humorístico” do samurai até a carinha dela admirando a beleza do Kurou na calçada.

O primeiro episódio de In/Spectre é um delicioso caso de “tá tudo lá”. Humor on point, cenas de ação empolgantes, um grande espaço para possibilidades e um belo exemplo de como roteiristas podem utilizar o texto para construir tensão, mistério e tirar o nosso chão através de diálogos. Bom o suficiente para dar vontade de ver o resto. Espero que, daí em diante, só melhore.

Onde assistir

Aqui no Brasil, In/Spectre é exibido na Crunchyroll, com o áudio original em japonês e opção de legendas em português. Os episódios vão ao ar todo sábado, às 16h.