Você consegue pensar em qual foi o melhor animê da década passada (a de 2010, no caso)? Eu tenho dificuldade. São muitas temporadas, muitos lançamentos, muitos pontos altos. Daria trabalho formular justificativas para que determinada obra se sobressaísse ante outras também importantes. Mas e o pior? Pra mim, é mais fácil. Nenhum outro título conseguiu chafurdar tanto na lama do baixo nível quanto o tenebroso Eromanga Sensei.

Lançado pelo estúdio A-1 Pictures (The Seven Deadly Sins, Blue Exorcist, etc.) em 2017, o desenho adapta a light novel de mesmo nome, do autor Tsukasa Fushimi, que começou a ser publicada em 2013 e já acumula 12 volumes fechados. Na trama, acompanhamos Masamune, também autor de light novels, que trabalha em parceria com um ilustrador erótico autointitulado “Eromanga-sensei”, que ele não conhece pessoalmente, nem mesmo viu sua cara online. Por um acaso, o rapaz descobre que tal desenhista é, na verdade, sua irmã mais nova adotiva, Sagiri, que, após a morte de seus pais, se recusa a sair do quarto. Nessa, mil coisas começam a acontecer, tendo como fio cômico a carreira dele, a interação entre os dois e como ambos vão inserindo e lidando com outras pessoas que chegam à relação.

A indústria do “entretenimento otaku” (que inclui animês seriados, em longa-metragem, mangás, novels e mais), dos produtores aos consumidores, tem alta tolerância para temas considerados tabus, ilustrando num verniz pop situações que podem ser tomadas como estranhas aos que olham de fora. Creio que vai da subjetividade de cada um estipular o que consegue tolerar ou não, levando em conta princípios pessoais e experiência de vida. Enquanto, em certos casos, alguns desses fatores até que podem ser suportados em prol de um aproveitamento maior, pois, quando colocados junto com todo o pacote, eles são só um ponto considerável esquisito, em outros, eles incomodam a ponto de toda a experiência ser estragada.

Eromanga Sensei explora aquele fetiche lolicon da “imouto“: uma dupla de irmãos, geralmente adotivos, comumente composta por um garoto adolescente mais velho e uma menina pré-adolescente mais nova, onde a segunda se encanta pelo primogênito e a trama dá a entender que o sentimento pode ser mútuo, ainda que não aconteça nada de verdade. Esse é um clichê bastante repetido nesse nicho. E embora eu mesmo ache bizarro demais para processar, conheço ao menos duas séries que considero muito boas a usá-los, No Game, No Life, onde dois nerds são enviados prum mundo de jogos, e Rascal Does Not Dream of Bunny Girl Senpai, que escrevi mais sobre à época do lançamento (leia aqui).

O que difere ambos de Eromanga Sensei é que essa iteração lolicon neles é apenas uma característica dentro da história, que podemos acompanhar e enxergar de forma crítica, mas ainda assim aproveitar e se encantar com todas as outras coisas presentes ali, interessantes em diferentes níveis. Eromanga Sensei, contudo, sequer se preocupa em construir ou trabalhar artifícios de entretenimento que não sejam esse erotismo. Todo ele é composto de várias situações ecchi quase pornográficas dispostas unicamente pelo choque.

O trabalho secreto de Sagiri…

A série segue à risca alguns conceitos básicos de tramas harém, mas acaba por não impressionar muito ou mostrar qualquer inventividade dentro do segmento. O protagonista se vê cercado por diferentes garotas que, sabe-se lá por qual motivo, acabam se interessando por ele e externam isso de variadas formas, indo da tímida e recatada esperando ele a notar, à mais atirada, à tsundere, etc. Ironicamente, a única que ele realmente demonstra algum sentimento é sua irmã caçula. E é aí que as coisas começam a ficar meio intragáveis.

São várias e várias situações onde há uma erotização totalmente desnecessária da Sagiri. A maneira como o relacionamento dela com o Masamune é retratado mistura o amor e afeto que existe entre irmãos com algo mais sexual. E tudo isso é escrito dum jeito idealizado, sem espaço para críticas no texto, pano para interpretações, elucidações. A menina é diversas vezes colocada em cena de maneira sugestiva, em closes ginecológicos, comportando-se de maneira que, dentro da narrativa, insinue que ela está “provocando” o irmão mais velho. O que se agrava ainda com a personalidade mais sacana que os roteiristas atribuíram à ela ainda quando bem nova.

Isso se espalha também para outros pontos da história. Em dado episódio, há um segmento onde Masamune entra na casa de uma novelista rival sem que ela perceba, flagrando-a tocando piano totalmente despida. Ela também é bem mais nova que ele. E não existe qualquer contexto aceitável que justificasse a cena. Como todo o animê, aconteceu apenas pela controvérsia.

Lá fora, há quem enxergue problema. Após a queixa de uma integrante do Conselho Legislativo do sul da Austrália, os volumes de sua adaptação em mangá foram retirados das prateleiras de uma famosa livraria em Sidney, alegando que o material apresentava conteúdo pornográfico infantil (no Japão, isso não se aplica para desenhos).

Mas também há quem defenda. Durante sua exibição, era bastante comentado em grupos e redes sociais, conquistou uma fanbase bem forte. O youtuber britânico Gigguk, com quase dois milhões e meio de inscritos em seu canal, nesse vídeo hilário, diz que ele é tão terrível, mas tão grotesco, que faz a volta e ser torna uma obra-prima trash contemporânea. Nah, discordo. Ele não faz a volta.

Eromanga Sensei é apenas isso, são apenas os jogos sacanas entre o protagonista e meninas mais jovens que ele. O roteiro é muito fraco, os arcos são muito bobos, as motivações são demasiadamente bestas. E levando em conta que as piadas causam mais vergonha alheia que vontade de rir, o aproveitamento final é quase nulo. Pra mim, o pior da década passada.


Disponível oficialmente, com áudio original e legendas em português, na Crunchyroll.