Ano passado os fãs de The World Ends With You foram pegos de surpresas com dois anúncios de trouxeram a alegria de todo mundo: o jogo ganharia uma adaptação para animê e também sua aguardada sequência.

Foi possível notar entre os fãs uma grande empolgação com o animê, porém também certo receio considerando que a fama de adaptações de jogos, principalmente RPGs, para séries animadas não têm um bom histórico de fazer jus ao material original, incapazes de transferir todo o sentimento da história de maneira satisfatória. The World Ends With You, infelizmente, caiu no mesmo problema.

A série tem como personagem principal o personagem Neku Sakuraba, protagonista que já começa a história morto, porém sem memórias disso. Ele ganha uma chance de voltar a viver com o Jogo dos Ceifadores. O Jogo de uma semana exige um parceiro e é assim que Neku conhece Shiki, Joshua, Beat e Rhyme.

Imagem: Os 4 personagens de 'The World Ends With You' num trem.

Reprodução: Domerica/Shin-Ei/Funimation.

A produção feita em parceria dos estúdios DOMERICA e Shin-Ei Animation, The World Ends With You veio com uma proposta visual difícil, notada logo em seu primeiro trailer: trazer o máximo de fidelidade possível ao estilo visual do game, um dos grandes atrativos do público.

Isso, de certa forma, foi alcançado no resultado final, porém era claro que o que sofreria com isso seriam as sequências animadas. Manter um estilo visual com traços tão fortes e designs detalhados como o do jogo não seria tarefa fácil para os animadores, ainda mais nas condições difíceis que toda indústria está passando por causa da pandemia.

Houve bastante apelo para recursos de animação CG para as cenas de luta que, sim, é algo que vem evoluindo, porém na maior parte das vezes não funciona tão bem, apesar de em alguns episódios entregarem um resultado melhor. Diversas batalhas ficaram bem limitadas, acabando sendo anticlimáticas. Felizmente, algumas cenas de ação em específico tiveram um tratamento melhor, principalmente com o jogo de câmera, algo bem legal de ver mais próximo dos episódios finais.

Imagem: Neku atacando um bichão.

Reprodução: Domerica/Shin-Ei/Funimation.

No entanto, o grande problema do animê de The World Ends With You está longe de ser a animação. Claro, se espera cenas de batalhas ótimas para representar a ação frenética do jogo de origem, porém o grande ponto de RPGs no fim das contas são suas histórias.

The World Ends With You é um jogo que, de certa forma, encantou bastante gente. O título é um dos jogos mais elogiados de Nintendo DS e conseguiu ganhar um grande repercussão com o público. Também foi sucesso de crítica, dando ainda mais peso para o título.

Um grande motivo por trás de toda essa recepção é o quanto ele conversava com o público jovem da época, criando todo um senso de identidade, baseado principalmente no crescimento de diversos círculos culturais dentro do Japão, que tiveram grande explosão, principalmente na segunda metade dos anos 90 e ao decorrer dos anos 2000.

Movimentos culturais de todos os tipos borbulhavam pelo Japão. Era possível notar todo esse expoente principalmente em regiões centrais de Tóquio, incluindo Shibuya. Bom, no fim das contas o jogo não alcançou apenas esse público, já que sua diversidade de movimentos conquistou pessoas pelo mundo todo, mas continuou tocando principal aquele coração da cultura pop do Japão. Um grande público que estava envolvido com música, arte de rua, moda, animês, jogos, enfim. A criação de arte como um todo.

Esse ponto em especial é muito importante para a história de The World Ends With You, mesmo que a impressão inicial seja apenas de jovens lutando para voltar a vida. Enfim, qual é o problema do animê com tudo isso? Bem… bastante.

Imagem: Personagens do animê.

Reprodução: Domerica/Shin-Ei/Funimation.

Em adaptações animadas de jogos, geralmente vemos apenas pontos principais do roteiro, muitas vezes é difícil transmitir apenas o roteiro principal sendo que todo o conjunto que faz a obra ser o que é. The World Ends With You possui bastante diálogos e situações que retratam bem a questão da diversidade cultural e a imersão dentro desse contexto, mas o animê pouco abre espaço para a construção dessa abordagem.

Um diálogo muito relembrado pelos fãs do jogo é a explicação sobre “o que é meme?”, no seu sentido mais de origem da coisa, baseado no que o livro O Gene Egoísta criou e no que os estudos sobre ele expandiram. O meme, em sua origem, é algo usado para explicar a evolução cultural através de sua propagação orgânica.

Algo bem simples como um ditado popular, por exemplo, pode ser considerado um meme. Uma referência aleatória da cultura pop que persiste nas mentes das pessoas também é um bom exemplo, porém as coisas não ficam só em pontos simples assim.

Toda nossa participação dentro da sociedade está diretamente ligada com a propagação cultural. Absorvemos ideias, como também absorvemos coisas de maneira sinestética. E também somos responsáveis por espalhá-las, como pessoas dentro da sociedade, de maneira natural, mesmo existindo uma grande capacidade da mídia de conseguir tornar o processo mecanizado.

Imagem: Neku e outro personagem em frente a um muro.

Reprodução: Domerica/Shin-Ei/Funimation.

Dentro do jogo, todo esse conceito vive figurativamente na existência dos “pins”, acessório conhecido no Brasil como “botton” ou “broche”. Os pins de jogadores, que permitem as pessoas que morreram participar do jogo dentro da história de The World Ends With You, também possuem outro papel importante: ler mentes e fazer a propagação cultural através dessas leituras.

A leitura de mentes é usada na história em sua maior parte tocando em pontos que fazem parte de toda a diversidade cultural presente em Shibuya. A ideia da propagação também é muito forte nisso, já que normalmente são afetados instrumentos culturais influentes, como o mundo da música, da arte em graffiti, da moda, entre outros. Eles são importantes não só para os personagens, mas também para Shibuya como um todo, tanto no mundo dos vivos quanto no mundo dos mortos.

A propagação de ideais dentro de uma cultura, no entanto, nem sempre é positiva. Esse quesito de The World Ends With You é importante, porque é a motivação de alguns antagonistas da série. Criar uma nova Shibuya, mostrar que Shibuya pode ser reformada a ter uma identidade única para se adequar dentro de uma sociedade que não permite a entrada da arte como um meio essencial pra vida humana. A tal mecanização cultural.

Imagem: "Idol" vilão da série.

Reprodução: Domerica/Shin-Ei/Funimation.

Tudo isso era importante de ter sido abordado dentro da história do animê para entender a motivação final da série, mas é apenas ignorado em sua maior parte. Apesar de conseguirmos notar bem a influência negativa dessa comunicação artificial, o contraste com a influência positiva fica quase inexistente pois esse ponto não tem muito tempo de tela.

A influência positiva disso é algo que vemos em vários diálogos do jogo, inclusive dentro do roteiro principal, mas toda esse influência cultural baseada na arte por muitas vezes é deixada de lado na adaptação animada.

Isso se dá principalmente pelo curto espaço de tempo para adaptação. A maior parte da história de The World Ends With You foi mostrada às pressas, de maneira que torna praticamente impossível perceber pequenos detalhes que gerariam um impacto maior no final da série.

Isso inclusive já é um problema de muitos anos em adaptações de conteúdos para animê, apesar do processo estar melhorando como, por exemplo, animês sendo adaptados em ritmo mais lento. O triste é que esse privilégio fica basicamente para adaptações de mangás e algumas light novels mais populares. Os famosos animês que servem apenas como propagandas de suas mídias originais sofrem um tanto mais.

Imagem: Neku e colega com poderzinhos em volta.

Reprodução: Domerica/Shin-Ei/Funimation.

Dos três “arcos” de The World Ends With You, a adaptação para animê torna os dois primeiros em uma sequência de informações sem nexo algum. Chega a ser ridícula a quantidade de conteúdo inserido no primeiro episódio,problema mantido até pelo menos o quinto – dá pra dizer que perdura até os sexto e sétimo episódios também, permanecendo então durante praticamente todo o primeiro e segundo arcos.

Estes dois episódios citados, apesar de terem uma qualidade melhor que os anteriores, ainda estavam sofrendo as consequências dos cinco episódios anteriores, que apresentaram o roteiro de maneira pobre.

Dá elogiar, no entanto, a adaptação do arco final do jogo para o animê. Aqui, tomaram o tempo necessário para mostrar pontos importantes, resoluções sobre os personagens principais, tanto protagonistas quanto antagonistas, além de ter conseguido encaixar tudo isso com as melhores cenas de ação dentro da série.

Mas aí fica o porém mais árduo: mesmo sendo a conclusão do animê, o terceiro ato em seu material original já não é tão bom, e isso acaba pesando mais no fim das contas.

Claro, as informações mal repassadas para os espectadores nos arcos anteriores pioraram a situação, mas o protagonista Neku e seu companheiro durante essa fase da história estão em sua fase mais fraca. Infelizmente, Neku acaba se tornando um personagem muito previsível e preso dentro de um idealismo difícil de engolir.

Não acho também que o melhor seria ter repassado essa parte às pressas pelo bem de arcos anteriores, mas o sentimento de ela seria melhor se houvesse maior carinho com a abordagem de seus dois primeiros arcos permanece.

Imagem: Neku e garota de cabelo vermelho.

Reprodução: Domerica/Shin-Ei/Funimation.

Deixando de mergulhar tanto na relação com o jogo de origem e sua abordagem cultural, toda a pressa já citada na adaptação pode deixar o público no mínimo confuso. Os primeiros três episódios acontecem de forma tão rápida que deixam muito a desejar no impacto emocional. Muitas informações são repassadas de forma confusa, talvez deixando até o Jogo dos Ceifadores um tanto difícil de entender, por mais simples que seja na realidade.

Hanekoma, personagem bem importante para o enredo, é quase deixado completamente de lado já que suas principais adições no enredo original são justamente dentro da questão cultural mal abordada. É difícil simpatizar com toda a importância que o animê cita ele ter pois, bem, mal o vemos.

Apesar de toda a crítica, o sentimento de ver algo familiar por um novo viés é interessante, mas parece bem difícil alguém nutrir maior interesse apenas com o animê. Como fã, queria poder recomendar sem remorso a animação para quem tivesse interesse na franquia, porém não a vejo como mídia boa para isso, deixando ainda mais triste o fato de existir uma grande divulgação para o público de que o animê seria importante para os interessados em ficar por dentro sobre o que vem por aí em NEO: The World Ends With You.

Imagem: Homem de óculos escuro e cabelo curto.

Reprodução: Domerica/Shin-Ei/Funimation.

No fim das contas, The World Ends With You consegue fazer um trabalho visual decente, principalmente por ter conseguido manter a identidade visual dos personagens intacta. A trilha sonora refeita para o animê também é um ponto a ser bastante elogiado.

Talvez não seja a melhor opção, mas se você tiver a intenção de pelo menos estabelecer um contato com os personagens da franquia, por menos ideal que seja, o anime pode vir a calhar, porém fico triste em dizer que não é muito além disso o que ele tem a oferecer.

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Todos os episódios do animê estão disponíveis na plataforma de streaming Funimation, com dublagem e legendas em português. A plataforma fornece um acesso ao JBox.


O texto presente nesta resenha é de responsabilidade de seu autor e não reflete necessariamente a opinião do site JBox.