Eu fui à pré-estreia de SPY x FAMILY CÓDIGO: Branco, seja lá qual for a estilização correta desse título. Mas esse texto não é sobre o filme. O que me chamou a atenção, no entanto, foi o quão modesta foi essa pré-estreia. Ok, uma sala IMAX, mas isso já é meio padrão de cabines de imprensa ou pré-estreias, não conta.

Na parte de fora da sala tinha um telão com o trailer do filme e uma área ali com um painel para tirar foto — literalmente, um tapete e um “pôster gigante” do filme.

imagem: foto do painel de spy x family no cinema.

Foto: Laura Gassert/JBox.

Foi um dos envelopamentos mais “qualquer coisa” que já vi numa pré-estreia da Crunchyroll. E tem sido perceptível. A pré-estreia do especial da nova temporada de Demon Slayer: Kimetsu no Yaiba tinha um cenário mais caprichado que a de SPY X FAMILY, mas era Demon Slayer. A gente espera mais de Demon Slayer pelo fenômeno que a série se tornou.

Na de Kimetsu, havia vários pôsteres gigantes, um minicenário com personagens — o que não tinha era tempo para tirar foto (os portões abrindo em cima da hora com uma fila gigantesca) e nem espaço, porque era muita gente. Parecia que os organizadores não tinham noção do tamanho do evento que eles mesmos prepararam.

O cenário montado lá em 2022 na pré-estreia de Dragon Ball Super: Super Hero não era muito diferente do de Kimetsu em questão de “espaço instagramável”. Porém, apesar de Dragon Ball ser uma série de peso, aquele evento era muito menor que o último especial de Kimetsu, deste ano. Em tamanho mesmo, inclusive de público. Claramente outra época em questão orçamentária. A impressão é que podiam ter feito algo ainda mais legal com Demon Slayer.

imagem: foto de parte do cenário montado para a pré-estreia de kimetsu.

Foto: Laura Gassert/JBox.

Tem outra coisa: na pré-estreia de Super Hero nós entrávamos logo e ficávamos esperando ali no “cenário” e, com isso, podíamos encontrar os dubladores e, se eles quisessem, produzir algum conteúdo rápido com eles. Em alguns momentos, eles eram chamados pela equipe de redes da Crunchyroll para produzir conteúdo.

Nós podíamos aproveitar os cenários, a presença de outros colegas, conhecer os dubladores do filme, enfim, aproveitar o evento como um evento (apesar de que esses eventos são para mim parte de um trabalho, e não um momento de simplesmente curtir).

A pré-estreia de SPY x FAMILY estava no nível das de episódios iniciais de animês da temporada — eventos restritos à imprensa e de porte muito, mas muito menor que os de filmes, coisa de menos de 30 pessoas no evento. Com a entrada abrindo bem perto da hora da exibição, não tinha muito tempo para produzir quase nenhum conteúdo. E, por isso, as poucas coisas que tinham formavam fila.

Os dubladores do filme (e da série) estavam lá, mas só soubemos disso quando estávamos na sala. O elenco principal foi para a frente, perto da tela, e respondeu perguntas da Crunchyroll — ou seja, nada que vale a pena ser replicado por quem não quer ser um braço extra do perfil institucional do serviço, e postar algo que será compartilhado pelas contas do streaming em qualidade muito melhor.

Tem distribuidoras que pegaram outros filmes de animês e montaram eventos maiores, ou ao menos mais interessantes. A pré-estreia de ONE PIECE FILM RED, pela Diamond com a Panini, tinha até um espaço giratório para filmar ou tirar foto. Eles alugaram um espaço enorme do Cinemark do Pátio Paulista. A pré-estreia de THE FIRST SLAM DUNK, pela Cinecolor, apesar de um espaço menor, tinha até cesta de basquete. E tinha tempo para checar tudo e pensar em formas de montar conteúdo.

Não se enganem. Não sou sommelier de pré-estreia. Eu odeio o conceito de local “instagramável”. Mas eu saí da pré-estreia de SPY x FAMILY me perguntando por qual motivo fizeram ela. A falta de decoração, como já pincelado, é também falta de incentivo para fazer os influencers tirarem fotos e postarem em suas redes (eu não sou um deles, mas até gosto de tirar fotos quando o espaço é legal) — eles fizeram isso assim mesmo. Mas, não era mais fácil só fazer uma cabine de imprensa?

Fica parecendo que não há uma grande aposta em CÓDIGO: Branco como um sucesso de bilheteria. Porém, se não há aposta, pra que fazer pré-estreia? Poderiam fazer só uma cabine de imprensa (com raras exceções na minha experiência, não é um evento de pompa), se ainda quisessem apostar na reação da crítica, ou simplesmente não fazer nada.

Fizeram o evento para torcer que os influencers impulsionem o marketing do filme nas redes e ele consiga uma bilheteria? Ou SPY x FAMILY é uma aposta de bilheteria minimamente razoável e só faltou visão no evento?

 

Mudanças estruturais e uma possível crise

Eu fiquei realmente confusa. Não consigo desassociar essas pré-estreias, que parecem cada vez mais modestas, da debandada de funcionários que a Crunchyroll teve nos últimos meses, incluindo pessoas-chave no funcionamento da empresa no Brasil — mas não somente, o antigo diretor operacional geral (COO) saiu da empresa depois de mais de 10 anos.

A nova gestão parece deixar o Brasil um pouco de lado — é bem claro que o novo CEO da empresa (é o “moço das IA”) privilegia o mercado indiano. Eu sei, eu sei, a Índia tem tido um crescimento gigantesco, especula-se que ela vai tomar o lugar da China como “motor do mercado global”.

O Brasil não cresce tanto assim, mas ele é cada vez um player global mais expressivo, e o segundo maior mercado da Crunchyroll no continente americano (o maior se excluirmos os EUA). Além de ser visto como um agente importante e uma liderança do “sul global” no momento geopolítico que vivemos… que é delicado.

imagem: hime com cara de malvada em ilustração relativamente antiga.

Divulgação: Crunchyroll.

Toda empresa que quer sobreviver precisa se atentar aos movimentos que ocorrem em momentos delicados. Não vamos entrar, no entanto, na discussão política da coisa.

Está claro qual é o lado da Crunchyroll no momento nesse contexto, é evidente qual caminho ela quer seguir com esse foco no mercado indiano. É uma aposta que pode ou custar caro, ou dar muito certo dependendo dos próximos anos, mas me parece uma aposta arriscada, porque não consigo ver um “plano B”, que me parece importante numa conjuntura de disputa geopolítica. Problema da Crunchyroll.

Enfim, voltando ao nosso assunto, não estou aqui para reclamar de decoração de pré-estreia. O que me chama a atenção é que esse movimento, junto às trocas de funcionários, agravam minha visão de que há uma crise na Crunchyroll. Não sei se é uma crise da empresa crescer menos que o esperado, mas é com certeza uma questão organizacional, que pode ou não estar associada a um problema financeiro.

Por aqui, isso tem parecido cada vez mais evidente. A presença da empresa em eventos, por exemplo, mudou bastante de uns tempos para cá. Em parte, há mudanças esperadas após a compra e todas as implicações operacionais dela, mas em parte também parece uma crise de identidade misturada com um grau de desinteresse no mercado brasileiro.

Às vezes, a empresa cresce bem, tem retorno bom, mas a gerência trabalha com projeções absurdas… ou só não sabe lidar com funcionários. Tem vezes que não há salário que pague o estresse de uma gerência que não sabe gerenciar nem organizar.

A compra a Crunchyroll pela Funimation/Sony parece ter caído mal com parte da equipe brasileira, e pelo jeito com parte da equipe americana. Isso não é bom. Desde as saídas, é perceptível que há desencontros em questões da empresa, existe uma desorganização ali que fica evidente para quem está de fora, mas tem alguma familiaridade com o modo como a empresa vinha trabalhando.

Se minha impressão, que não é de hoje, está correta, só o tempo dirá (se disser mesmo). Só sei que fui a uma pré-estreia e saí de lá achando que tinha algo muito esquisito naquilo tudo. E, não, a questão principal não é que a decoração era chocha (mas era chocha, sim, podia ter sido uma cabine online).


O texto presente nesta artigo é de responsabilidade de seu autor e não reflete necessariamente a opinião do site JBox.