O anúncio de um novo reajuste nos mangás da Panini foi o tema mais debatido da semana. Com aumentos na casa dos 15% para boa parte de seu catálogo, a casa editorial de matriz italiana divulgou que seus mangás ficarão mais caros em até R$ 5,00 a partir de janeiro de 2022.

Os motivos apresentados são os mesmos de sempre: desvalorização do real frente ao dólar – moeda que rege as negociações com as licenciantes e a compra de insumos – e baixa oferta de papel. E quanto a isso não há o que discutir.

A última vez que a Panini reajustou o preço de capa de seus mangás foi justamente na virada de 2020 para 2021, pouquíssimo tempo atrás, indicando a fragilidade econômica do país.

E esse novo aumento, que fatalmente chegará às outras editoras muito em breve, embora nos cause um descontentamento natural e muito legítimo, nos convida a refletir sobre as condições que se impõem sobre o nosso mercado de mangás. Será mesmo que os reajustes são feitos deliberadamente pelas empresas como muita gente sugere em comentários na internet? Obviamente que a resposta é não.

Imagem: Capa do mangá 'Real'.

Um dos listados para reajuste, ‘Real’ passará de R$ 29,90 a R$ 34,90. | Divulgação: Panini.

Se você não teve a sorte de ser transportado para uma realidade alternativa para ser o protagonista do seu próprio isekai, deve saber que o Brasil enfrenta uma de suas piores crises (se não a pior) desde a redemocratização, e são nulas as perspectivas de melhora em curto prazo.

Na condução da economia, há um anti-ministro que lucra com a baixa da moeda brasileira e vê com bons olhos a alta do dólar, capaz de lhe gerar bons rendimentos em paraíso fiscal. Apesar da boa vontade da imprensa mainstream, que pouco relaciona à política de Paulo Guedes o atual estado de colapso econômico do Brasil, dificilmente o ministro receberia elogios se fosse a um supermercado (e, como consumidor, talvez nem ele pudesse se elogiar). E muito menos se fosse a uma banca de jornal.

É evidente que muitas das escolhas das editoras brasileiras são bastante questionáveis. Num texto de 2019, expus como achava  negativa a maneira como a Panini estava inflando o mercado com dezenas e mais dezenas de títulos num momento de crise, enquanto as outras casas seguravam um pouco as pontas. Também pesei o fato de que a editora passou a lançar tudo de maneira mensal, deixando o leitor sem muito fôlego para manter várias coleções.

Atualmente penso que, na verdade, a editora poderia resolver a maior parte de seus problemas apenas com a adoção de tiragens maiores, permitindo que o consumidor se planejasse e comprasse as coisas no seu próprio tempo, independentemente da periodicidade das publicações.

É um fato que a Panini tem se esforçado, desde o ano passado, com as cada vez mais frequentes reimpressões, mas ainda assim a italiana não deixa seu leitor completamente seguro para programar a compra de determinados volumes alguns meses depois do lançamento (o que, aliás, acaba sendo bastante conveniente para a editora, e as tiragens baixas tornam-se um verdadeiro trunfo para vender tudo rapidamente).

Imagem: Capa de 'Naruto'.

Divulgação: Panini.

Como dito anteriormente, apesar de tudo, a Panini sempre foi conhecida por segurar os preços o máximo possível. Um exemplo prático: lançado em 2015, Naruto Gold foi às bancas em julho daquele ano a R$ 16,90.

O primeiro reajuste veio apenas em julho de 2017, ou seja, 2 anos depois, quando o encadernado passou a custar R$ 17,90. Em janeiro de 2018, o preço chegaria a R$ 18,90.

Até aquele momento, os preços estavam minimamente controlados, mas a partir de 2019 a coisa começou a desandar.

Em janeiro, a edição de número 43 seria lançada a R$ 20,90, sendo a primeira vez de um reajuste de mais de R$ 1,00. Em fevereiro de 2020, um novo aumento levaria o mangá ao preço de R$ 22,90, e naquele ano não pararia por aí: em outubro, Naruto Gold #64 era lançado por R$ 24,90. O novo preço duraria pouco: depois de 3 volumes, cada edição da série viria a custar R$ 29,90 – preço adotado em fevereiro de 2021.

Quando vamos para os dados da primeira edição de Naruto publicada pela Panini, os números de hoje se tornam ainda mais assustadores. Entre maio de 2007 e dezembro de 2011, segundo levantamento da Biblioteca Brasileira de Mangás, o mangá de Masashi Kishimoto custou R$ 9,90 para o leitor brasileiro.

Isso tudo totaliza 52 volumes e um período de quase 5 anos sem reajuste. Do número 53 ao 65 (fevereiro de 2012 a abril de 2014), o preço ficou em R$ 10,90. E já nos volumes finais, do 66 ao 72 (último), o preço praticado foi de R$ 11,50.

Pra não ficarmos com apenas um exemplo, vejamos os números da publicação de outro mangá que perdurou por bastante tempo, Ataque dos Titãs. Os 10 primeiros tomos foram publicados entre novembro de 2013 e junho de 2015 por R$ 11,90, que era o preço padrão para títulos em papel jornal.

De julho de 2015 a julho de 2016, período que compreende os volumes 11 a 17, o preço foi de R$ 12,90; de setembro de 2016 a outubro de 2017, os volumes 18-22 ficaram em R$ 13,90; o #23 e o #24, lançados em 2018, ficaram em R$ 14,90; os números #25 e #26, lançados entre 2018 e 2019, foram pra R$ 16,9o; do #27 ao #31, publicados entre 2019 e 2020, o preço já era R$ 19,90; por fim, os 3 volumes finais tiveram preço de capa de R$ 24,90 (com direito a uma edição especial de R$ 34,90, acompanhada de um livreto e dois postais da série).

Imagem: Notas de 100 e 50 reais.

Esse exercício pode ser feito com diversos títulos do catálogo da Panini e pode ser estendido para mangás publicados por outras editoras entre 2013 e 2021. Percebe-se facilmente que a situação era bastante estável até, mais ou menos, 2014. A partir de 2015, os reajustes começaram a ser mais frequentes, mas de maneira controlada, com acréscimos em torno de R$ 1,00. De 2018-2019 em diante, não só os aumentos foram mais frequentes como também passaram a ser mais substanciais, com reajustes de R$ 2,00 ou (muito) mais.

Tudo isso pode nos ajudar a entender que o problema não está no mercado de mangás, mas passa por ele. Basta olharmos para outros setores para vermos que algo está errado no Brasil como um todo. Veja o preço da carne, da gasolina, do gás de cozinha, dos livros em geral.

O novo aumento de preços nos mangás é cruel para o leitor brasileiro, que precisa fazer o que a mídia mainstream não faz por conveniência: ligar o nome à pessoa se quiser achar um culpado. À Panini, que não tem obrigação de bancar prejuízo para manter preços defasados (mesmo que caríssimos, vale dizer), cabe manter a disponibilidade de seu catálogo pelo maior tempo possível, em sinal de respeito e empatia com seu consumidor.


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