Recentemente, a Netflix estreou a série Cowboy Bebop. Essa é uma adaptação em live-action do já clássico animê de mesmo nome, exibido originalmente entre 1998 e 1999, com direção do grande Shinichiro Watanabe (dos também ótimos Samurai Champloo e Space Dandy).

O programa tem recebido críticas bem negativas. Particularmente, detesto a escalação do quase cinquentão John Cho como Spike, não faz o menor sentido em minha cabeça. Porém, essa produção gerou um efeito bem positivo: o retorno do desenho aqui no Brasil, que agora está disponível em catálogos de diferentes serviços de streaming.

Na Crunchyroll, ele pode ser assistido com o áudio original e legendas. Na Netflix e a Funimation, está disponível com duas dublagens distintas em português, uma produzida pelo estúdio Vox Mundi, outra pelo IST, respectivamente.

Cowboy Bebop é um dos maiores animês já feitos. Ele conta a história duma trupe de caçadores de recompensas (aqui, chamados de “cowboys do espaço”), formada por Spike, Jet, Faye, Ed e o cachorro Ein, num futuro onde viagens espaciais pelo nosso sistema solar já são possíveis. Só que isso é feito numa estética que mistura, dentre tantas referências, três coisas que são mais acentuadas:

Temos o conceito de “Futuro Usado”, onde as tecnologias que, pra nós, são inimagináveis e avançadíssimas, já são velhas e banais aos personagens; as climatizações características de filmes western, com cenários ensolarados desolados, os personagens “john doe” misteriosos e as localidades onde a lei parece ser feita na bala; e o cinema noir, utilizando a fotografia expressionista, os personagens tridimensionais e a figura da mulher fatal como tripés narrativos.

Imagem: Spike em 'Cowboy Bebop'.

Fonte: Reprodução.

Cowboy Bebop é também um animê que “envelheceu” muito bem, já entregando lá nos anos 90 um elenco de personagens bem mais diverso, inclusive, do que séries e filmes atuais, onde discussões sobre representatividade em tela já são bem mais avançadas.

Há personagens orientais, brancos, negros e morenos, de diferentes idades, heterossexuais e homossexuais, cis e transgêneros, culturas variadas como indígenas, jamaicana e mais. E tudo isso é feito de maneira respeitosa, não apelando para clichês óbvios de personalidade.

Ele não é “panfletário”, no sentido de transmitir uma mensagem política clara através desse leque de representatividade. Esses personagens variados estão lá por serem bons personagens, por funcionarem para história, não como uma muleta para dizer algo.

Claro, no entanto, que o simples fato de existir essa inclusão de personagens não-brancos junto dos asiáticos, diferente da gigante maioria dos animês. E aí entra parte do que faz Cowboy Bebop ser tão bom.

Ele é bem “global” em sua história, o que faz sentido dentro desse universo criado, onde a acessibilidade aos locais é maior. Por conta disso, há até quem diga que ele é um animê com cara de série ocidental, o que discordo bastante, pois Cowboy Bebop usa e abusa sem vergonha alguma de recursos visuais e narrativos dos animês de sua época, aplica o conceito de “ma” (“vazio”) em vários segmentos e por aí vai.

Cowboy Bebop é um animê essencial. É energético, entusiasmante. E também bonito, e tocante, e emocionante. É o encontro perfeito entre aquela ação cinematográfica coreografada impressionante, comédia esfarrapada e boas pitadas de drama.

Ele trata de temas que podem agradar os mais jovens, que se deixarão envolver pelo quão “cool” é a coisa toda, e os mais velhos, que identificarão nessas células alegorias a existencialismo, solidão, depressão e ao sentido de família escolhida. E como um bom sci-fi, ele utiliza problemas sociais de uma realidade futurista para trazer pautas políticas que se relacionam com essa lado aqui da tela.

Gostou da série em live-action? Não gostou? Ouviu falar, teve curiosidade, mas tem um certo pé atrás com esse tipo de adaptação? O melhor conselho que posso te dar é conferir o original. O animê segue aquele estilo onde cada episódio funciona como um curta-metragem quase independente, com histórias de começo, meio e fim, que bastam entre si em vez de tramas contínuas, de arcos longos, com ganchos ao fim (o mesmo estilo utilizado hoje em dia em séries como The Crown e Master of None).

Como incentivo, listo abaixo, em ordem de exibição, os meus 10 episódios prediletos. Todos são excelentes (assim como os que não foram citados). Dá para começar pelo que a sinopse ou estilo interessar mais e partir dele para os outros.


Asteroid Blues

Imagem: Spike em 'Cowboy Bebop' olhando seu reflexo num vidro.

Fonte: Reprodução/Episódio 01.

Spike e Jet vão até Tijuana, cidade do México que faz fronteira com os Estados Unidos, caçar o traficante de uma droga oftalmológica que deixa os usuários com os olhos vermelhos. No caminho, eles se deparam com Katerina, uma sexy, misteriosa e fatal grávida que pode ter ligação com o alvo deles.

É um excepcional primeiro episódio, que nos coloca por dentro das regras daquele mundo e começa a pincelar as diferenças de personalidade dos protagonistas. A cena final envolvendo uma perseguição no portal espacial é maravilhosa.


Gateway Shuffle

Imagem: Chefão mostrando tela com prováveis capangas.

Fonte: Reprodução/Episódio 04.

Já como um trio que inclui a Faye, os protagonistas precisam lidar com um grupo de “terroristas pelo meio-ambiente” que porta uma arma biológica capaz de transformar humanos em primatas animalescos.

O episódio todo é divertidíssimo, os vilões são cheios de carisma e a cena em que a líder deles precisa encarnar uma poker face para que Spike e Jet não descubram que estão com o vírus é o ponto alto.


Heavy Metal Queen

Imagem: Spike se encontrando com um provável "policial".

Fonte: Reprodução/Episódio 07.

Esse aqui traz uma das coadjuvantes mais legais de todo o animê, uma “caminhoneira espacial” que atende pelo apelido V.T. No episódio, a tripulação da Bebop vai atrás dum cara que está transportando ilegalmente uma carga de explosivos.

Rola uma sequência aqui que me parece uma homenagem ao filme O Comboio do Medo (“Sorcerer”, de 1977), do diretor William Friedkin (o mesmo de O ExorcistaOperação França): Spike, Faye e V.T. precisam retirar cuidadosamente a carga de explosivos duma mina correndo o risco de irem pelos ares nesse meio tempo.


Toys in the Attic

Imagem: Spike em frente a um túnel.

Fonte: Reprodução/Episódio 11.

Outro que parece uma homenagem cinematográfica, dessa vez ao diretor John Carpenter em Dark Star, de 1974. O Spike esquece algo num freezer em um local mais isolado da Bebop. Com o passar dos anos, essa coisa evoluiu num monstro em forma de meleca que envenena toda a tripulação.

Gosto muito do jeito que o episódio todo é aclimatado, como se realmente estivesse numa história de terror, utilizando os clichês desse gênero nos cortes de cena, na trilha sonora e na crescente da trama. A quebra de expectativa do final é hilária.


Jupiter Jazz (partes 1 e 2)

Imagem: Spike com roupas de frio.

Fonte: Reprodução/Episódios 12 e 13.

Vou trapacear aqui para incluir esse em duas partes, mas vale muito a pena. Faye decide partir solo, rouba todo o dinheiro da Bebop e vai parar numa cidade habitada apenas por homens e algumas mulheres transexuais. Por lá, ela conhece Gren, uma pessoa que tem um passado conturbado envolvendo um inimigo em comum com o Spike. Paralelo a isso, Spike vai em busca da Faye e precisa confrontar problemas que ele gostaria de ter deixado para trás.

A animação de Cowboy Bebop é acima da média num todo, mas aqui ela está estupenda. O clima melancólico e a sensação de tensão crescente são a joia da coroa.


Mushroom Samba

Imagem: Ed em cima de Spike, num cenário com um automóvel e uma vaca.

Fonte: Reprodução/Episódio 17.

Pra mim, o episódio mais engraçado do animê. A Bebop fica sem combustível e avariada, com Spike e os demais precisando consertá-la no meio dum deserto. Enquanto isso, Ed vai até a cidade mais próxima para tentar arrumar comida. E as coisas evoluem de modo que elu se depara com um contrabandista de cogumelos alucinógenos que está com a cabeça a prêmio.

Acho esse aqui muito divertido. A história é construída como se fosse um filme policial de comédia dos anos 80, com uma porção de confusões aventurescas envolvendo Ed rolando no miolo e um grande final de ação desenfreada vindo ao fim para fechar com chave de ouro. As cenas delu deixando o Spike, o Jet e a Faye chapadaços com os cogumelos são impagáveis. E todo o segmento com o trem é fantástico.


Speak Like a Child

Imagem: Spike, Ed e um personagem do episódio 18.

Fonte: Reprodução/Episódio 18.

Já esse é o mais tocante em todos. Enquanto a Faye está fora de área apostando em cavalos, entregam na Bebop uma fita betamax no nome dela. Spike e Jet então passam por algumas aventuras para encontrar um aparelho tocador onde eles possam assistir o que está na fita. E quando eles finalmente conseguem, o conteúdo é de partir o coração.

Considero esse episódio uma joia. Ele deveria ser usado como exemplo em aulas de roteiro. As dificuldades crescentes que os personagens vão enfrentando, o “prêmio” que eles conquistam, é tudo muito bem montado. Se você não se emocionar com o final dele é porque tem uma pedra de gelo no peito.


Pierrot Le Fou

Imagem: Imitação de parque da Disney em episódio 20.

Fonte: Reprodução/Episódio 20.

Aqui vemos o vilão mais impactante da série: um psicopata com a mentalidade de uma criança, aparentemente indestrutível, que consegue flutuar e não desiste quanto tem um alvo. E o alvo dele, dessa vez, é o Spike, que acidentalmente acaba testemunhando um assassinato cometido pelo Pierrot.

As cenas de perseguição e tiroteio nesse são de cair o queixo. Junto com tratamento “noir” na fotografia e em alguns pontos do enredo, esse episódio é uma pepita tanto para quem busca por referências mais refinadas, quanto para quem só quer uma história policial de ação de tirar o fôlego.


Cowboy Funk

Imagem: "Cowboy doidão" e Spike se encarando.

Fonte: Reprodução/Episódio 22.

Ainda outro episódio de comédia divertidíssimo. Nesse, Spike e a turma estão atrás dum terrorista que planeja explodir grandes prédios motivado por determinadas ideias políticas. No entanto, sempre que ele está para ser capturado, calha de aparecer um outro caçador que, literalmente, se veste e se comporta como um cowboy.

Gosto demais da dinâmica “frenemies” do Spike com o cowboy doidão, das piadas recorrentes colocadas no roteiro (o vilão tentando explicar o porquê de querer explodir coisas e ninguém se importando, por exemplo) e do quão “good vibes” é a coisa toda.


Brain Scratch

Imagem: Faye em VTR.

Fonte: Reprodução: Episódio 23.

Um culto que promete transcender a alma à vida eterna ao digitaliza-la se tornou bastante popular, mas uma série de mistérios envolvendo membros nele colocou a cabeça do líder, uma figura que ninguém parece saber como encontrar pessoalmente, a prêmio. Nessa, Faye se converte à tal religião para tentar caça-lo, mas as coisas dão bastante errado.

Acho esse o episódio mais político entre os vários episódios de temáticas políticas no animê. Ele trata de temas como lavagem cerebral em prol de uma causa, propaganda mal-intencionada, a busca de um messias que irá sanar todos os problemas e a defesa desenfreada dele e de seus dogmas mesmo quando a corrupção está evidente. Parece familiar?

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