Geralmente quem estuda e traça a história do mangás no Brasil a divide entre antes e depois do ano 2000 — quando a Conrad publicou Dragon Ball e Cavaleiros do Zodíaco, os primeiros títulos com leitura “oriental” por aqui. É nesse “antes” que moram algumas histórias ainda meio nebulosas, sendo uma das mais curiosas a da meteórica editora Dealer, que em 1991 anunciou 3 mangás (mas só um deles parece ter ganhado vida).

No ano de 1991, o mercado de quadrinhos vivia uma crise. Em matéria do jornal O Estado de S. Paulo, fazendo um saldo daquele ano, dizia-se que o cenário brasileiro mais havia reeditado do que editado. Ou seja, foram mais títulos sendo republicados em edições especiais e encadernados do que novas obras chegando para os leitores. Além disso, outro sintoma de tempos ruins (que viríamos a ver outras vezes no futuro) era uma quantidade muito maior de revistas do que o mercado suportava receber, consequência da briga da Abril com a Globo, editoras gigantes da época — a primeira, líder do segmento, cancelou diversos quadrinhos por baixas vendas na época.

Nesse cenário, o surgimento da Dealer foi visto com bons olhos pelos entusiastas da 9ª arte daquele ano. A editora se mostrava interessada em investir na leitura para adultos, pouco explorada nas bancas, e também valorizar os autores nacionais, com pagamentos acima do que as demais empresas ofereciam. Sua audácia acabaria também tendo como consequência o seu enterro em pouco tempo.

imagem: recorte do jornal Estadão

Clique na imagem para acessar uma versão ampliada. | Anúncio da Dealer. | Imagem: Reprodução/Estadão

Depois de levar às bancas as suas primeiras revistas (a brasileira Mil Perigos e a HQ Cycops), a Dealer ousou e anunciou a publicação de três mangás: Cobra, de Buichi Terasawa; Baoh, de Hirohiko Araki; e Horobi, de Yoshihisa Tagami. Todas as licenças foram adquiridas por meio da Viz, responsável por adaptar os mangás para o formato de leitura americano, espelhando os quadros, redesenhando onomatopeias, alterando diálogos e desenvolvendo novas ilustrações de capa.

Em agosto de 1991, o 1º volume de Cobra foi lançado, marcando como a primeira obra oriunda da revista Shonen Jump (lar de “hits” como Dragon Ball, One Piece e Naruto) a chegar ao Brasil. A promessa da Dealer era de publicar apenas a “primeira saga” do mangá, que reunia 12 volumes com média de 50 páginas (como também havia sido na edição da Viz). No Japão, a obra rendeu 18 volumes entre 1978 e 1984, além de inspirar animações (o primeiro filme, inclusive, saiu no Brasil em DVD nos anos 2000 e a série entrou este ano na Funimation).

Confira algumas imagens no álbum:

 

Nos planos divulgados pela Dealer à imprensa, um novo volume de mangá seria lançado a cada 10 diasBaoh estava previsto para 5 de setembro daquele ano de 1991, com 62 páginas, enquanto o 1º volume de Horobi chegaria em 16 de setembro, com 68 páginas. Inclusive, a 1ª edição de Cobra traz uma propaganda de Baoh, como se já estivesse disponível nas bancas. No entanto, até onde conseguimos apurar, nenhuma nova edição de Cobra, tampouco as estreias de Baoh e Horobi, saíram da promessa (ou talvez tenham tido tiragens tão limitadas que não sobreviveram pra contar história).

O que aconteceu com o planejamento da Dealer se mantém ainda hoje como mistério. Problemas de contrato? Vendas baixas? Dívidas? José Carlos de Souza, idealizador da editora, já é falecido. Sua empresa teria quebrado apostando alto nos talentos nacionais em meio à crise e fecharia as portas já em 1992.

imagem: página com bio de Buichi Terasawa e propaganda de Baoh

Última página do mangá, com uma bio do autor. Ao lado, a propaganda de Baoh. | Foto: Rafael Brito/JBox

Baoh nunca mais foi mencionado por editoras por aqui, porém JoJo’s Bizarre Adventure, obra mais famosa de Hirohiko Araki, ganhou prestígio mundial e segue em publicação — no Brasil lançado pela Panini, com animação indo ao ar pela Netflix e Crunchyroll. Já Yoshihisa Tagami e seu Horobi seguem no total esquecimento.

E você? Tem alguma lembrança desse lançamento? Comente 😊

 

Curiosidade bônus

Se você leu o primeiro parágrafo da reportagem do Estadão, replicada aí em cima, pode ter notado outra curiosidade. Muito antes da Conrad trazer a primeira edição brasileira, Nausicaä, de Hayao Miyazaki, já era prometido pela Nova Sampa. Essa publicação nunca aconteceu, ao contrário de Mai, A Garota Sensitiva — que viria pela mesma editora, mas acabou saindo pela Abril.

Hoje, a JBC publica uma nova edição de Nausicaä, com o 1º volume recém-lançado.

 

➡ Confira outras postagens da série JBox TBT clicando aqui.


No Instagram

Pela hashtag #JBoxTBT, publicamos lembranças como essa semanalmente em nosso Instagram. Acompanhe por lá pelo @jboxbr!