Um dos gêneros mais importantes na história dos videogames com certeza é o RPG. Dentro e fora do Japão, várias franquias se destacam com muito sucesso até hoje, porém outras, apesar de ainda duradouras, ainda estão pressas dentro do nicho. Uma dessas franquias é The Legend of Heroes.

The Legend of Heroes surgiu inicialmente como parte da série Dragon Slayer em 1989, mas logo ganhou sua independência, contando com dezenas de títulos atualmente. No entanto, outra série dentro da franquia conquistou um sucesso maior do que o normal: Trails.

Trails é uma subsérie de The Legend of Heroes iniciada em 2004, com o lançamento do jogo Trails in the Sky FC. Apesar de ser uma “subsérie”, Trails hoje é um dos carros-chefe da Nihon Falcom junto de Ys, outro clássico dos RPGs. Desconsiderando spin-offs, Trails já conta com doze jogos, incluindo Kuro no Kiseki II, que foi lançado no último mês de setembro no Japão.

imagem: legenda abaixo.

Protagonistas dos três primeiros arcos e do spin-off The Legend of Nayuta | Reprodução: Nihon Falcom

 

Introdução ao grandioso mundo

O início da história de Trails in the Sky segue padrões de um JRPG tradicional, mostrando dois irmãos, Estelle e Joshua Bright, morando numa cidadezinha dentro do Reino de Liberl. Ambos querem seguir os passos do pai e para isso entram para a Guilda dos Bracers, uma organização internacional que visa ajudar a população, sem ter ligação direta com os governos do extenso continente de Zemuria.

A jornada dos dois começa de verdade quando ambos, ainda no treinamento para serem bracers certificados, recebem a notícia do desaparecimento de Cassius Bright, o pai da dupla e um dos membros mais importante da Guilda dos Bracers. Assim, Estelle e Joshua partem em uma grande jornada onde acabam se envolvendo em um grande conflito político.

imagem: cena de jogo com estelle dizendo "ok joshua? vamos! responda" (tradução nossa).

Infância de Estelle e Joshua | Reprodução: XSEED Games, Nihon Falcom

O primeiro jogo de Trails in the Sky, por mais que seja uma aventura de horas e horas, acaba sendo apenas uma grande introdução para todo o universo da franquia. No título, já vemos movimentações políticas que visam um golpe militar e posteriormente descobrimos que isso está ligado a uma organização maior, a Ouroboros — uma sociedade criminosa que atua em todo o continente e tem planos misteriosos que são revelados pouco a pouco ao decorrer da série.

A Ouroboros, no entanto, não age sozinha. Muito pelo contrário. A organização sempre é vista em conluio com algum aparelho governamental para realizar suas ações, então quando você estiver jogando e notar algum esquema esquisito rolando, pode muito bem ter dedo deles na história, algo que o jogo não faz questão de esconder depois da introdução deles.

imagem: legenda abaixo.

Alguns membros da Ouroboros | Reprodução: Nihon Falcom

Outro ponto importante a se comentar sobre a Ouroboros é que os membros dela não são pintados como vilões caricatos a serem derrotados, principalmente porque um dos primeiros ideais apresentados envolvendo a organização é que os membros dela são livres para agir como quiserem, tanto que é normal rolar colaboração dos protagonistas com pelo menos um dos membros da organização em alguns momentos.

Um ponto importante do roteiro, inclusive, é o quão bem esses personagens costumam ser escritos. Os vínculos criados entre eles e os protagonistas sempre são coisas interessantes de acompanhar, mesmo que fique um tanto manjado ao decorrer da série.

Quando se fala em Trails, outro ponto importante a ser citado é a citado é a construção do mundo nos jogos. Logo no início da história, somos introduzidos ao fato de que, há alguns anos, aconteceu a famosa Guerra Dos Cem Dias entre Liberl e Erebonia, algo que afeta diversos personagens e é continuamente discutido ao decorrer da maior parte da franquia.

Ainda sobre o mundo, nos é introduzido logo de cara o fato de que há cinquenta anos Zemuria passou pela Revolução Orbal, o equivalente a uma Revolução Industrial. Com a tecnologia, a vida da população mudou drasticamente, com os avanços que continuam surgindo de forma veloz até mesmo durante o período dos jogos (até o início de Kuro no Kiseki II, sete anos se passaram). No entanto, a tecnologia orbal está relacionada com mistérios da civilização antiga, ponto que está conectado diretamente com as ações da Ouroboros. O crescimento desenfreado também provoca atritos internacionais, trazendo o medo da guerra vir à tona novamente.

A construção do mundo da série é tão ampla que está presente até mesmo nos livros colecionáveis durante as jornadas, que normalmente contam com indicativos de personagens e conceitos que aparecem em jogos futuros.

Apesar de numerosa, a franquia passou a maior parte dos anos completamente escondida do público fora do Japão, porém nos últimos anos anda conseguindo alcançar cada vez mais espaço, algo que aconteceu principalmente devido ao sucesso de Trails of Cold Steel, terceiro arco de jogos dentro da série.

Sobre os arcos, Trails atualmente consiste de quatro delas. Duas delas acontecem concomitantemente, porém contam com focos diferentes. Os arcos até o momento são:

  • Arco de Liberl: Trails in the Sky FC, Trails in the Sky SC e Trails in the Sky the 3rd;
  • Arco de Crossbell: Trails from Zero, Trails to Azure e Trails into Reverie*
  • Arco de Erebonia: Trails of Cold Steel I, II, III, IV e Trails into Reverie*
  • Arco de Calvard: Kuro no Kiseki e Kuro no Kiseki II -CRIMSON SiN- (títulos ainda não anunciados internacionalmente)

*Trails into Reverie conta a conclusão tanto do arco de Crossbell quanto do arco de Erebonia.

A separação de Trails em arcos acontece pelo simples fato de que cada uma conta principalmente com foco em uma região diferente e, consequentemente, em um grupo de personagens distinto. Enquanto, como citado, acompanhamos Estelle e Joshua em suas jornadas por Liberl, no arco seguinte já temos uma mudança de foco para a Seção de Apoio Especial, uma divisão da polícia de Crossbell criada para rivalizar com a Guilda dos Bracers.

imagem: cena do jogo com fala "sou estelle. estelle bright" (tradução nossa).

Introdução de Estelle em Trails from Zero | Reprodução: NIS America, Nihon Falcom

Na Seção, apelidada de SSS, conhecemos Lloyd Bannings, Randy Orlando, Tio Plato e Elie MacDowell, dos quais apenas Lloyd está ligado diretamente com a polícia do Estado. A jornada deles começa quando, a pedido da polícia de Crossbell, eles são comandados a ajudar a população de uma maneira mais humanizada, próximo ao o que os Bracers fazem. No entanto, durante a história as coisas ficam logo ficam bem convolutas, fazendo com que as coisas escalem rapidamente para que eles ajam em outras situações, como questões envolvendo a máfia, drogas, tráfico de humanos e deuses do passado.

O arco de Crossbell é tido por grande parte dos fãs como um dos pontos altos da série, principalmente por contar com um roteiro mais maduro e um enredo mais coeso com o fechamento principal em dois títulos. A alta consideração se dá também pelo fato de que é nele que acompanhamos pela primeira vez os conflitos internacionais acontecerem de uma forma mais expoente, com líderes de toda Zemuria se reunindo em um só lugar, o que eleva bastante as tensões políticas.

Ao contrário de outros inícios de arcos, no entanto, é difícil para quem tem interesse na série começar sua jornada em Crossbell. O primeiro jogo da duologia tem acontecimentos diretamente conectados com o anterior, tanto que alguns jogadores o apelidam de “Trails in the Sky 4“, principalmente pela forte presença de Estelle e Joshua na história e a relação dos dois com Renne, introduzida em Trails in the Sky SC. O final de Trails from Zero, para citar o exemplo máximo, é claramente o fechamento definitivo dos acontecimentos que envolvem os protagonistas de Sky. Com isso, apesar do lançamento recente de Zero no ocidente, não é recomendado começar a jornada por aqui.

imagem: legenda abaixo.

Protagonistas de Trails from Zero | Reprodução: Nihon Falcom

Em Trails of Cold Steel já temos uma aproximação inicial bem diferente. No arco, acompanhamos Rean Schwarzer e os outros alunos da Classe VII, uma turma especial da Escola Militar de Thors que tem como foco principal fazer trabalhos de campo onde tentam ajudar a população… de forma parecida com os Bracers (isso vira um padrão na franquia, que acaba sendo usado tanto para roteiro quanto para mecânicas das missões do jogo).

No primeiro game da série, acompanhamos a vida escolar de Rean e sua turma, contando com uma história bem similar do que vemos em light novels escolares por aí, com estudos, esportes, rivalidade, clichês de comédias românticas, conflito entre classes e… conflito de classes.

Thors é uma escola que aceita alunos de várias classes sociais, porém eles normalmente são separados em turmas diferentes por causa do sistema introduzido. No caso da Classe VII, no entanto, nobres e plebeus estudam juntos, o que é o maior ponto de conflito entre os protagonistas do primeiro jogo. Trails of Cold Steel nos apresenta um grupo de personagens jogáveis um tanto mais conflituoso que os anteriores. Apesar de intrigas também existirem entre protagonistas anteriores, normalmente eram coisas que acontecia com o passar da história, porém aqui somos introduzidos a isso logo de cara.

A Classe VII conta com personagens de classes sociais e passados distintos. O primeiro jogo tem foco especial nos apresentar pouco a pouco a relação entre eles. Com isso, Trails of Cold Steel I tem um aspecto tão introdutório quanto Trails in the Sky FC, o que faz muitos considerarem o título como uma boa porta de entrada para quem tem interesse na franquia, algo que, particularmente, concordo. Depois do, obviamente, primeiro jogo, é definitivamente o melhor ponto para se dar uma chance.

Ainda durante o primeiro game do arco, começamos a ver conflitos armados se desenrolarem, com o surgimento de um grupo terrorista que faz a primeira grande oposição aos protagonistas de Cold Steel. As consequências das ações desse grupo impactam não só os acontecimentos em Erebonia, mas também Crossbell, já que Zero e Azure acontecem ao mesmo tempo que Cold Steel I e II e contam com histórias conectadas a sua própria maneira.

imagem: conforme legenda abaixo.

Classe VII e amigos | Reprodução: Nihon Falcom

O arco de Erebonia conta com uma separação clara também entre ToCS I e II e ToCS III e IV. Apesar de todos os títulos terem história contínua, é claro o momento de divisão entre eles, principalmente porque em Cold Steel III somos introduzidos a outro grupo de personagens principais, mesmo que o protagonista ainda seja Rean.

Nesse segundo momento de Trails of Cold Steel, começamos a ver mais claramente o desenrolar dos acontecimentos envolvendo não só Erebonia, mas também Crossbell. É onde os conflitos políticos estão à flor da pele, fazendo com que essa nova fase comece com um padrão qualidade de roteiro bem alto. É onde também finalmente a história dá os primeiros passos para encerrar o maior conflito presente na série até aquele momento.

Com a chegada desse ponto importante para a franquia, a segunda fase de Trails of Cold Steel conta com uma imensidão de personagens, sendo muitos deles, inclusive, jogáveis. Em Trails of Cold Steel IV, por exemplo, é possível jogar com os três grandes protagonistas da franquia até aquele momento, Estelle, Lloyd e Rean, além de outros 36 personagens. No entanto, apesar de importantes, muitos retornos acabam servindo muito mais como fanservice do que para andamento da história, algo que surge em decorrência de problemas na gestão do desenvolvimento dos jogos. No fim, é algo que acaba sendo ótimo para quem é bem apegado aos personagens, contudo as coisas podem ficar um tanto mais arrastadas em situações que normalmente se resolveriam de maneira mais simples.

imagem: conforme legenda abaixo.

Rean, Lloyd e Estelle | Reprodução: Nihon Falcom.

Por fim, temos o arco de Calvard. É complicado falar sobre os jogos dessa fase já que eles ainda não foram lançados no ocidente, porém a imagem divulgada é que eles são um novo recomeço para a série. Mesmo contando com personagens antigos e ter consequências políticas derivadas de títulos anteriores, Kuro no Kiseki é outro ponto de entrada na franquia, porém um tanto mais arriscado que Cold Steel. Considerando que o título está chegando para as novas gerações, a própria Nihon Falcom já está fazendo um trabalho para indicar o arco para novos jogadores, algo que o Toshihiro Kondo, presidente da empresa, já comentou em algumas entrevistas.

Outro ponto do título é que ele novamente volta a adotar uma escolha mais madura de roteiro, contando com protagonista Van Arkride, um faz-tudo que conta com sua própria agência no submundo de Calvard. Certo dia, ele recebe um trabalho de Agnes Claudel, uma estudante que está buscando por uma lembrança deixada pelo seu bisavô. Na busca, acontecimentos misteriosos acontecem e, ao se envolver na situação, Van consegue uma habilidade especial de se transformar em uma criatura chamada Grendel.

imagem: conforme legenda abaixo.

Ilustração promocional de Kuro no Kiseki | Reprodução: Nihon Falcom

 

Um mundo conectado

Como já citado, Trails demorou para conseguir muito destaque com o público, mas talvez um fator importante que tenha chamado a atenção seja justamente a questão da história e do mundo criado pela série já que todos os jogos dela se passam no mesmo universo, sendo continuações diretas ou com histórias acontecendo de forma concomitante.

Desde Trails in the Sky FC, observamos a franquia criar todo uma trama que se estende até hoje através do continente fictício de Zemuria. Durante a história, já tivemos o surgimento de vários grupos políticos, organizações internacionais, tanto de heróis quanto de vilões, entre outras coisas que continuam se conectando, o que faz muitos fãs compararem o universo da franquia com os de obras como One Piece e Game of Thrones.

imagem: conforme legenda abaixo.

O início de uma longa batalha contra o fascismo | Reprodução: Nihon Falcom

É importante ressaltar que, na maior parte do tempo, os jogos tem uma escrita de grande qualidade. São RPGs carregados de história, não se limitando apenas aos acontecimentos principais. Missões paralelas possuem bastante conexão com tudo o que está rolando e até mesmo elas tem uma continuidade, já que os jogos de cada arco normalmente permitem que os jogadores carreguem os saves de jogos anteriores. Com esses dados, até mesmo aquele NPC aleatório que você ajudou um ou dois jogos atrás irá lembrar de sua contribuição anterior e relembrar esses momentos (antes de pedir ajuda de novo).

imagem: legenda abaixo.

Anton, o NPC apaixonado que aparece na maioria dos jogos da franquia | Reprodução: Nihon Falcom

Sobre a escrita, é impossível deixar de frisar que ela é bastante massiva não só nos acontecimentos do roteiro, mas também na quantidade de texto. Com exceção de Trails in the Sky the 3rd, todos os jogos da série principal ultrapassam os 1 milhão de caracteres, chegando ao recorde de 2,5 milhões em Trails of Cold Steel IV. Isso acontece porque, além de acontecimentos diversos na história e em sidequests, é comum todos os NPCs ganharem novos diálogos ao decorrer dos acontecimentos importantes no enredo, além das possibilidades de diálogos secretos ou que mudam dependendo de ações que o jogador segue.

Tudo isso faz com que a série Trails seja bastante pautada na construção de mundo. Apesar de também contar com personagens marcantes, o grande foco da série até hoje é criar um universo onde tudo e todos são conectados de diversas formas, sejam por laços familiares, amizades, trabalho, conflitos, etc. O grande destaque dessas conexões ficam principalmente nos conflitos políticos que a série propõe, já que eles são o que basicamente pautam a qualidade do roteiro.

Para citar um exemplo, alguns problemas na geopolítica internacional de Zemuria introduzidos em Trails in the Sky SC só foram se “resolver” em Trails of Cold Steel IV, sete jogos depois. Esses problemas, inclusive, fazem analogia direta com questões fascistas, algo que o jogo critica ativamente ao decorrer da série (apesar de ter se acovardado um pouco em ToCS IV). Os jogos incluem a visão da situação por vários vieses, mostrando, por exemplo, como a população de Crossbell sofre estando entre os enormes territórios de Erebonia e Calvard, além de mostrar questões  das políticas internas de Erebonia, o país que tem ações que assemelham ao fascismo.

Durante os jogos do arco de Crossbell, vemos que, enquanto cumpre a missão de ajudar a população, a Seção de Apoio Especial da Polícia de Crossbell também precisa batalhar contra a opressão de Erebonia, que está tentando, em disputa com Calvard, anexar o estado independente de Crossbell, já que o local é um importante centro de comércio internacional. Em Cold Steel, descobrimos que Erebonia visa anexar não somente Crossbell, mas também vários outros locais vizinhos, visando uma grande expansão de poderio e território — e usando de sua grande força militar para isso.

Toda a situação envolvendo Erebonia, a cruzada do país para anexação de outros territórios e a guerra gerada por causa disso, impacta diretamente também os eventos de Kuro no Kiseki, onde acompanhamos uma Calvard em uma situação pós-guerra, inclusive com o recebimento de um fluxo constante de imigrantes dos países e estados vizinhos.

Apesar de ser a situação de maior destaque, essa ainda é apenas uma das coisas contínuas entre os jogos (nem sequer falei que envolvem outros planos da Ouroboros). Tudo isso, apesar de poder atrair alguns, acaba também afastando muitos jogadores. Já é difícil para alguém interessado em uma franquia de jogos extensa entrar de cabeça nela, então as coisas ficam ainda piores quando a história de todos os títulos é interligada. Para piorar, os jogos da série não são nada curtos. Visando uma experiência sem pressa, o mínimo que leva normalmente para terminar um game de Trails é 50 horas, podendo chegar até mais de 100 dependendo do game.

imagem: conforme legenda abaixo.

Giliath Osborne, chanceler responsável pelos planos de anexação | Reprodução: NIS America, Nihon Falcom

 

Jogabilidade

A franquia Trails mantém o mesmo padrão de jogabilidade desde o início da série, com um sistema de turnos que usa de uma barra de ação compartilhada entre aliados e inimigos. Com isso, existe bastante espaço para os jogadores usarem e abusarem ao máximo de skills e equipamentos relacionados com velocidade, que é a melhor estratégia a se tomar normalmente.

Os personagens podem usar ataques normais e habilidades especiais únicas chamadas de Crafts, além das Arts, magias que podem ser aprendidas dependendo da build escolhida. Os personagens usam de duas métricas diferentes para aplicar os golpes especiais, Energy Points e Craft Points. Por fim, também existe uma habilidade especial chamada S-Craft, o golpe mais forte de cada personagem.

imagem: conforme legenda abaixo.

Batalhas nos primórdios da franquia | Reprodução: Nihon Falcom

Com o passar dos jogos, sistemas de cooperação entre personagens durante as batalhas foram introduzidos, além de ampliações nas builds possíveis e batalhas com mechas(!), o que acabou ficando um tanto desequilibrado em alguns jogos do arco Cold Steel pela falta de balanceamento. Em Kuro no Kiseki, a série passou a adotar um sistema híbrido de RPG de turno com RPG de ação, porém as lutas principais ainda rolam apenas no sistema clássico.

Em questão de dificuldade, Trails é bastante gentil. Ao contrário de alguns JRPGs mais antigos que pesavam a mão em alguns momentos, na dificuldade Normal é possível passar pelos obstáculos principais sem problemas. Para incluir maiores desafios, existem algumas batalhas opcionais e durante a própria história, onde o jogador pode avançar mesmo sem vencer o desafio, porém é recompensado caso consiga vencê-las, não só com itens, mas também com diálogos adicionais (mas que não afetam o andamento do roteiro).

imagem: descrição na legenda abaixo.

Mechas em Trails of Cold Steel III | Reprodução: Nihon Falcom

Um bônus interessante na franquia que também ajuda com as batalhas é que todos os jogos da série principal, sem exceção, contam com uma ferramenta de aceleração, tornando possível que o processo constante de batalhas seja bem de boa. No geral, Trails já não sofre muito com esse problema, porque os encontros contra monstros não são aleatórios, contudo é uma mão na roda para lutas mais demoradas. A ferramenta também funciona para acelerar cenas da própria história, então caso você queira economizar tempo, fica a dica e informação (não se preocupe, ela não pula diálogos nem acelera a trilha sonora).

Por fim, os jogadores também costumam ter a disposição alguns minigames, algo que é ampliado ao decorrer da franquia. Coisas clássicas como pescaria e cassino estão presentes na franquia, porém também existe algumas outras adições como Pom! Pom! Party!, semelhante a Puyo Puyo, ou o cardgame Vantage Master, inspirando em um franquia antiga da Nihon Falcom.

imagem: cena de puzzle de trails, parecido com bejeweled.

Reprodução: Nihon Falcom.

 

Localização

Apesar de toda situação, existe um outro complicador na experiência com Trails além da enorme quantidade de tempo necessário: a distribuição internacional. Além das opções de língua não serem muito variadas (os jogos chegam apenas em inglês e no japonês original para o mercado ocidental), a franquia tem um grande histórico de lançamentos feitos de forma conturbada por aqui.

imagem: conforme legenda abaixo.

Capa de Trails in the Sky FC para PSP | Reprodução: XSEED Games, Nihon Falcom

As coisas são complexas desde o início. O primeiro jogo da série, Trails in the Sky FC, foi lançado internacionalmente pela primeira vez em março 2011 para PSP pela XSEED Games e pela Ghostlight, sete anos depois do lançamento original. No entanto, a série no Japão já se encontrava naquele momento no quarto jogo, o que já indicava um atraso… algo que só piorou com o tempo.

A sequência direta do game, Trails in the Sky SC, só saiu fora do Japão em 2015, dessa vez com distribuição apenas nas mãos da XSEED, após o relançamento de Trails in the Sky FC para PCs em 2014, momento em que a série de fato conseguiu dar seu primeiro passo para alcançar o público ocidental. Além da demora, as coisas pioram quando se pensa no roteiro, já que o primeiro jogo da franquia termina com um grande cliffhanger.

Com o cronograma apertado, as coisas começaram a virar uma bola de neve. Visando uma aproximação mais rápida com os lançamentos do Japão, na época a XSEED Games lançou Trails of Cold Steel em inglês, em 2015, pulando o lançamento de Trails in the Sky the 3rd e do arco de Crossbell inteiro. Em 2017, 3rd finalmente foi lançado, porém as coisas não foram tão boas para a arco de Crossbell.

O arco de Crosbell só começou a ser lançado em inglês oficialmente este ano, em pleno 2022. Os títulos do arco foram recentemente licenciados pela NIS America, que é responsável pela franquia no ocidente desde Trails of Cold Steel III, para finalmente chegarem por aqui, com o lançamento de Trails from Zero tendo acontecido no último mês de setembro. No entanto, a decisão da NISA acabou trazendo uma nova complicação no cronograma de lançamentos.

Em 2020, com a chegada de Trails of Cold Steel IV em inglês apenas dois anos após o lançamento no Japão, as coisas pareciam estar se estabilizando. A falta de Trails from Zero e Trails to Azure não era mais tão preocupante, já que grupos de tradução não oficiais estavam trabalhando no lançamento dos jogos, com destaque principalmente para o The Geofront.

O caso do The Geofront, inclusive, foi de grande importância para a série. A tradução foi bastante elogiada pelo público, não só porque o arco de Crossbell finalmente estava chegando por aqui, mas também pela dedicação em fazer uma versão que não se baseasse em traduções automatizadas. O grupo também sugeriu para os fãs comprarem o jogo de forma oficial em japonês e isso fez com que Trails from Zero alcançasse a incrível marca de se tornar o jogo mais vendido no site japonês DLSite em 2020, dez anos após o lançamento original do game.

Outro grande marco para o grupo aconteceu em 2021, quando a NIS America anunciou que lançaria quatro novos jogos da série em inglês. Algo de grande destaque no anúncio foi o fato de que a NIS America usaria a tradução feita do Geofront no lançamento oficial de Trails from Zero e Trails to Azure, formando uma parceria inédita.

Apesar da decisão ter agradado os fãs em um primeiro momento, logo as coisas não pareceram tão boas quando se considerou o cronograma de lançamento. Apesar do anúncio ter ocorrido em junho de 2021, Trails from Zero, que já estava completamente traduzido pelo grupo, na época foi prometido apenas para o segundo semestre de 2022 (o que se concretizou). Os outros três anúncios foram prometidos apenas para 2023, incluindo Trails into Reverie, que na época do anúncio era o jogo mais recente no Japão.

Trails into Reverie acabou fugindo do cronograma do arco Cold Steel, que tinham diferença de dois anos em relação ao lançamento japonês. Com o título, na época, previsto para algum momento ainda incerto de 2023, a distância começou a preocupar ainda mais, principalmente porque ainda não há um anúncio oficial por parte da NIS America do licenciamento de Kuro no Kiseki.

imagem: posteres promocionais de trails from zero, trails to azure, trails to reverie e nayuta boundless trails.

Reprodução: NIS America

É possível notar que existe um esforço da NIS America de correr atrás desse prejuízo. O lançamento de Trails into Reverie está previsto para o terceiro trimestre do ano que vem, alguns meses depois de Trails to Azure, que será lançado em março, mas por enquanto ainda fica difícil de enxergar uma aproximação mais rápida com a versão japonesa.

Para uma série que se pauta tanto em sua história, a distância do lançamento acaba gerando preocupações também com spoilers, o que faz com que vários grupos de tradução surjam com lançamento apressados que usam tradução automatizada para possibilitar que os fãs fiquem relativamente em dia com os lançamentos do Japão.

Isso, inclusive, gerou recentemente uma polêmica, já que a NIS America derrubou uma tradução de Kuro no Kiseki, jogo ainda não anunciado pela empresa. Claro, a opção mais provável é que a licença já exista, porém a fúria dos fãs não perdoou. Somando com a demora para os lançamentos, as controvérsias envolvendo o lançamento oficial de Trails acabam crescendo cada vez mais.

No entanto, nem todas as pedras devem ser jogadas para cima das licenciantes do lado de cá nesta situação, ainda mais se considerarmos que o modelo de lançamento dos jogos pela própria desenvolvedora japonesa, Nihon Falcom, acaba sendo um tanto desgastante, até mesmo predatório.

Pessoalmente, por mais fã que eu seja, acho que a chegada praticamente anual de títulos acaba sendo bem prejudicial pra franquia. Desde o aumento do ritmo no lançamento, a qualidade da história de Trails começou a sofrer visivelmente, algo que se deu também pela falta de planejamento nos jogos da série Cold Steel, arco que se estendeu por mais tempo do que estava prevista originalmente. E essa falha no planejamento parece estar se estendendo também para os jogos do arco de Calvard. Com o “espaço vazio” para cobrir, os títulos acabam ficando com um conteúdo um tanto repetitivo em alguns trechos, o que prejudica o andamento do roteiro.

Muitos ainda tentam argumentar que o lançamento de Trails não tem motivos para ser tão atrasado por aqui, já que as traduções da série saem rapidamente em outros países do mercado asiático, onde conta com traduções em chinês e coreano. No entanto, como citado, a situação virou uma bola de neve que não tem apenas um responsável.

imagem: descrição abaixo.

Recém-lançado por aqui, Trails from Zero é continuação direta da trilogia Sky | Reprodução: NIS America, Nihon Falcom

Apesar de todas as complicações, existe um lado bastante positivo na localização dos games. A tradução da XSEED Games da trilogia Trails in the Sky é tomada como referência, sendo um grande trabalho de adaptação para o público ocidental, algo que ficou marcado principalmente na personalidade dos personagens e também em pequenos detalhes, como a presença de algumas frases especiais em baús do jogo, algo que se tornou tão adorado na comunidade que se manteve presente na versão do Geofront (mas que infelizmente não existe mais nos lançamentos atuais).

O cuidado é tanto que, quando rolou a transição da franquia para a NIS America, existiu toda uma curadoria com auxílio do time da XSEED para que a adaptação não perdesse a qualidade e consistência com a mudança de empresa. Isso se fez necessário também porque na época a fama da NIS America não estava das melhores. já que a versão inicial da tradução de Ys VIII: Lacrimosa of DANA foi ostracizada pelo público.

Outro elogio na tradução também ficou para a dublagem em inglês do game. A dublagem de Trails of Cold Steel ainda caiu muito nos padrões de problemas de interpretação que existem em alguns “RPGs de animê”, como em Persona, porém a versão de Rean Schwarzer pelo dublador Sean Chiplock é bem mais querida pelo público do que a versão original, já que os fãs argumentam que o dublador incrementou bastante a personalidade do protagonista. Ajuda também o fato de que demorou para existir uma versão oficial em inglês que contasse com a dublagem japonesa (algo que podia ser medicado com o uso de patches não oficiais, bastante difundidos pela comunidade).

Rean Schwarzer em Trails of Cold Steel IV | Reprodução: Nihon Falcom

 

Spin-offs

Além da série principal, Trails também tem alguns spin-offs. Os títulos alternativos da série são The Legend of Nayuta: Boundless Trails e Akatsuki no Kiseki, além do crossover Ys vs. Trails in the Sky.

Dentre os títulos, The Legend of Nayuta provavelmente é o mais popular. O RPG de ação foi lançado originalmente para PSP e é até mesmo considerado um dos melhores jogos do gênero no portátil da Sony. Além disso, o game é um grande alvo de teorias de fãs, que propõem que o jogo pode ser canônico para o universo da franquia. No entanto, já foi confirmado pela Nihon Falcom que o título é uma experiência individual, sem ligação direta com o universo principal da franquia. Isso, no entanto, não impede a empresa de colocar uma referência aqui e ali para atiçar o público.

The Legend of Nayuta foi um dos títulos anunciados para ganhar localização em inglês junto de Zero, Azure e Reverie. Apesar de já estar disponível via Steam pela NIS America, a versão em inglês será lançada apenas em algum momento do ano que vem.

imagem: descriçãp abaixo.

Nayuta e Noi, protagonistas de The Legend of Nayuta: Boundless Trails | Reprodução: Nihon Falcom

Akatsuki no Kiseki, apesar de ser um spin-off, tem acontecimentos dentro do universo principal da franquia, porém, já que eles não são muito interligados com a história principal, é um título que fica de fora do radar dos fãs, ainda mais por ser um jogo que usa de mecânicas de gacha e estar completamente distante para o público ocidental, sem qualquer tradução ou possibilidade dela sequer citada.

Por fim, o crossover de Trails com Ys é um jogo de luta que, apesar de ter uma história, obviamente acontece de forma independente em relação ao universo de ambas as séries. Apesar de tudo, é um título bastante divertido, principalmente por usar o gameplay frenético de Ys Seven nas batalhas.

imagem: descrição abaixo.

Adol e Estelle, protagonistas principais das maiores franquias da Falcom | Reprodução: Nihon Falcom

 

Adaptações

Sendo uma franquia numerosa, além de spin-offs, Trails também conta com várias adaptações e obras inspiradas no universo da franquia. São mangás, animês, livros, peças de teatro e por aí vai. Entre as produções mais populares, provavelmente está a adaptação em OVA de Trails in the Sky SC (que acabou virando meme na comunidade ocidental) e também o anime e mangá Falcom Gakuen, spin-off de comédia que conta com crossover de várias séries da Falcom, com personagens principais saídos de Trails e Ys.

imagem: poster do anime de trails of cold steel.

Reprodução: Tatsunoko Production

No meio disso tudo, uma nova adaptação animada importante para a franquia está chegando: Trails of Cold Steel: Northern War, título anunciado em 2021. O animê já teve um grande hype durante o anúncio, já que foi confirmado que o projeto é uma parceria global entre a Funimation, a UserJoy Technology, a SYOU e a NADA Holdings, visando uma grande distribuição para o animê.

Previsto anteriormente para 2022, a série foi adiada e agora chega apenas no início de 2023 (mas ainda não existe uma previsão mais exata). O título do estúdio Tatsunoko Production contará com uma história que, ao menos conceitualmente, atrai bastante os fãs, já que ela irá tratar de um conflito armado que, apesar de importante para a história do arco Cold Steel, não é foi muito bem abordado, ficando apenas em citações de uma situação que ocorreu durante a passagem de tempo de Trails of Cold Steel II para Trails of Cold Steel III.

O conflito foi algo que impactou bastante a situação de Rean pessoalmente, sendo também algo que o tornou em uma figura de destaque em toda Erebonia, então saber mais detalhes sobre isso acaba sendo um detalhe importante para o enredo.

Infelizmente o novo animê vai acabar caindo no mesmo problema da série de jogos e sendo um ponto de entrada possivelmente impossível. Existem planos para que o título gere força internacionalmente para a franquia, porém, considerando o que se espera do enredo, fica claro que será algo mais destinado apenas a quem já acompanha os títulos até então. Para os fãs, claro, é uma grande oportunidade de ver acontecimentos importante finalmente revelados, mas para por aí. Se funcionar para alguém alheio se interessar, sorte.

 

Uma carta de amor

Apesar de todos os altos e baixos, dentro e fora dos jogos, não consigo deixar de ressaltar o quão importante essa franquia é para mim (e acabou sendo para tanta gente que conheci). Os dois primeiros jogos de Trails in the Sky são o suficiente para fazer qualquer um se apaixonar, tanto que o mais importante quando recomendo a franquia é falar “tenta pelo menos os dois primeiros jogos”. Apesar da série continuar a ganhar títulos até hoje, acho que os dois primeiros são uma experiência completa para qualquer um, gostando ou não.

No fim das contas, acho difícil para quem foi até o final do segundo jogo não continuar tendo interesse na série, mas para quem gosta de jogar no seu ritmo, é um ótimo ponto de pausa, dando uma deixa para continuar quando quiser.

A história de Trails, por muitas vezes, é bem brega. No meio de toda densidade política, prevalece também a amizade, amor, empatia… É, como citei, uma experiência parecida com One Piece, inclusive no quão fácil é se apaixonar pelos personagens. É emocionante vê-los aparecer de novo depois de tanto tempo e também as relações de companheirismo que tanto gostamos, algo que se expande ainda mais quando vemos uma “geração” se encontrar com a outra em prol de um bem maior.

imagem: cena de jogo, com garota em cais em lago.

Reprodução: Nihon Falcom

Todas as cenas importantes ficam ainda mais emocionantes com a trilha sonora dos jogos, que poderia muito bem ter uma seção própria nesse texto considerando o trabalho grandioso que o time musical da Nihon Falcom faz. O time conta com vários nomes que estão presentes não só na Falcom, mas em toda indústria musical de jogos, como Yuzo Koshiro, Atsushi Shirakawa, Hayato Sonoda, entre outros. Mesmo não acabar jogando, é impossível não recomendar escutá-los. O Spotify conta com praticamente todas as trilhas sonoras que o time participou.

Toda a atenção a tantos detalhes que Trails fornece realmente faz qualquer um se apaixonar pela série e, algo que desejo bastante, é que mais pessoas se apaixonem por ela. Torço para que todas as complicações para acompanhar a franquia um dia se aliviem e, você que tenha se interessado mesmo que minimamente, tome seu tempo para jogar um pouquinho. Vale a pena, de coração.


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