O disco mais vendido da história do Brasil é o Músicas Para Louvar ao Senhor, de 1998, do Padre Marcelo Rossi. Nele, tem aquela música, que todos nós já ouvimos e cantamos em algum momento: “Ergue-ei / as mã-aos / e daí glória a De-eus”. Estimadamente, 3.328.468 cópias.

O segundo disco mais vendido da história do Brasil é o icônico Xou da Xuxa 3, da dona do xou, de dez anos antes, e que traz um outro clássico que você, seus pais, seus vizinhos, professores e até o Padre Marcelo Rossi já devem ter cantado: “Ilariê”. Mais ou menos 3.216.000 cópias.

Somadas as vendas estimadas desses dois álbuns mais vendidos aqui do Brasil, ainda assim, a quantidade não arranha o quão enorme foi o sucesso do First Love no Japão. Um link meio maluco, eu sei, mas que serve para a gente mensurar o quão forte e intrincado é esse disco dentro da cultura pop nipônica.

Não conhece? Tem no Spotify!

Lançado em 1999, First Love é o primeiro álbum de estúdio de Utada Hikaru, em japonês, no Japão. Antes, havia lançado um disco em inglês intitulado Cubic U. Ele deveria ser focado no mercado norte-americano. Porém, por problemas envolvendo sua gravadora à época, o álbum foi lançado só no Japão. Mas, de modo “oficial”, o First Love é tomado como o “debut” delu.

E que debut! Os números do Padre Marcelo e da Xuxa são impressionantes? O First Love, só em 1999, vendeu mais do que ambos somados nesse tempo todo. Em torno de 7.672.120 de cópias até então (e algumas fontes creditam como 8.600.000 ou 9.910.000 de cópias). É cópia pra burro e mostra como o mercado fonográfico japonês, já décadas atrás, era grande assim e autossuficiente.

Esse é o disco mais vendido da história do Japão. E ele é um desses casos onde a tracklist inteira vende o conceito do título a partir de diferentes perspectivas. Todo ele fala sobre as sensações adolescentes de se viver um primeiro amor, com todas as excitações e incertezas vindas disso que só ocorre uma vez na vida (ou duas, se você for bi ou pansexual).

A letra de “First Love” engloba todo aquele mix agridoce de sentimentos que envolvem o primeiro amor. Desde aquilo de experimentar pela primeira vez uma porção de sentimentos, até a inevitável tristeza de saber que, uma hora, isso irá terminar.

A primeira linha de “Automatic” é, literalmente, Hikaru dizendo que não consegue evitar a euforia quando a pessoa atende o telefone. “Movin’ On Without You” mostra um outro lado, o da insegurança de sofrer rejeição. “In My Room” fala sobre aquelas fantasias que criamos em nossa mente quando cruzamos com a pessoa que achamos que é o nosso grande amor.

Em “Amai Wana, Paint It Black”, vemos a parte “perigosa” de se apaixonar, onde todos os indícios apontam para o fato de a pessoa não ser tão legal, mas ainda assim nos cativar, como se caíssemos numa armadilha por vontade própria. “B and C” e “Another Chance” falam sobre se jogar nesse primeiro amor sem ressalvas, viver a experiência. Já “Time Will Tell” mostra o fim desse primeiro amor pelo tempo e toda a dor que esse término traz, tema que se repete na triste “Never Let Go”.

Esse foi um enorme debut e a carreira de Utada Hikaru seguiu em alta por muitos anos. Entre colaborações com as trilhas sonoras de Neon Genesis Evangelion e Kingdom Hearts (que devem ser seus trabalhos que mais atingiram o público fora de sua bolha), elu já lançou mais sete álbuns japoneses (dois deles, os ótimos Distance e Deep River, também figuram nas listas de 10 álbuns mais vendidos do Japão), duas coletâneas best of e dois discos em inglês, dessa vez, realmente, focados no mercado norte-americano, o péssimo EXODUS, de 2004, e o muito legal This Is The One, de 2009.

“Hunnies if you’re gay / Burn it up like a gay parade / Hunnies if you’re straight / Bump it up take it all away” ainda é uma das linhas mais icônicas do pop asiático dos anos 2000…

Um fato interessante acerca da carreira de Utada Hikaru e do First Love é que, quase 20 anos depois, elu lançou um outro disco com esse mesmo título, só que em japonês, o Hatsukoi. Embora traga o mesmo tema como fio condutor, o álbum é bem diferente em sua abordagem, pois traz quase duas décadas de experiência como carga emocional, somando um casamento que deu errado nesse meio tempo e uma poesia que só a maturidade pode nos proporcionar.

Inspirada no First Love, a Netflix lança na próxima quinta-feira (24/11) uma série original e mesmo nome (em japonês, First Love Hatsukoi). Ela trata de uma história de amor e se passa entre o final dos anos 1990, o começo da década de 2000 e os dias atuais (as épocas dos lançamentos dos álbuns First Love e Hatsukoi), estrelando Hikari Mitsushima como Yae Noguchi e Takeru Satoh como Harumichi Namiki.

Noguchi sonha em ser comissária de bordo, mas sofre um acidente trágico que a impede de realizar seus sonhos. Já Namiki tentou ser piloto das Forças de Autodefesa do Japão (Jieitai) mas desistiu.

O roteiro e a direção estão por conta de Yuri Kanchiku, diretora do filme Meus Dias Chuvosos (Tenshi no Koi, 2009). É a primeira série inspirada nas músicas de Utada.

É uma pena que tendo em mãos uma produção ligada a alguém deste calibre, a Netflix tenha feito uma divulgação tão pífia fora da Ásia, perdendo uma chance de tentar furar a bolha de fãs de Hikaru — First Love sequer figura entre as estreias de novembro divulgadas pelas redes sociais da Netflix Brasil, mesmo sendo um original do streaming.


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