Completando 50 anos de idade nesta quinta-feira (30), Angélica Ksyvickis voltou com tudo à mídia recentemente. Com as homenagens que recebeu na Globo, com direito a especial no Domingão do Huck, e o lançamento da série documental Angélica: 50 & Tanto, no Globoplay, o JBox também resolveu entrar na onda e fazer uma retrospectiva da carreira da loura, que teve seu nome bastante atrelado às produções japonesas na sua carreira como apresentadora infantil.

Iniciando na Manchete em 1987, aos 12 anos de idade, substituindo Simony no programa Nave da Fantasia, Angélica logo ganhou os holofotes da mídia por seu carisma. Tendo que conviver desde o início com uma comparação infundada com Xuxa Meneghel, 10 anos mais velha e que reinava sozinha absoluta na preferência das crianças nas manhãs da Globo, a novata trilhou seu próprio caminho.

Angélica no 'Clube da Criança', em 1988.

Angélica no ‘Clube da Criança’, 1988. | Foto: Divulgação



A era Manchete

Com o fim do Nave da Fantasia, ainda em 1987 ela foi deslocada para um revival do Clube da Criança, atração que estava fora da grade da emissora desde 1986, com a partida de Xuxa para a Globo. Inicialmente apresentado em parceria com o ator Ferrugem, o Clube ganhou nova roupagem a partir do verão de 1988. Com o novo cenário, Angélica assumiu como a única apresentadora da atração.

Foi exatamente nessa época que ocorreu a estreia dos fenômenos Jaspion e Changeman. A audiência do programa saltou de 1% de participação para incríveis 4% menos de 2 meses após a estreia dos seriados. Ao final do primeiro ano, já batia em 7%, segundo informações da Folha de S. Paulo. Curiosamente, Angélica participou da campanha de lançamento do primeiro show de Jaspion e Changeman no Brasil: foi a apresentadora do espetáculo ocorrido no Video Trade Show, nos dias 5 e 6 de março, no Anhembi.

No final de 1988, ela lançou seu LP de estreia, contendo o sucesso “Vou de Táxi”, adaptação do cantor Byafra e Aloysio Reis para a música “Joe Le Taxi”, da cantora francesa Vanessa Paradis. Tudo isso antes de completar 15 anos — festa essa que foi mostrada com bastante pompa nas páginas da revista Manchete.

Em março de 1989, reforçado por Flashman, o Clube ganhou mais tempo no ar. A partir de outubro, Jiraiya e Lion Man foram adicionados ao programa da loura, sendo a verdadeira casa das séries japonesas no Brasil. Isso era mais ou menos o que acontecia com sua contraparte francesa, a apresentadora Dorotheé, que fez tanto sucesso com seu Club Dorotheé (onde também exibia animês e séries tokusatsu), a ponto de ir para o Japão participar das séries produzidas pela Toei em 1988 (Jiraiya, Liveman e Kamen Rider Black). Se a moda pegasse, o clipe de “Angelical Touch”, sucesso do segundo álbum de Angélica, poderia ter acontecido em Harajuku.

 

Changeman e Jaspion do Circo Show no aniversário de Angélica | Foto: Adriel de Almeida (Facebook)


Ainda em 1989, em novembro, Angélica ganhou a inusitada visita de Jaspion e Changeman no seu aniversário de 16 anos de idade, no palco do seu programa no auditório da Rua do Russel. Eram os integrantes do Circo Show Jaspion e Changeman, que na época se apresentavam em todo o Brasil. Curiosidade: os heróis dividiram o palco para o parabéns com Cid Guerreiro, famoso cantor de axé da época e compositor de alguns dos maiores sucessos de Xuxa, como “Ilariê”, “Tindolelê” e “Pinel por Você”.


Acostumada ao que hoje chamamos de crossover, Angélica foi atriz em produções dos Trapalhões, astros da Rede Globo, desde 1988, quando participou junto com o grupo Dominó do filme Heróis Trapalhões — inclusive gravando a música “As Palavras” com a trupe da gravadora de Gugu Liberato. Em 1989, foi a vez de protagonizar Trapalhões na Terra dos Monstros, onde em uma insólita cena inicial ela canta no Viva a Noite, programa de Gugu nas noites de sábado do SBT dos anos 1980, logo após um jingle da Galinha Azul, emblemático mascote do Caldo Maggi. Em 1990, protagoniza um novo filme da produtora de Renato Aragão: Uma Escola Atrapalhada, onde foi a rebelde Tamy, fazendo um inusitado par romântico com o cantor Supla.

 

Cenário do Clube da Criança em 1990 | Foto: Divulgação


Em 1990, com a estreia de um novo cenário, o dos Caçadores da Fortuna, imitando uma floresta cheia de aventuras em um tabuleiro gigante de 34 casas, Angélica ganhou mais companhias japonesas: foi a vez de Jiban chegar ao Brasil — chegou tão rápido que a série ainda estava em exibição em seus episódios finais no Japão. Além do policial de aço, animês da Sato Company, então Brazil Home Video, aportaram no Clube. A exibição, de forma seriada, colocou nomes como Voltes Cinco, Doze Meses, Capitão Harlock e a Nave Arcádia, Dos Apeninos Até os Andes (versão coreana da série Marco), Fábulas de Esopo, Baldios e Macross — A Batalha Final para as tardes da Manchete, assim como exibições matinais no Cometa Alegria.
Todos esses animês eram longas, compilados ou não, lançados diretamente para vídeo pela Brazil Home Video a partir de 1986.

Como podemos notar, Angélica estava cercada de produções japonesas por todos os lados em seu programa. No final daquele ano, com a febre da lambada, lança seu terceiro álbum, incluindo o sucesso “Me dá um beijinho”, com participação do grupo Kaoma, para deixar tudo ainda mais surreal.

No Dia das Crianças de 1990, a Rede Manchete altera mais uma vez o cenário do Clube, sendo o penúltimo utilizado na fase de Angélica. O cenário era uma cidade, que tinha espaço para lanchonete noturna, um canto para a “sereia” Angélica ler as cartas e também uma espécie de fazendinha com paiol. Novidade mesmo que interessava para a juventude da época eram os seriados. Cybercop — Os Policiais do Futuro entrou na programação do Clube, com exibição apenas duas vezes por semana, para poupar a série. Resumo da ópera: em alguns dias da semana, Angélica tinha 1 animê e 7 séries tokusatsu em exibição no seu programa.

Capa da fita VHS 'Angélica e o Mágico de Oz'.

Capa da fita VHS ‘Angélica e o Mágico de Oz’. | Foto: Reprodução


Ainda no campo dos animês, entre 1990 e 1991, Angélica foi a “narradora” das aventuras de O Mágico de Oz, na versão da U.B.C.(União Brasileira de Cinema), em parceria com a Bloch Editores. Tratava-se de um relançamento do animê, que tinha saído pouco tempo antes, pela WR Filmes, em julho de 1988. Originalmente, o longa animado não tinha nada da apresentadora. Ainda nas fitas seladas, Angélica foi a apresentadora de alguns episódios do seriado alemão Pumuckl, que estreou em dezembro de 1989 no Clube da Criança

Em 1991, algumas novidades da programação da Manchete respingaram no Clube. Exibidos inicialmente na sessão Super Heróis, Maskman, Kamen Rider Black e Spielvan foram logo distribuídos para outros horários. Spielvan e Black foram exibidos no Clube até 1992, e Maskman ganhou uma exibição bem decente duradoura ao meio-dia, sempre antecedendo o Manchete Esportiva. Até que chegou 1992…

Como já foi abordado em outra matéria, as séries tokusatsu saíram do Clube da Criança em 1992, quando ocorreu a mudança de horário e a derradeira mudança de cenário. Em maio, deslocada para as manhãs e tentando frear a audiência do último ano de Xuxa nas manhãs da Globo, Angélica não foi páreo para Tiny Toon e Família Dinossauros, os headliners da programação Global nos programas Show do Mallandro e Xou da Xuxa.

Na volta para as tardes, menos de dois meses depois, o Clube ficou repleto de programas educativos oriundos da TV Cultura, como quadros do Rá-Tim-Bum. Mas Angélica não se livrou do Japão tão fácil assim. Doraemon, o Super Gato, teve destaque no Clube a ponto de uma versão de pelúcia do bichano contracenar com a apresentadora no palco. Malandramente, a produção de Angélica tratou de utilizar a música “Super Cat” como se fosse o “tema” de Doraemon quando ele ia ao palco. Faixa do primeiro LP da apresentadora, ela foi produzida como tema de um personagem do Clube em 1988 e nada tinha a ver com o famoso gato japonês.

O verdadeiro Super Cat, de azul | Foto: Divulgação

 

Hiato com os japoneses: a fase SBT

Angélica saiu da Manchete em 1993, com o agravamento da crise da emissora, já de posse do grupo IBF. Oficialmente, o Clube saiu do ar apenas em abril de 1993, mas foram meses e meses de reprise. O contrato de Angélica para 1993 com a emissora do Russel previa dois novos programas: um dominical, mais ou menos nos moldes do musical Milk Shake, que ela apresentava aos sábados, e uma nova versão para o Clube, com outro nome – TV Angélica. Nada disso foi cumprido, e o contrato foi desfeito.

Angélica assinou com o SBT, após quase 4 anos de intensas tentativas da emissora paulista para contratá-la. A assinatura foi muito alardeada na imprensa, tendo exibição até no programa Aqui Agora, clássico policialesco do SBT. Curiosamente, no mesmo dia em que Angélica assinou com a emissora de Silvio Santos, a Bloch retomava a Manchete na justiça da IBF.

A loura ficou no SBT de agosto de 1993 até julho de 1996. Foi a única fase da carreira em programas infantojuvenis em que se livrou de conteúdos japoneses. Nesse meio tempo, gravou 3 discos, com temáticas um pouco mais adolescentes do que vinha fazendo até então. “Flecha de Amor”, sucesso do disco de 1993, Meu Jeito de Ser, teve clipe até na MTV. Nos outros álbuns, parcerias com gente como Fausto Fawcett, Evandro Mesquita, Vinícius Cantuária e até mesmo Latino, em um dueto inusitado. No SBT, Angélica também apresentou os programas Passa ou Repassa e TV Animal, herdados de Gugu Liberato. Seu programa infantil, Casa da Angélica, ficou nas tardes da emissora por dois anos, até ser jogado para o ingrato horário das 7h30 para dar mais foco nos outros programas que ela apresentava à tarde. Até que chegou a vez da Globo levá-la para seu casting.

 

A era Globo

Em setembro de 1996, o Angel Mix estreia nas manhãs globais, junto com a novelinha Caça-Talentos, mais uma incursão de Angélica pela teledramaturgia. Ela já havia atuado como dublê de atriz e apresentadora ainda na época da Manchete, quando protagonizou o seriado O Guarani, baseado na obra de José de Alencar, e na micro novelinha Tempestade de Lágrimas, junto com um estreante Otaviano Costa, exibida dentro do programa Casa da Angélica, no SBT.

Na Globo, Angélica voltou a ter o seu programa recheado de conteúdos nipônicos — ainda que de maneira “ocidentalizada”. De 1997 a 2000 passaram pelo Angel Mix, em diferentes épocas, os animês The Wacky World of Tic & Tac — junção de Eggy (Tamagon) e Tic e Tac (Kaba Totto) –,  A Abelinha Guerreira (Minashigo Hatchi), Pinocchio — o clássico da Tatsunoko em versão refeita da Saban –, e um retalhado (ops) Samurai X.

Entre as séries tokusatsu, exibição de Power Rangers Zeo, Turbo e No Espaço, a segunda temporada de VR Troopers, além de Heróis por Acaso (os Beetleborgs, adaptação de B-Fighter).

imagem: personagens de Caça-Talentos

Caça-Talentos. | Foto: Divulgação/Globo



Com o fim de Caça-Talentos, e o início da nova empreitada dramatúrgica do Angel Mix, Flora Encantada, os números de audiência foram minguando gradativamente conforme a concorrência aumentava. Com a saída de Eliana do SBT, indo para a Record, e a emissora de Silvio Santos substituindo a apresentadora do Bom Dia & Cia pela ex-integrante do Fantasia, Jackie Petkovic, a Globo começou a sentir a pressão. Em 1999, com a estreia de Pokémon na Record, e depois com o lançamento de Ultraman Tiga em 2000, alguns preciosos pontos de audiência foram migrando do Angel Mix para as outras emissoras. Isso ocasionou uma mudança de rota e a extinção do programa matinal de Angélica.

Com o fim do Angel Mix em junho de 2000, Angélica foi deslocada para outra atração: Férias Animadas, com uma grande novidade: a estreia de Digimon. Sendo a responsável pela “música” de abertura dos monstrinhos digitais, uma campanha massiva da Rede Globo tentou colar a imagem da loura no animê. Enquanto isso, outra boa animação japonesa da época ficou no vácuo: Super Pig, também exibido no Festival.

Tudo isso era uma tática para conter os avanços de Eliana e o sucesso de Pokémon, que causaram verdadeiras dores de cabeça para os executivos globais, já que os monstrinhos da concorrência chegavam a vencer a programação da Globo em vários momentos entre 1999 e 2000. Mas, além de Digimon, a emissora do Jardim Botânico dobrou a aposta contra a concorrência nos meses seguintes.


A partir de outubro de 2000, Angélica ganhou um novo programa na emissora — e o seu derradeiro para o público infantil: Bambuluá. Alternando funções de atriz, na aventura dos Cavaleiros do Futuro, e apresentadora, junto com outros apresentadores mirins, na gênese da TV Globinho, um dos quadros do programa, a despedida de Angélica do mundo japonês contou com alguns bons nomes: Power Rangers na Galáxia Perdida, Monster Rancher, Hamtaro, Sakura Card Captors e a fase Majin Buu de Dragon Ball Z, que a Globo inteligentemente roubou da Bandeirantes e naufragou os planos da emissora do Morumbi.

O Bambuluá ficou na programação da Globo até o final de dezembro de 2001, sendo substituído pela TV Globinho em janeiro de 2002, até o derradeiro fim da exibição diária em 2012 com a entrada do Encontro com Fátima Bernardes nas manhãs globais.

Angélica e os Cavaleiros do Futuro em 'Bambuluá'

Angélica e os Cavaleiros do Futuro em ‘Bambuluá’. | Foto: Divulgação/Globo



A saída de Angélica da programação infantil da Globo foi feita de forma gradual. Começou com ela interpretando a personagem Angelina na novela das 19h, Um Anjo Caiu do Céu, contracenando com Caio Blat e Tarcísio Meira, e culminou com sua ida para o Video Show, onde apresentou por quase uma década o quadro Video-Game, com perguntas e curiosidades sobre a própria Globo.

Também apresentou, entre 2006 e 2018, o programa Estrelas, aos sábados pela tarde, mais ou menos no mesmo horário em que apresentava o Milk Shake na Manchete. Além disso, participou de alguns filmes, como Zoando na TV, Xuxa e os Duendes, Um Show de Verão e Xuxa em o Mistério da Feiurinha. Sua saída derradeira da Globo aconteceu após uma temporada do programa Simples Assim, também exibido aos sábados, em 2020, durante a pandemia de Covid-19, após uma inexplicável geladeira de dois anos da emissora.

Com 50 anos de idade, e mais de 35 deles vividos na TV, basicamente entrando na nossa casa diariamente, Angélica é uma figura que cativou diferentes gerações. O carisma e versatilidade da apresentadora sempre foi garantia de audiência em todas as emissoras em que passou. Seus discos, gravados por grandes músicos de estúdio, como o grupo Yahoo e Roupa Nova, venderam milhares de cópias entre 1988 e 2001.

Ao completar meio século de vida, Angélica fez parte da vida de muitos de nós. Seu vínculo com tantos produtos japoneses ao longo de quase 15 anos contribuiu para que ganhasse a simpatia de muitos entusiastas desse tipo de produção no Brasil e fizesse eternamente parte da memória afetiva da nossa cultura pop.


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