O que você faria se fosse demitido do trabalho injustamente sem mais nem menos? Para piorar, o seu salário é a única renda da sua família e agora você simplesmente não sabe o que fazer… Provavelmente, esse tipo de situação já deve ter acontecido com muitas pessoas e esse drama quotidiano corriqueiro é o pontapé inicial do quadrinho Calendar, da brasileira Lígia Zanella. Sucesso da plataforma Catarse, a história que começou a ser escrita lá em 2012 ganhou uma edição especial em volume único pela JBC no ano passado.

Calendar tem como protagonista a jovem Suzan, funcionária de uma agência de viagens. Um dia, ela é acusada de roubo e demitida sem muitos preâmbulos. Completamente aturdida e desolada, pois com o dinheiro de seu salário sustentava não só a si mesma mas também a mãe e a irmã, Suzan acaba indo até um parque. Lá ela encontra um garoto deitado na grama, cochilando despreocupadamente. Esse encontro inesperado promete mudar completamente a vida e o pequeno mundo de Suzan.

imagem: página com início do ato 6.

Divulgação: Lígia Zanella.

O quadrinho é uma narrativa que desperta um misto de emoções, por assim dizer. Ele é quase uma mistura de um mangá shoujo dos anos 2000 com uma novela da Globo.

A arte de Zanella tem claras influências dos mangás shoujo, a autora usa até mesmo as conhecidas flores no plano de fundo dos cenários.

Complementando esse aspecto, a narrativa contém muitos elementos encontrados em telenovelas: drama, uma reviravolta inesperada e levemente aleatória e, claro, aquele capítulo final com cara de novela das 19h.

Pode-se dizer que se trata de um novelão, tanto para o bem quanto para o mal.

Há momentos divertidos, alguns personagens carismáticos e a jornada da Suzan sobre descobrir o que quer para si — e consequentemente aprender que a vida dela inteira não está atrelada unicamente a uma empresa para qual ela trabalha — é de fato interessante.

Ao mesmo tempo, por vezes, a história acaba tendo um tom meio piegas. Em alguns momentos se nota um exagero no quanto Suzan é tocada pela história de Victor, o garoto que ela conhece no parque.

Apesar do drama de Suzan fazer sentido e até mesmo causar identificação — afinal, quem nunca foi demitido injustamente e ficou desesperado? Ou, quem nunca colocou fichas demais na relação que tem com o trabalho? —, existem pequenos detalhes que acabam atrapalhando a verossimilhança da narrativa e, por consequência, a experiência de leitura e a conexão do leitor com a obra.

Um ponto que salta aos olhos é como, em alguns momentos no ambiente corporativo, as personagens se comunicam de uma forma que não parece muito natural. No início do quadrinho, Suzan e uma colega vão encontrar um cliente da empresa em que trabalham que é um empresário super rico e respeitado e elas o chamam de “Sr. Charles”. Não só isso, ele chama as duas de “senhorita”. São tratamentos que soam estranhos, primeiro, não é tão comum, ao menos por aqui, as pessoas se referirem umas às outras assim tão formalmente a ponto de usar “Sr. Charles” e “Senhorita Suzan”.

Por mais que, talvez, seja possível que funcionários chamem um chefe de “senhor”, muito raramente o pronome de tratamento seria usado acompanhado do nome próprio, menos ainda do sobrenome, ou segundo nome. Comumente, no Brasil, quando o pronome de tratamento é usado juntamente ao nome, ocorre uma contração: “Seu Carlos”, por exemplo.

Ainda assim, esse tipo de tratamento acaba sendo utilizado quando a pessoa em questão tende a ser mais velha ou, no caso de hierarquia, quando essa diferença hierárquica é realmente muito grande. Ou seja, raramente aconteceria numa relação em que a pessoa em questão tem um cargo no qual lida diretamente com o “senhor” em questão. Além disso, as chances de um chefe chamar uma funcionária ou uma funcionária de uma empresa com a qual ele colabora de “Senhorita Carla”, por exemplo, são ainda menores.

É verdade que podemos pensar nas atendentes de telemarketing ou recepcionistas de hospitais que às vezes se referem aos clientes como “Senhora Nathália” e “Senhor Giovani”, todavia é um tipo diferente de relação, não a retratada no quadrinho. No caso de Calendar, parece ser um vício da autora, provavelmente vindo de referências estrangeiras.

imagem: página de calendar.

Divulgação: Lígia Zanella.

Além dessas questões discursivas, existem também alguns acontecimentos da história que claramente acontecem só por conveniência.

Por exemplo, a posição social da família do Victor e o momento em que a Suzan descobre essa informação. O lugar social que Victor ocupa acaba afetando até mesmo o modo que o primeiro encontro deles acontece.

O parque onde eles se encontram é perto da casa do Victor ou da casa da Suzan? É no meio do caminho entre a casa deles? É perto da empresa onde ela trabalhava?

Todas essas perguntas não são respondidas, é como se a narrativa nunca nem mesmo as tivesse considerado.

Por último, a reviravolta final é realmente digna de novela e uma daquelas que não se importa muito em ser realista. Na verdade, essa reviravolta de uma certa maneira cria um conflito que nunca é resolvido, porém, ao julgar pelo final da história, não causou maiores problemas novamente.

Em resumo, Calendar é uma história que tem potencial, mas ele acaba sendo consideravelmente mal aproveitado. O que fica da narrativa é a jornada da Suzan, alguns momentos engraçados, as artes bonitas da autora — a edição da JBC contém umas artes finais verdadeiramente muito lindas — e um romance fofo. Características essas que normalmente estão presentes em histórias que as pessoas gostam, mas que seriam melhor aproveitadas se fosse só uma história de romance fofo, sem os dramas que pretendem dar profundidade à narrativa, porém às vezes acabam tornando-a um pouco piegas.


Galeria de fotos

Confira algumas imagens da edição no álbum abaixo (clique para ampliar):


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imagem: capa da edição especial de Calendar

Divulgação: JBC.

Volume Único


Essa resenha foi feita com base nas edições cedidas como material de divulgação para a imprensa pela editora JBC.


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