A infância é uma fase muito preciosa na nossa memória. Não exatamente a dos primeiros anos – até porque esquecemos de tudo – mas aquela que vivemos ali mais ou menos depois dos 6 anos de idade é responsável pelos registros que guardamos com mais zelo e carinho, e indiretamente podem até influenciar em muitas de nossas características enquanto adultos. E a indústria do entretenimento sabe bem como essa paixão por algo que fez parte da infância pode estender por anos a fio a manutenção de uma marca rentável.

Remakes e reboots de uma série, um filme ou até de um brinquedo podem chegar com pelo menos dois propósitos. O primeiro seria o de mexer com a paixão daquele adulto, que gostaria de reviver uma aventura ao lado de figuras que marcaram a sua vida. Independentemente do que ele possa achar em termos de qualidade do produto final, a curiosidade falará alto – como será que os heróis estão agora? Que novas histórias eles podem contar? O segundo estaria em uma nova geração, que pode ser trabalhada para se apaixonar por aquela ideia e, paralelamente, terá o “bônus” de poder acompanhá-la ao lado dos pais que já estão inteirados naquele universo fantasioso.

Os Cavaleiros do Zodíaco marcaram para sempre uma geração de crianças dos anos 1990, quando a primeira série animada (produzida no Japão entre 1986 e 1989) representava a coisa mais diferente em termos de desenho animado em exibição na nossa TV. A saga dos defensores de Atena foi reprisada por anos, foi um fenômeno em venda de produtos, fez um sucesso alto nos cinemas da época e até hoje rende algo para fisgar o bolso de uma parcela de fãs – que já passou dos 30 anos de idade. Mas a Toei Animation (estúdio responsável pelo anime) sempre teve um problema grande em termos de negócios: como fazer com que uma nova geração se interesse pelos Cavaleiros e compre novos bonequinhos?

Depois de algumas tentativas que não conseguiam se desprender totalmente da série clássica (vamos lembra que Ômega, por exemplo, era uma continuação), a Netflix se juntou para apoiar algo que realmente revitalizasse a marca e trouxesse uma visão diferente para apresentar à geração atual (acostumada com outra linguagem e uma oferta gigantesca de conteúdos na palma da mão). A opinião dos fãs antigos nós já temos em debates acalorados pelas rede sociais (e até numa resenha publicada aqui mesmo), mas vamos ser realistas? A opinião que importa agora é a da garotada que está descobrindo esses personagens, e não é segredo pra ninguém que essa produção é voltada para elas – palavras do próprio diretor.

Pra tentar entender um pouco da percepção desse novo público, o JBox foi atrás de algumas crianças que assistiram ao desenho na Netflix para saber o que elas estão achando. De cara já podemos confirmar ao menos um item: a trama prendeu a atenção de todas, que assistiram aos 6 episódios disponíveis nesse primeiro momento – uma delas não pôde ver tudo até o fechamento da matéria, mas por um motivo nobre: tinha que acordar cedo pra aula no dia seguinte.

Gustavo exibe os bonecos de Seiya e Shiryu.

Para o Gustavo Akira Ito, de 9 anos, os ‘Cavaleiros‘ não são tão novos assim. Fã de animes como Beyblade e Naruto (ambos disponíveis na Netflix), ele já havia assistido ao filme A Lenda do Santuário, que achou “bem legal”. Os personagens Seiya e Shiryu também já estavam presentes em seu cotidiano, por meio dos bonecos que o pai (que foi espectador da série original) comprou. Apesar disso, nem o Cavaleiro de Pégaso e nem o Cavaleiro de Dragão estão entre os seus favoritos, após assistir aos episódios da nova série. “Pra mim todos os personagens são bons, porque todos ajudaram. Uns ajudaram o Seiya antes e outros depois. Todos têm uma diferença” – explicou.

Já para Manuela Lobo, também de 9 anos, foi uma mulher que chamou a atenção. Não se trata da Shun, que ela até achou “forte, bonita e corajosa”, mas sim da Deusa Atena, que guia os Cavaleiros na batalha pela justiça: “Gostei mais da deusa, porque ela vai provar pro mundo que não vai destruir ele“.

Em uma série como Os Cavaleiros do Zodíaco, as batalhas são fundamentais e responsáveis pelas variações de sentimento de quem assiste. Para Arthur Damacena, de 13 anos, que assistiu só aos três primeiros episódios (por conta daquele nobre motivo supracitado), a melhor luta até agora foi entre o Seiya e o Shiryu, simplesmente “porque foi a mais longa e interessante“. De fato, não há muita ação nesse comecinho do anime novo e, no geral, a Manuela é bem crítica nesse ponto. Segundo ela, “faltou ter mais luta” pra que o desenho ficasse melhor. Já Gustavo gostou do que viu, inclusive elege a luta do Ikki contra o Seiya como a vitoriosa, com destaque para o momento em que a armadura de Sagitário protege o Cavaleiro de Pégaso. Se for pra torcer o nariz pra alguma coisa, seria para a qualidade da animação: “ficou meio Max Steel” – compara o garoto com as animações “plastificadas” baseadas no boneco da Mattel.

Mas o sucesso dos heróis não seria nada sem um bom vilão para rivalizar. Quando bem apresentados, os inimigos podem marcar tanto quanto os mocinhos. Quando perguntados sobre quais personagens eles “não gostaram”, nossos entrevistados tiveram opiniões diversas, porém todos escolheram os caras maus de exemplo. “[Não gostei] do mascarado que ensinou o Ikki a lutar, porque ele ensinou coisas que não deviam. [O que ocasionou] a própria morte dele e a morte de Esmeralda.” – comentou o Gustavo. “[Não gostei] da Shina, porque ela não soube perder e ficou enchendo o saco pra nada.” – foi a opinião do Arthur. “[Não gostei] daquele que atacou a Shun. Era forte, com olho de gato amarelo” – opinou a Manuela, descrevendo o Cavaleiro Negro Cassius.

Manu curtiu, mas “faltou ter mais luta”.

Muito se pode discutir sobre a qualidade do roteiro da obra original criada por Masami Kurumada e de seu panfleto para vender brinquedos. Há de se reconhecer, porém, a ótima sacada de sua salada cultural com os elementos da mitologia grega. Para muitas gerações do passado, pode ter sido a primeira vez que se ouviu falar em Atena, por exemplo, a deusa da guerra (da justiça, da civilização e de um punhado de outras causas e questões). Foi o caso da Manu, que já sabemos que adorou a Saori. Já para os meninos, algumas coisas já tinham chegado até eles por outras vias. Gustavo já conhecia o mito de Zeus por conta do filme Hércules e Arthur estava por dentro do assunto pelas aulas de história e pelos games da série God of War.

Por fim, nós queríamos saber um pouco sobre aquela sensação de “ineditismo” que tomou conta da geração que acompanhou os Cavaleiros pela Manchete. Para os espectadores de hoje, esse desenho lembra algo que já está por aí? Para a Manuela, que já está inteirada nas animações japonesas (ela é fã dos filmes do Studio Ghibli, como A Viagem de Chihiro e Meu Amigo Totoro, e curtiu acompanhar Naruto e One-Punch Man ao lado do padrinho pela Netflix), nada parece com Os Cavaleiros do Zodíaco, que inclusive já elegeu como um de seus animes favoritos. Gustavo, que além dos desenhos japoneses curte bastante The Loud House e As Aventuras de Kid Danger, sacou uma semelhança com Dragon Ball. Foi a mesma relação que fez o Arthur, que é mais vidrado em Gravity Falls e Hora de Aventura, mas acha Dragon Ball Super até que “maneiro”. Na época que ‘Cavaleiros‘ chegou por aqui, em 1994, as aventuras de Goku, embora contemporâneas às de Seiya no Japão, só viriam a ser conhecidas em 1996, quando a explosão dos animes fez o SBT investir no filão.

Ainda é cedo para saber se os novos Cavaleiros do Zodíaco exibidos pela Netflix podem angariar uma nova mania entre a geração que já nasceu com acesso a tanta informação simultânea. Ao menos a percepção que fica é a de que a Toei finalmente parece ter achado um caminho mais tranquilo de levar a franquia a mais crianças, trazendo enfim ares de novidade à eterna saga de Seiya e seus companheiros bronzeados. Nossos entrevistados garantiram estar ansiosos pelos próximos 6 episódios – que chegam em algum momento deste ano.

Agradecimentos ao pai do Gustavo, Carlos Américo; ao pai do Arthur, Janary Damacena; e ao padrinho da Manu, João Marcos Barros, que tornaram essa matéria possível, acompanhando os jovens espectadores. É bom ressaltar que a Netflix traz a classificação indicativa para maiores de 14 anos (que nos soa um tanto exagerada).