Você já ouviu que “japoneses não gostam de comics americanas”? Essa é uma frase até comum de ser dita em alguns círculos de fãs, sempre quando se compara a suposta “superioridade” dos mangás em relação às HQs dos EUA.

Provavelmente os quadrinhos americanos nunca tiveram vendas explosivas dentro do Japão. Talvez não por quanto os japoneses gostem ou não deles, mas por uma questão de preço: comics da Marvel e da DC são coloridas, ou seja, relativamente caras; e ou estariam disponíveis em inglês, língua entendida por poucos (ainda mais antigamente), ou seriam traduzidas, trazendo mais custos e aumentando preços.

Não que os japoneses não conheçam esses heróis – mesmo antes do MCU trazê-los aos holofotes novamente –, mas para um país com um forte mercado interno de quadrinhos baratos, as obras com acabamento mais caro vindas de fora, e possivelmente com distribuição mais limitada, talvez sejam mais acessíveis a um grupo restrito de aficcionados capazes de pagar por elas.

A bem da verdade, não é como se leitores de DC e Marvel no Brasil não formassem um nicho pequeno composto majoritamente de fãs advindos das classes média e alta, também por uma questão de preço. Mas curiosamente nós nunca falamos que os brasileiros não gostam de quadrinhos americanos.

Talvez seja também porque a TV japonesa nunca dependeu tanto assim de animações enlatadas estrangeiras para sua programação infantil, afinal, ela poderia produzir seus próprios enlatados e ainda lucrar com merchandising deles.

Não que desenhos estrangeiros não cheguem por lá – por exemplo, não é caso de desenho de herói, mas aquela animação infantil do trenzinho Thomas (sim, aquela conhecida pelo CG pavoroso) passa fielmente na TV japonesa desde 1990 e o país é a casa do primeiro parque do personagem, a Thomasland, mostrando que, sim, japoneses podem gostar bastante de animações estrangeiras.

A questão é que a proporção nacional:estrangeiro para os desenhos na TV do Japão é bem diferente da nossa, e de diversos outros países da tal periferia geopolítica. Talvez por isso os heróis americanos tenham historicamente mais dificuldade para “bombar” por lá, seja em qual mídia for.

Mas não se engane por conversa fiada, os japoneses conhecem esses heróis e eles fazem sucesso (podem não ser um Demon Slayer, mas fazem sucesso). Recentemente, com o MCU e o Disney+, as franquias norte-americanas também conseguem se expandir ainda mais entre esse público. Quem disser o contrário acha que o Japão ainda vive no período Edo.

Enfim, voltando ao assunto, as editoras americanas tentaram algumas vezes introduzir seus super-heróis no mercado japonês de uma forma mais… local, digamos. Por isso, em mais uma parceria com o Fora do Plástico, trouxemos uma lista de 10 adaptações em mangá de HQs americanas.

Aqui, consideramos apenas obras visando o público japonês, e não iniciativas como o Mangaverso da Marvel, trazendo os heróis em estilo mangá por autores americanos e mirando o público americano. Mas fica o registro de um multiverso ousado da Marvel alguns anos antes do MCU sonhar em existir.

Confira a seguir!

Batmanga de Jiro Kuwata

Imagem: Batman no 'Batmanga'.

Jiro Kuwata | Shonen King e Shonen Gahou, Shonen Gahousha | 3 volumes (1966-1967)

O já falecido ilustrador de O Oitavo Homem fez na década de 1960 um mangá do Cavaleiro das Trevas, um material promocional para a série Batman e Robin, que ia ao ar na mesma época. Rendeu 53 capítulos, compilados parcialmente em 3 volumes na época. Veio aos holofotes do lado de cá a partir de 2008, quando o livro Bat-Manga!: The Secret History of Batman in Japan (2008) trouxe partes do mangá.

A DC publicou todos os capítulos em 3 volumes nos EUA de 2014 a 2016, e essa edição foi para o Japão por meio da Shogakukan. A trama traz Batman e seu parceiro Robin defendendo a cidade de Gotham, com inspiração na série, mas muitos elementos talvez tenham um pézinho nas produções tokusatsu.

É a mais antiga “versão mangá” de um herói americano encontrada por nós.


Batman & A Liga da Justiça

Imagem: Morcego, Batman, Mulher Maravilha e Superman em mangá da Shiori.

Shiori Teshirogi | Champion RED, Akita Shoten | 4 volumes (2017-2019)

De 2017 a 2019, a mangaká Shiori Teshirogi, autora de Cavaleiros do Zodíaco: The Lost Canvas, publicou na revista Champion RED o mangá Batman e a Liga da Justiça, encerrado em quatro volumes. A série traz um personagem original, Rui Aramiya, um jovem japonês procurando seus pais na cidade de Gotham.

Após ser atacado por policiais corruptos, ele tenta escapar, mas não consegue… Até o Batman vir a seu resgate. Segundo o Cavaleiro das Trevas, há alguém por trás de todo o caos assolando Gotham recentemente: o Coringa. E para enfrentá-lo, Batman vai precisar da ajuda da Liga da Justiça.

Durante a seriação, Teshirogi também publicou um capítulo especial sobre a Mulher Maravilha, Justice League Origin: Wonder Woman. Nessa one-shot, Diana impede uma moça de cometer um atentado suicida com bombas, tentando matar políticos de alto escalão… mas promete proteger a menina. O capítulo entrou em um dos volumes compilados.

A editora Panini lançou o primeiro volume da série aqui no Brasil… e depois colocou-a na geladeira.


Batman: Justice Buster

Imagem: O Batman de armadura supertecnológica de 'Justice Buster'.

Eichi Shimizu, Tomohiro Shimoguchi | Morning, Kodansha | 1 volume, em seriação (2021–)

A partir deste ano, a DC aparentemente se aproximou da Kodansha, com algumas séries de heróis vindo pelas revistas da editora japonesa. A primeira a começar a ser seriada é Batman: Justice Buster, pelos mesmos autores do mangá de Ultraman (lançado por aqui pela editora JBC).

A premissa é o comum de Batman: ele está defendendo Gotham, e vemos então boa parte dos personagens icônicos da série. Só que o Cavaleiro das Trevas é, como a versão de Ultraman dos autores, um cara com uma roupa poderosa (e maneira).

Ok, o Batman já é conhecido pelas bugigangas, mas aqui ele não usa uma roupa ao estilo de seu uniforme clássico e sim uma armadura tecnológica (inspirada no uniforme, claro). É quase um Cavaleiro de Aço de Saint Seiya da Toei. Já o Robin é um programa de inteligência artificial, ajudando Batman em suas batalhas. E o Coringa luta com facas, por algum motivo.


Superman vs Meshi

Imagem: Super-Homem segurando hashi e tigela com arroz enquanto voa.

Satoshi Miyakawa, Kai Kitago | Evening, Kodasha | 1 volume, em seriação (2021–)

O mais recente fruto da relação DC-Kodansha, Superman vs Meshi se inspira em Gourmet Solitário de Jiro Taniguchi e traz o Homem de Aço procurando lugares para comer no Japão, sendo talvez a história mais “fora do padrão” da parceria até o momento.

O roteirista, Satoshi Miyakawa, também trabalha em One-Op Joker, na revista Morning, junto com o ilustrador Keisuke Goto, um mangá sobre o Coringa.


Homem-Aranha Mangá

Imagem: Yu Komori e Homem-Aranha.

Kosei Ono, Kazumasa Hirai, Ryoichi Ikegami | Bessatsu Shonen Magazine, Kodansha | 8 volumes (1970-1971)

Essa foi aparentemente a primeira tentativa da Marvel de deixar seus heróis mais próximos do público japonês, curiosamente com envolvimento do roteirista de O Oitavo Homem, ilustrado pelo Jiro Kuwata, como dito na seção do Batmanga. Segundo as fontes, Hirai entrou como roteirista a partir do 7º capítulo.

As ilustrações são de Ryoichi Ikegami, ilustrador de clássicos como Crying Freeman (roteiro por Kazuo Koike)  e Heat (roteiro por Buronson).

A obra foi reimpressa/republicada no Japão nas décadas de 1980, 1990 e 2000, e ganhou um lançamento americano ao final dos anos 90. Aqui, 2 edições foram publicadas pela editora Mythos.

Ao contrário do Batman de Kuwata, esse mangá não segue a ambientação original da história e traz um Homem-Aranha japonês: o estudante Yu Komori. Pela nossa checagem, ele foi o primeiro Homem-Aranha que não é o Peter Parker, e isso é sensacional!

No começo, o personagem era um herói fantasiado lutando contra monstros esquisitos, como é no original, mas o autores aparentemente acharam a fórmula cansativa e passaram a fazer uma história mais original, colocando até um militar americano como inimigo em um capítulo.

É curioso que de 1978 a 1979, a Toei Company exibiu sua própria versão do Spiderman, em uma série tokusatsu do herói.


Hulk: O Mangá

Imagem: Hulk da 'Bokura Magazine'.

Yukio Togawa, Kazuo Koike, Kosei Saigo, Yoshihiro Morito | Bokura Magazine, Kodansha | 23 capítulos? (1970-1971)

Infelizmente, pouco se sabe sobre esse mangá. Encontramos a informação de que seriam ao menos 23 capítulos, mas não sabemos se há mais. Segundo as fontes encontradas, Kazuo Koike, de Lobo Solitário e Crying Freeman, passou a contribuir a partir do 4º capítulo. Há também informações incertas sobre Kosei Ono ter participado dos primeiros capítulos.

Começou a ser seriado pouco tempo depois do mangá do Spidey, e traz também um personagem japonês como Hulk. Infelizmente, não teve republicações e acabou praticamente perdido – não conseguimos localizar nem se houve versão compilada, nem ter certeza da quantidade total de capítulos.

Na trama, o Dr. Araki desenvolve uma “bomba γ (gama)”, superior a qualquer arma nuclear. Mas, ao fazer testes, um nipo-americano acaba entrando na área acidentalmente. Para salvá-lo, Araki acaba se expondo a raios gama e se transforma no Hulk.

Curiosidade extra: Araki também é um sobrevivente (fictício, obviamente) do bombardeio de Hiroshima. Uma pena a obra ter “se perdido”, pois parece uma história fascinante.


X-Men Mangá

Imagem: Wolverine e inimigo em mangá.

Hiroshi Higuchi, Miyako Kojima, Koji Yasue e mais? | Bamboo Comics, Takeshobo | 13 volumes (1994)

A Marvel tenta novamente uma expansão com o público japonês com uma adaptação do desenho de 1992 de X-Men, que durou até 1997 na TV americana, com uma nova temporada marcada para 2023.

A versão japonesa teve 13 volumes, com cada um adaptando 2 episódios da série (e cobrindo apenas 2 temporadas), com cada uma sendo desenhada por mangakás diferentes, e foi publicada diretamente em tankobon em 1994.

Nós encontramos apenas 3 nomes de artistas envolvidos, “rotacionando” os volumes entre eles, mas pode haver envolvimento de outros. A versão americana aparentemente só publicou as 13 primeiras histórias, saindo nos EUA de 1998 a 1999. A editora Mythos publicou duas edições da série aqui no Brasil em 1998.

A editora Takeshobo também publicou na época um mangá inspirado no jogo X-Men: Children of the Atom, com autoria de Miyako Kojima, saindo na revista Comic Gamma de 1994 a 1995, mas, pelas informações encontradas, não foi compilado em volumes.


Os Futuros Vingadores (Marvel’s Future Avengers)

Imagem: Makoto e os Vingadores.

Teruaki Mizuno | Bessatsu CoroCoro, Shogakukan | 1 volume (2017-2018)

O mangá veio como material promocional do animê produzido pelo estúdio Madhouse, em parceria com a Disney. A série não está no Disney+ no Brasil, mas aparece em catálogos do streaming no exterior.

Na trama, o jovem Makoto ganha superpoderes e entra no “Futuros Vingadores”, um grupo de jovens heróis treinados pelos Vingadores (Homem de Ferro, Capitão América, Hulk, Thor e Vespa).


Marvel x Shonen Jump+

Imagem: Thor, Deadpool e Homem de Ferro em 'Marvel x Shonen Jump+'

Kazuki Takahashi, Hachi Mizuno, Ken Ogino, Sanshiro Kasama, Hikaru Uesugi, Mato, Toyotaka Haneda | SJ+, Shueisha | 1 volume (2019)

A colaboração entre as editoras Marvel e Shueisha consistiu em seis histórias de capítulo único de diversos heróis da Marvel. Posteriormente, tudo foi compilado em um único volume, intitulado Marvel × Shonen Jump+ Super Collaboration.

As histórias são as seguintes:

  • Secret Reverse, por Kazuki Takahashi;
    • Tony Stark (Homem de Ferro) e Peter Parker (Homem-Aranha) enfrentam um malvado CEO em uma convenção de jogos no Japão.
  • Avengers: Gag Reel, por Hachi Mizuno;
    • Historietas de 4 quadros com os Vingadores em situações cotidianas e cômicas.
  • Interview with Heroes, por Ken Ogino;
    • Tony Stark, Steve Rogers (Capitão América), Thor e Bruce Banner (Hulk) são entrevistados por um jornalista.
  • Deadpool: Samurai, por Sanshiro Kasama e Hikaru Uesugi;
    • Wade Wilson (Deadpool) vai para Tóquio e se mete em várias confusões.
  • Halloween Avengers, por Mato;
    • Os Vingadores se disfarçam com fantasias de Halloween para enfrentar um inimigo que só aparece nesse dia.
  • Ant-Man+, por Toyotaka Haneda;
    • Scott Lang (Homem Formiga) segue sua filha até o Japão, onde ela vai como intercambista.
  • EXTRA: Entrevista com editores da SJ+ e C.B. Cebulski, da Marvel, mostrada como um mangá, desenhado por Sakurai Takeshi.

Deadpool: Samurai

Imagem: Olhos do Deadpool em 'Deadpool: Samurai'.

Sanshiro Kasama, Hikaru Uesugi | Shonen Jump+, Shueisha | 2 volumes (2020-2021)

Depois da colaboração Marvel × Shonen Jump+, o mangá Deadpool: Samurai ganhou seriação em dezembro de 2020. Encerrado em junho de 2021, contou com a participação especial de All Might, de My Hero Academia e teve mais de um milhão de views na publicação do primeiro capítulo.

Deadpool vai para Tóquio, onde encontra alguns rostos familiares. Antes de se dar conta, ele já está encontrando novos heróis, indo a shows, e enfrentando deuses!


Já que chegamos até aqui, vale relembrar algumas ilustrações de personagens da DC feitas por Monkey Punch, autor de Lupin III. A colaboração foi anunciada pouco depois da morte do autor em 2019:

Imagem: Shazam por Monkey Punch.

Divulgação.

Imagem: Aquaman por Monkey Punch.

Divulgação.

Imagem: Personagens da Liga da Justiça por Monkey Punch.

Divulgação.

Por fim, vamos falar de um caso no qual aconteceu o oposto: na década de 1970, a Mattel criou a linha de brinquedos Shogun Warriors, uma série de bonecos de robôs gigantes importados do Japão, vindos de diferentes animês e tokusatsu. Ou seja, uma completa salada de mechas originalmente pertencentes a universos fictícios diferentes.

Alguns deles foram licenciados para a Marvel, que criou um quadrinho homônimo com roteiro de Doug Moench e ilustrações por Herb Trimpe. A série foi publicada de fevereiro de 1979 a setembro de 1980, durando 20 edições.

Na trama, os robôs Shogun foram criados pelo misterioso grupo intitulado Seguidores da Luz e eram pilotados por humanos escolhidos para combater o mal.

Imagem: Capa do volume 6 de 'Shogun Warriors'.

Divulgação: Marvel.

A Marvel só licenciou 3 personagens da linha: Raydeen (de Brave Raydeen), Combatra (de Chodenji Robo Combattler V) e Dangard Ace (de Wakusei Robo Danguard Ace). No quadrinho, eles eram pilotados, respectivamente, pelo dublê americano Richard Carson, o piloto japonês Genji Odashu e o oceanógrafo de Madagascar Ilongo Savage.

Se vale a curiosidade, o Leopardon, o mecha do Homem-Aranha no tokusatsu da Toei, foi um dos bonecos licenciados na linha. Seria divertido se ele tivesse entrado nos quadrinhos de Shogun Warriors.

Você conhece algum desses ou outro mangá de herói americano? Comenta aí embaixo!


O texto presente neste artigo é fruto de uma parceria entre o JBox e o Fora do Plástico.