Depois do sucesso de Ultraman, a Tsuburaya resolveu investir no formato de mais uma série tokusatsu com um herói gigante enfrentando monstros e alienígenas. Foi na noite de 1º de outubro de 1967 que o público japonês da época, ávido por tramas com temas de ficção científica, acompanhou “Os Invasores”, o primeiro episódio de Ultra Seven, um dos clássicos mais importantes do gênero tokusatsu e também da cultura pop em geral.

No ar desde o histórico dia 17 de julho de 1966, Ultraman chegou ao fim prematuramente em 9 de abril de 1967, após 39 episódios exibidos aos domingos pelo bloco Takeda Hour, da emissora japonesa TBS, religiosamente na faixa das 19h — o plano era de 52 episódios. Os custos e recursos de uma produção do tipo para TV eram muito altos, mas o saudoso Eiji Tsuburaya (1901~1970), diretor de efeitos especiais e criador da série, resolveu dar um desfecho digno e marcante com Zoffy resgatando o nosso herói após sua árdua batalha contra o Alien Zetton.

Enquanto a então nova série da Tsuburaya estava para ser produzida, a Toei acabou dando uma mãozinha para a “casa do Ultraman” e criou a série tokusatsu Captain Ultra, inspirado no herói de gênero pulp fiction Captain Future, criado pela dupla Mort Weisinger (1915~1978) e Leo Margulies (1900~1975).

imagem: poster de captain ultra.

Captain Ultra, a série que substituiu Ultraman e precedeu Ultra Seven nas noites de domingo, pelo bloco Takeda Hour da TBS | Divulgação/Toei

Captain Ultra totalizou apenas 24 episódios, exibidos entre 16 de abril e 24 de setembro de 1967, e foi estrelado por Hirohisa Nakata, veterano que ficou consagrado como os vilões Zero o Grande em Kamen Rider Amazon (1974~75) e Mason em Bioman (1984~85), além de atuar em outras produções como o filme live action de Fantomas (1966), Gavan (1982~83) e recentemente em Kamen Rider Zero-One (2019~20).

Sem superpoderes, o herói salvava o dia enfrentando criaturas em sua jornada espacial, ao lado de aliados — e sem perder o típico jeitão de galã dos anos 1960. O que poucos sabem é que Captain Ultra, ainda na fase de pré-produção, era atendido como Space War. Mas Tohru Hirayama, produtor da Toei, decidiu adaptar o título e adotar a palavra “Ultra” para manter as necessidades comerciais da TBS, como patrocinadores.

NOTA: No Japão, a Toei e a Tsuburaya não são empresas rivais, como acontece no Brasil, por exemplo, entre Globo e SBT. Tanto é que ambas são parceiras comerciais da fabricante de brinquedos Bandai. É interessante ver como a Toei ajudou a Tsuburaya a ganhar tempo ao colocar o Captain Ultra enquanto Ultra Seven estava em fase de concepção.

imagem: cena de perdidos no espaço.

Robô e Dr. Smith, a improvável dupla de Pedidos no Espaço – clássico de Irwin Allen que, assim como no Brasil, também fez sucesso na emissora japonesa TBS | Divulgação/Fox

A emissora, aliás, ia bem com o sucesso do bom e velho Perdidos no Espaço (Lost in Space, 1965~68; intitulado no Japão como Uchuu Kazoku Robinson – algo como “Família Espacial Robinson”), exibido na programação nas noites de sábado à época, reforçando o tema espacial que era a sensação do momento na cultura pop.

A Tsuburaya teve esse tempo para fazer vários rascunhos de projetos, desde uma comédia sobre sete homens das cavernas (!) até finalmente chegar numa trama similar ao Ultraman (saiba mais aqui). O martelo foi batido em agosto de 1967, quando faltava apenas dois meses para a então nova produção estrear na TV japonesa.

Além da genialidade do saudoso Tsuburaya, quem ajudou na concepção da trama, principalmente em sua atmosfera mais densa/sombria foi o roteirista Tetsuo Kinjo (1938~1976), que havia trabalhado em Ultra Q e Ultraman. Apesar de escrever apenas 15 episódios — de um total de 49 –, Kinjo foi ousado em abordar na série temas como genocídio, racismo, guerra e opressão.

Eiji Tsuburaya ficou profundamente comovido com a capacidade de Kinjo de expressar suas próprias experiências como em Okinawa, onde o roteirista testemunhou suicídio em massa e discriminação racial contra o povo nativo de sua terra natal, entre outras tragédias durante a Segunda Guerra Mundial, e encorajou sua equipe a também abordar questões controversas através dos roteiros sobre invasão alienígena.

Kinjo também foi o responsável pela idealização das cápsulas de monstros – muito antes de Pokémon, inclusive. A ideia inicial era de reaproveitar alguns monstros de Ultra Q e Ultraman. Mais precisamente três: Red King, Antlar e Peguila. Mas a produção resolveu criar um trio próprio de monstros: Windom, Miclas e Agira — que atualmente são referenciados em Ultraman Decker.

imagem: foto do kinjo.

Tetsuo Kinjo, o principal roteirista de Ultra Seven | Divulgação

Dentre os episódios de Ultra Seven assinados por Kinjo, estavam os quatro primeiros, que já passavam uma carga dramática mais elevada em comparação ao Ultraman. Escreveu também os episódios 14 e 15, onde o herói enfrentou o robô gigante King Joe — sim, um trocadilho com o sobrenome do roteirista.

O arco duplo A Grande Invasão, que marcou o fim da série, também foi assinado por Kinjo, deixando a trama ainda mais emocionante com a cena em que Dan Moroboshi revela sua verdadeira identidade para Anne Yuri, além da partida de Seven após a batalha contra Pandon, o kaiju de duas cabeças.

Outro roteirista que merece destaque é o saudoso Shozo Uehara, também conhecido por contribuir para episódios de clássicos como O Regresso de UltramanGavanSharivanShaiderJaspionKamen Rider BlackKamen Rider J, entre outros.

Com trama situada originalmente em 1987 (data desconsiderada atualmente, devido ao retcon feito após o fim da série), uma das principais características de Ultra Seven é sua atemporalidade.

Entre a chegada de Dan Moroboshi (interpretado por Kohji Moritsugu) ao Esquadrão Ultra e sua despedida do povo da Terra no arco final, os episódios poderiam seguir qualquer sequência aleatória, devido ao formato omnibus, que não exige muito uma ligação cronológica entre um e outro episódio — é como assistir Chapolin e Chaves no SBT sem uma ordem cronológica dos episódios — e era um formato costumeiro nas séries animê e tokusatsu da época. Essa característica também acontecia nos bastidores, já que a ordem de gravação dos primeiros 18 episódios eram diferentes do que foi oficializado para a TV.

imagem: cena de ultra seven.

No episódio 8, Seven enfrenta Alien Metron diante de um avermelhado pôr do sol | Reprodução/Tsuburaya

Há vários episódios que enfatizam a busca da paz e que instigam o espectador a refletir, fazer uma introspecção sobre a humanidade em si. Um exemplo marcante é o episódio em que Seven enfrenta Alien Metron, um vilão conhecido pelos fãs que levava os humanos à fúria através de cigarros. A narração desse episódio enfatizava a crença de que a desconfiança entre os homens poderia ser inexistente no futuro. Até hoje, a nossa civilização ainda está muito longe dessa realidade, em meio a tantos conflitos e guerras.

A estreia do herói teve uma audiência surpreendente de 33.7%. Apesar da competitividade da Toei Company com o Robô Gigante na NET (atual TV Asahi) e da extinta P-Production com O Príncipe Dinossauro na Fuji TV, Ultra Seven era “cabeça e ombros acima de todos eles”, como descreveu August Ragone, autor da biografia sobre Eiji Tsuburaya. Uma prova de que o mestre dos efeitos especiais “ainda estava no topo do seu próprio jogo”, como também descreveu o pesquisador americano.

Após 49 episódios, Ultra Seven se despediu do horário nobre dominical da TBS em 8 de setembro de 1968, sendo substituído na semana seguinte por Kaiki Daisakusen, série tokusatsu da Tsuburaya mais voltada para tramas com suspense e terror sobrenatural — e o último trabalho de Eiji Tsuburaya para a TV antes de sua morte em janeiro de 1970.

imagem: o ultra seven em luta.

Seven medindo forças contra o kaiju Gyeron, no episódio 26 | Divulgação/Tsuburaya

Até hoje, Ultra Seven figura entre os cinco maiores programas da televisão japonesa de todos os tempos. Tanto sucesso não é à toa e os bastidores têm muito mais histórias pra contar — quem sabe um dia a gente conta na J-Pédia, a enciclopédia do site JBox, né?

Ultra Seven não é qualquer série. É um cult importantíssimo que deixou uma marca para a cultura pop. Se você ainda não assistiu, vale a pena curtir e entender a importância do herói. E acredite: mesmo com todo charme sessentista, o clássico continua atual.

Dywuaaaaaah!!!


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