Com o anúncio da dupla de filmes HAIKYU: FINAL — que ao que tudo indica vai encerrar a trama — os fãs da série se viram preocupados com duas coisas: 1) “o filme vai ser rushado?” e 2) “poderemos assistir?”. Sobre a primeira pergunta, não podemos saber no momento, mas com tantos capítulos para cobrir, possivelmente.

Mas vamos nos refletir um pouco mais sobre a segunda: esse filme ficará disponível por aqui de alguma forma?. Bem, também não podemos saber no momento, mas podemos… especular — e tem motivo para achar que sim.


No ano passado, essa mesma coluna foi utilizada para colocar o cinema como o novo principal desafio do mercado brasileiro de animês — com a Funimation e a Crunchyroll (agora unidas em um só corpo), além da Netflix, a oferta de animês da temporada eventualmente traz quase tudo que sai na TV e no streaming no Japão (tirando uma ou outra coisa que a Sentai pega e não repassa ou que fica restrita ao Japão).

Imagem: Pôster de 'Mugen Train'.

Divulgação.

Mas então, quando estávamos prestes a comemorar, o mercado japonês “inventou” um novo desafio: o filme canônico — ou seja, um filme que continua uma série de TV. Tá certo, não foi Mugen Train que inventou isso, mas foi Mugen Train que colocou isso em um novo patamar recentemente: bilheterias rendem dinheiro e dinheiro todo mundo quer, principalmente as grandes empresas que investem nos hits de temporada.

“Recentemente” porque essa estratégia na verdade é velha: um monte de animê já fez ou tentou fazer isso. Mas não era tão comum com adaptações de mangá para o formato “animê de TV”. Por isso, Demon Slayer “inovou” ao fazer um filme-que-não-parece-filme continuando a série. É o tratamento de cinema sem, de fato, o tratamento de cinema.

Se os japoneses perceberam que podem fazer um filme de qualidade mediana que parece um episódio estendido (não vou me ater a isso, leiam a Sakuga Brasil) e mesmo assim bater recordes de bilheteria obrigando fãs a verem o final da série em uma telona, pode ser bom para eles, mas talvez não para a gente.

Via de regra, filmes de animês de TV (principalmente adaptando mangás de sucesso da Shonen Jump) são fillers: não requerem que você acompanhe — ou sequer conheça — a série, com a trama não fazendo parte da cronologia oficial dela. Há exceções (sempre houve), mesmo entre hits, principalmente com séries originais (oi, Madoka). Mas é por esse motivo que para a gente, aqui no Brasil, não importa tanto assim o acesso a esses filmes (não que seja ruim ou que eu não queira). Você pode acompanhar a obra sem vê-los.

Contudo, as coisas mudam de panorama quando boa parte dos filmes passa a ser continuação de uma série de TV. Os filmes de animê que chegavam aos nossos cinemas, até dois anos atrás, tendiam a ser de diretores renomados (Hayao Miyazaki, Makoto Shinkai… e mesmo esses dois ainda suavam para chegar até aqui) ou grandes sucessos da TV aberta nos anos 1990 e 2000: Cavaleiros do Zodíaco, Dragon Ball, Pokémon e Naruto — e olha que, mesmo Naruto sendo hoje um dos maiores fenômenos de cultura pop japonesa, já teve muita dificuldade para conseguir uma sessão dublada nos cinemas.

A Funimation é bem conhecida nos EUA por levar filmes às telonas, e a Crunchyroll já tinha arriscado aqui e ali alguma coisa, as duas juntas seriam capazes de mudar muita coisa nesse panorama. Na coluna de 2021, eu digo que séries mais quentes teriam mais chances de chegar às telonas: Jujutsu Kaisen 0 parece comprovar a tese.

Com a Crunchyroll trazendo ainda Dragon Ball Super: Super Herói e Suzume (o novo do Shinkai), parece mais do que claro o comprometimento com estreias no cinema, pelo menos para séries grandes ou de renome.

imagem: poster do primeiro filme de my hero academia.

Pôster oficial de ‘HEROES:RISING’. | (c) 2019 Bones.

Na verdade, a Funimation já vinha investindo em cinema via Sato Company, com, por exemplo, os dois primeiros filmes de My Hero Academia. Vale pontuar também que a Sato pretendia colocar o filme CG de Lupin III nos cinemas, mas não conseguiu devido à pandemia.

Mas não é só com os grandes não. Iniciativas como ODDTAXI indicam que querem apostar um pouquinho mais e trazer, talvez de forma limitada, algumas estreias “classe B” para as nossas telonas: filmes que não vão fazer uma grande bilheteria, mas que podem atrair interesse o suficiente para sessões especiais valerem a pena.

ODDTAXI era provavelmente um teste, mas um teste interessante pois a Crunchyroll investiu até em brindes, mesmo com a exibição legendada (infelizmente, o Cinemark aparentemente esqueceu dos brindes). Se a resposta foi positiva, poderemos ter mais filmes vindo por aí dessa forma.

É por isso que eu acredito que ainda podemos esperar que filmes como ONE PIECE: RED e HAIKYU: FINAL cheguem aos cinemas brasileiros: o investimento no setor claramente está aumentando, principalmente em série quente. Esses dois passam longe de “classe B”.

Vale pontuar, no entanto, que animações — qualquer uma — nos cinemas internacionais enfrentam o “empecilho Disney”: animação no cinema sempre acaba competindo por atenção (de público e distribuição) com qualquer animação que a Disney invente de colocar nas telonas.

Não precisa nem dizer que é muito difícil competir com uma empresa com o tamanho da Disney — que é sempre eficiente no lobby, como exemplifica o Oscar: até mesmo a única animação não-americana a ganhar um Oscar, A Viagem de Chihiro, teve marketing da Disney, que distribuiu o filme nos EUA e serviu de produtora executiva da dublagem americana (recomendo a matéria do colega Jean Clemente sobre animês no Oscar para entender esse assunto melhor, leia aqui).

O eventual sucesso do investimento em filmes de animês nos nossos cinemas, que por enquanto parece depender muito da Sony/Crunchyroll, pode levar outras distribuidoras a se interessarem por esse segmento de mercado, e colocar ainda mais estreias nipônicas nas nossas salas de cinema, ou ao menos no streaming dentro de uma janela de tempo adequada.

Por exemplo, no texto de 2021, eu coloco Ride Your Wave, do Masaaki Yuasa, como uma estreia improvável ou extremamente restrita, e, desse aí, mesmo com a mudança de panorama, ainda não mudei de opinião. Talvez fosse o tipo de título bom para ir para o streaming, mas é preciso entendermos melhor também se o mercado japonês se interessa por isso no momento.

Enfim, o cinema segue sendo nosso maior desafio mas um desafio que o mercado está pelo menos começando a enfrentar, e é bem possível que sim, estejamos entrando numa era de muita oferta de filmes de animês por aqui.


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