A música brasileira amanheceu hoje (15) com a triste notícia do falecimento de Luiz Schiavon, músico conhecido por ter sido o tecladista da banda RPM — um fenômeno nacional nos anos 1980 e que seguia em atividade. Com 64 anos de idade, o artista enfrentava uma doença autoimune e sofreu complicações após uma cirurgia realizada nas últimas semanas, não resistindo.
Schiavon chegou a cursar a faculdade de arquitetura, mas viu no rock a paixão que o fez seguir o caminho da música. Então pianista clássico, conheceu o jovem Paulo Ricardo na virada dos anos 1970 para os 80, o que mudaria a sua carreira para algo mais popular. Juntos formaram o conjunto de jazz Aura, mas só anos depois, com a experiência de Paulo na Europa e a influência de música eletrônica em Schiavon, formaram o RPM — com Fernando Deluqui na guitarra e, após a passagem de Júnior Moreno e Charles Gavin, Paulo Pagni (o P.A.) na bateria.
Com o disco de estreia, Revoluções por Minuto, de 1985, os rapazes emplacaram diversos hits nas rádios, o que acelerou o processo para a gravação de Rádio Pirata Ao Vivo, em 1986 — um dos discos mais vendidos da história da música no Brasil, com mais de 3,7 milhões de cópias.
Após a primeira dissolução da banda, Luiz Schiavon seguiu na música, e se tornou um produtor respeitado no cenário nacional. Participou também de diversas trilhas de novelas, como O Rei do Gado, Terra Nostra e Esperança.
Schiavon e Yu Yu Hakusho
A famosa trilha brasileira do animê Yu Yu Hakusho, exibida a partir de 1997 pela extinta Rede Manchete, certamente não seria a mesma sem Luiz Schiavon. O músico era o proprietário do estúdio Schema 336, onde todas as músicas foram gravadas sob a produção de Hans Zeh.
Por volta de 1996, Schiavon foi procurado pela distribuidora da série no Brasil, a Tikara Filmes (de Toshihiko Egashira), para a gravação da trilha sonora. O estúdio mantinha um time de profissionais, dirigidos por Hans Zeh, para lidar com materiais que iam desde discos de banda a trilhas publicitárias. Neste time, além do próprio Hans, estava Luis Henrique (ou Luigi Carneiro), que viria a ser o cantor principal dos temas de Yu Yu, além de Carla de Castro (backing vocals dos temas, e cantora principal do último encerramento do animê).
“A Tikara contratou a Audio News para fazer as dublagens e procurou o Schiavon pra gente cuidar da trilha sonora. […] era um processo meio que inédito naquela época. […] A gente realmente refez todo o trabalho, refez a questão dos arranjos, botou os músicos no estúdio, como se a gente tivesse fazendo um disco de verdade”
— conta Hans em entrevista para o JBox, publicada em 2017.
Schiavon já havia produzido, no fim dos anos 1980, o LP da banda Alderan, da qual Luigi Carneiro é vocalista. Os dois se conheceram por acaso, quando o pai do guitarrista e do tecladista do grupo realizou um trabalho de advocacia para Schiavon, e comentou que os filhos tinham uma banda. O tecladista do RPM topou ir a uma apresentação dos garotos e então decidiu produzir o disco.
Segundo nota divulgada pelas redes do RPM, o velório e o enterro de Luiz Schiavon serão reservados à família e amigos. Estendemos aqui os nossos sentimentos.
Um movimento realmente inédito até hoje em animes o da Tikara Filmes em contratar um estúdio de música à parte e de renome, um tratamento que deu resultado com temas musicais de qualidade sonora e profissional muito superiores à média.
Parece banal, mas o investimento na qualidade da localização faz uma grande diferença em como um produto será recebido pelo público, algo que a Disney historicamente faz, mas outras empresas parecem não perceber. Tanto é que YuYu foi um fracasso comercial, mas permaneceu na memória dos fãs não só pelo anime, mas graças às músicas, o que não foi apagado sequer com a ausência delas na segunda dublagem e rende até hoje o projeto de ressurreição dessa trilha em versão completa, regravada e rearranjada, além de outros projetos derivados de Hans Zeh e cia.
Investimentos esses que poderiam ter rendido lucro (e quem sabe render até hoje) às empresas que eventualmente quiseram trabalhar animes por aqui, mas falharam miseravelmente em promovê-los e muitas vezes culparam o produto ou, pior, os fãs, que já mostraram sua força ao financiar os projetos de YuYu acima citados, algo que surpreende ainda mais por ter uma distância de quase 25 anos da última vez que os temas musicais em português foram ao ar oficialmente pela TV.
Que Schiavon descanse em paz. E que as distribuidoras estudem casos como esse com carinho para que trabalhem com mais competência.