O texto a seguir é desenvolvido com uso da opinião pessoal do seu autor. Não há intenção de impor uma verdade absoluta, mas sim fomentar uma discussão. Estejam abertos ao debate!

Há alguns dias tivemos a estreia de Glitter Force na Netflix. A versão “sabanizada” de Pretty Cure deu o que falar não exatamente pela localização feita pela empresa de Haim Saban, mas por ser mais uma série com dublagem em português brasileiro feita fora do Brasil.

Glitter Force veio de uma vez a várias localidades com o selo de “Original Netflix“, mas não teve qualquer envolvimento do serviço de streaming em sua recauchutada para o Ocidente. É bom entender que há diferentes interpretações para o selo, sendo a única unanimidade o fato de exclusividade, ou seja, apenas a Netflix pode exibir aquela determinada série no território em que foi licenciada. Recebem este selo as próprias produções da casa (como Orange is the New Black, House of Cards e Jessica Jones), aquelas que a empresa pegou para trabalhar por si (caso de outros animes “originais”, Knights of Sidonia e The Seven Deadly Sins, onde a plataforma bancou as dublagens) ou simplesmente aquelas onde foi apenas garantida a exibição restrita (caso de Glitter Force).

Ou seja, a Saban Brands comprou o anime, editou ao seu modo, bancou a dublagem de todos os países que pretendeu atuar e fechou contrato com a Netflix para que ela apenas exibisse com exclusividade. Nesse processo todo, a distribuidora resolveu poupar custos e, no caso da dublagem brasileira, tratou de encomendar o serviço ali perto, em Los Angeles, com “pseudo-atores” brasileiros que vivem por lá. Pode ser meio pesado falar assim desses profissionais, não fosse o fato de que realmente não são lá tão profissionais assim…

Enquanto no Brasil um dublador tem que ter (em tese) formação como ator, fazer um curso preparatório e aí sim desempenhar seu trabalho, o serviço em estúdios de dublagem estrangeira dentro dos EUA permite o teste literalmente a qualquer pessoa, basta saber a língua. E é aí que vemos escalações equivocadas, interpretações engessadas que não conversam direito com o país que se destina. Mas falando apenas de Glitter Force, vale mesmo esse estardalhaço todo?

Veja bem, pessoalmente sou fã de dublagem, gosto de ver animações em nosso idioma. Só que Glitter Force não foi feito pra mim, foi feito para crianças. E calma, não estou dizendo que você que está lendo e é adulto chato como eu não pode assistir uma série infantil, pode sim, à vontade, eu mesmo adoro Hamtaro ou Pokémon. Acontece, meu amigo, que não somos o público alvo, não é a nós que a Saban quer atingir, ela quer crianças que possam vir a comprar produtos licenciados daquela marca e essas crianças, francamente, eu duvido que liguem pra dublagem ruim de Glitter Force. Do ponto de vista empresarial, fazer essa economia pra não ter que pagar a cara dublagem brasileira original, é uma pechincha considerável.

Beleza, mas e quando isso atinge Gintama, que não é nada infantil? E quando nem com opção dublada a série vem? Bom, vamos lá. Eu lembro muito bem de uma época, não tão distante assim, onde fã de anime gostava de assistir tudo em japonês, com legenda em português (seja lá a procedência dessa legenda) e militava a todo momento contra dublagem. Nunca fiz parte dessa turma (não sou fã da interpretação japonesa), mas entendo que era a maioria e que essa maioria fez sua fama. É para esse nicho que o Locomotion existia, foi com ele que os animes se popularizaram via internet até chegarmos aos tempos atuais, onde temos a chance de assistir legalmente um punhado de novidades de forma simultânea com o Japão.

De uns tempos pra cá, fãs de animes dublados começaram a fazer barulho, ao ponto de dizer absurdos como “legendado eu vejo de graça”, como se a ausência do áudio em português fosse motivo pra pirataria. Garoto, podem não ter pago a dublagem, mas alguém pagou aquilo pra você assistir por aqui retornando lucro aos detentores dos direitos – o que faz o mercado girar.

O que acontece é que grande parte das empresas que licenciam animes pra cá hoje em dia sequer estão no Brasil (Sato Company é uma das pouquíssimas exceções). A dublagem daqui, como já dito anteriormente, é vista como um investimento muito caro e, como o próprio Nelson Sato nos disse em entrevista, na maioria das vezes o que os serviços de streaming pagam pela exibição sequer cobre os custos. Como colocar a mão no bolso por um investimento que de cara já traz prejuízo? E mais ainda, se o contingente de fãs do gênero, em grande maioria, prefere o legendado, porque eu vou me esforçar para atender a demanda menor que quer aquilo dublado? “Pra essa demanda menor, eu seleciono alguns títulos, esse Gintama que é sucesso, e mando dublar aqui mesmo em Miami que é mais barato” – pode ser o pensamento do licenciante. E em um passado não muito distante, tivemos um canal inteiro de animes dublados e vocês sabem o que aconteceu com ele, né?

O ideal é e sempre será termos todas as opções de escolha disponíveis. Áudio original com legenda pra quem quer, boa dublagem brasileira pra quem prefere, audiodescrição para deficientes visuais. Mas infelizmente, tudo no fim é dinheiro e pra quem resolveu segurar o desafio de trabalhar com animes fora do Japão, todo cuidado é pouco. Tomara que um dia consigam alternativas para atender a todos, um financiamento coletivo, quem sabe? Se você faz tanta questão, faça seu barulho, mostre que sua preferência faz diferença. Mas tenha bom senso, pois infelizmente não devem te levar a sério ao reclamar de Glitter Force.