Você se lembra de alguma nota 6 que recebeu na escola, ou faculdade, ou em algum curso? Tirar notas altas, como 9 ou 10, é algo que fica na cabeça, pois é como um grande prêmio ao fim de uma quest, coroando esforço, empenho, conhecimento na matéria – ou mesmo a destreza de conseguir colar sem ser pego. Tirar notas baixas, como 1 ou 0, também grava na memória, pois é como ser derrotado pelo chefão de um jogo, envergonha, gera frustração. Mas ficar só na média é esquecível. Serve para passar de ano, mas desaparece da cabeça conforme o tempo passa.

Dito isso, Tower of God deve ser o animê mais “nota 6” dos últimos 10 anos. Não é ruim, mas foge das lembranças tão rápido quanto duram os créditos finais na tela, tão qualquer coisa, genérico, não-especial e insossamente semelhante a um monte de coisas ele é.

Sendo uma produção original da Crunchyroll (que já havia decepcionado bastante esse ano com o péssimo In/Spectre), a série adapta um quadrinho sul-coreano de mesmo nome, escrito por S.I.U e publicado pela WEBTOON desde 2010. A história gira em torno de um menino chamado Bam, que participa, mesmo sem ser convidado, de uma seletiva interdimensional para adentrar um outro mundo, onde há uma torre divina que, quando escalada até o topo, permite que seu campeão realize coisas inimagináveis como prêmio. O intuito do moleque é ir atrás de uma garota chamada Rachel, que cuidava dele em sua dimensão. E nessa, uma porção de outros candidatos, vindos de diferentes locais e com as mais variadas motivações pessoais e políticas, são envolvidos na trama.

A premissa de Tower of God e sua execução não são inéditas. Todo esquema de que aquilo que toca a trama para frente seja uma prova em várias etapas malucas, que elegerão vencedores com algum tipo de boost em suas capacidades e posições sociais… Lembra muito Hunter X Hunter em uma comparação mais óbvia e o arco do exame chunin em Naruto em outra que não tem isso como fio central do animê, mas como parte importante do crescimento dos personagens.

Não há problema em animês “se copiarem”, desde que o que vier depois apresente pontos interessantes próprios que tornem a experiência de assisti-lo válida por si só. O recente Shadowverse usa muito de Yu-Gi-Oh!, mas entretêm pelos personagens extremamente carismáticos e clichês bem construídos ao longo dos episódios. Com o estouro de Sword Art Online no início da década passada, uma penca de séries onde personagens de cabelo preto são enviados para um mundo com regras de jogos surgiram na onda, o que não impediu que, ao menos, duas obras-primas surgissem brincando com essa esquematização: Re:Zero e KonoSuba. Mesmo uma temática limitada como a desconstrução de shoujo magical girls explorada em Madoka conseguiu gerar frutos futuros, com o excelente e pouco lembrado Luck & Logic vendo a luz do dia anos depois.

Só que Tower of God é um pastiche tão fraco que não consegue propor nada de empolgante a partir dos materiais que usa como fonte de inspiração. É tudo tão genérico, tão pouco criativo, que fica impossível prestar atenção no que é contado sem se desligar e fazer comparações mentais com outras obras. As locações; as criaturas diferentes; os candidatos misteriosos que, em algum momento, terão um papel decisivo e sanguinário dentro de alguma prova; os examinadores serem os próprios profissionais daquilo que os participantes estão querendo se tornar; a interferência política no meio do teste para eventuais consequências futuras aos protagonistas; as provas em si: tudo parece já ter sido feito antes, com doses bem maiores de “legalzice”, em Hunter X Hunter ou Naruto.

Sendo mais claro: as diferentes locações que são montadas ao longo das fases do teste são bem pouco impressionantes; as criaturas utilizadas, sejam participantes ou bestas selvagens no cenário, são quase nada elaboradas em seus designs de personagens e poderes; quando um trio de candidatos novos aparece vestido com capuzes, já dá para sacar na hora que alguma confusão irá rolar; os examinadores são versões menos criativas de caçadores ou ninjas, por vezes dando conselhos óbvios úteis, por vezes mostrando que são mais poderosos que o resto presente; resolvem inserir duas viradas de mesa armadas por personagens ligados à política daquela realidade, o que poderia ser interessante para elaborar a mitologia que cerca a série, mas são pouco aproveitadas pela falta de tempo em tela; e as próprias provas são bem qualquer nota, pouco inventivas e, diria até, mal explicadas.

Não que seja de todo ruim. Gosto bastante da maneira como tudo é desenhado, sendo algo entre obras do estúdio Trigger e pinturas com lápis de cor animadas. Tem um personagem “Gato Félix” cujo poder de retirar coisas de dentro de sua pasta é usado criativamente em uns dois ou três segmentos. A própria história de fundo dele, sendo expulso de uma família socialmente mal vista, parece render pano pra manga. E um dos vários plot twists no final é tão estúpido que faz a volta e se torna engraçado de assistir.

Tower of God não é nem salvador de vidas, nem destruidor. O pacote todo é só… passável demais, nota 6 demais. Não faz mal, mas a impressão depois de assistir é que aquelas horas poderiam ter sido utilizadas com algo legal de verdade, com algo excelente. E, bom, talvez a indiferença seja ainda pior que o desprezo quando falamos de obras de arte, não?